O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária

AutorEliseu Alves Waldman
Páginas89-106
O CONTROLE DAS DOENÇAS INFECCIOSAS
EMERGENTES E A SEGURANÇA SANITÁRIA
Eliseu Alves Waldman(*)
A TRAJETÓRIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS E
SUA IMPORTÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
As doenças infecciosas acompanham o homem desde o início de sua
história. Há indícios de que a persistência de agentes infecciosos entre seres
humanos somente foi possível quando surgiram os primeiros aglomerados
populacionais, de tamanho suficiente para a contínua circulação dessas es-
pécies, por meio da transmissão pessoa a pessoa. A origem exata de boa
parte dos agentes infecciososo é perfeitamente conhecida, porém, a par-
tir do momento em que houve condições para a manutenção regular desse
modo de transmissão, o homem assume, com freqüência, o papel de reser-
vatório natural de muitos microrganismos e parasitas. Além do homem, pas-
sam também a desempenhar o papel de fonte de infecção: animais infecta-
dos,
alimentos contaminados e a água. As doenças infecciosas adquirem,
então, condições para sua ampla disseminação (Satcher, 1995).
À medida que diferentes civilizações se desenvolveram e que alguns
impérios alargaram seus territórios, temos a ampliação progressiva do inter-
câmbio entre os continentes, criando condições favoráveis à disseminação
das doenças infecciosas. Populações suscetíveis, que viviam em aglomera-
dos humanos distribuídos em pontos distantes, mas localizados em rotas de
caravanas de mercadores, eram sucessivamente atingidas por novos agen-
tes patogênicos. Exploradores e exércitos conquistadores serviram de "veto-
res"
para a ampla circulação de agentes infecciosos. Esporadicamente,
epi-
demias de peste, varíola, tifo e sarampo assolavam populações, dizimando
inclusive exércitos e alterando o curso da história (Satcher, 1995).
Até o final do século passado, os principais problemas de saúde-
blica eram a fome endêmica e as doenças infecciosas, responsáveis por
elevadas taxas de mortalidade infantil e pela baixa expectativa de vida das
(*) Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP.
populações humanas. Nesta época, a falta de saneamento e as habitações
insalubres constituíam ainda características das cidades; as diarréias, a
varíola, a peste, a cólera e a tuberculose eram responsáveis por alta pro-
porção dos óbitos, mesmo em países desenvolvidos (Beaglehole & Bonita,
1997).
No correr deste século, pela melhoria das condições de vida decorren-
te do saneamento das cidades, do aprimoramento das habitações, da eleva-
ção da renda e do grau de instrução das populações e também pelo desen-
volvimento de novas tecnologias médicas aplicadas na produção de vacinas
e de antibióticos, assistimos a uma acentuada queda na morbi-mortalidade
determinada pelas doenças infecciosas. Em contraposição a essa tendên-
cia,
temos, a partir da década de 1920, o aumento da importância das doen-
ças cardiovasculares, das neoplasias e da violência como causa de adoeci-
mento e morte, especialmente após a segunda guerra mundial.
A acentuada queda da morbi-mortalidade pelas doenças infecciosas
teve influência, ainda que indireta, nas modificações da estrutura demográfi-
ca em boa parte dos países, caracterizadas principalmente pelo aumento da
expectativa de vida, pela queda da fecundidade e pelo envelhecimento das po-
pulações. Essas transformações atingiram todo o globo, inicialmente as na-
ções industrializadas e depois, com intensidade e velocidades distintas, as
regiões em desenvolvimento (Bobadilla et al, 1993; Frenk et al, 1989).
Esse processo de transformações foi acompanhado pela modificação
da principal característica das doenças infecciosas, qual seja, a de estar
intimamente ligada às condições de vida definidas pela miséria e subdesen-
volvimento. Hoje, as moléstias infecciosasm seu comportamento condi-
cionado, em boa parte, a um conjunto muito mais complexo de fatores, cujo
eixo passa a vincular-se, fortemente, aos modelos de desenvolvimento eco-
nômico, às políticas de industrialização e às suas principais conseqüências,
entre elas: o rápido processo de urbanização, as mudanças de hábitos das
populações, as alterações ambientais nas cidades e no campo, as migra-
ções e o aumento do intercâmbio internacional, que assume o papel de "ve-
tor cultural" na disseminação de microrganismos (Altekruse, 1997;
Fidler,
1996;
Morse & Hughes, 1996).
Tais fatores, por um lado, aceleram o processo de disseminação de
microrganismos e parasitas, modificam sua interação com o homem, crian-
do condições para a emergência e difusão de novas doenças infecciosas.
Por outro, permitem o ressurgimento de doenças consideradas eliminadas.
A partir do início dos anos 90, temos, por conseqüência, o retorno das doen-
ças infecciosas à agenda de prioridades em saúde pública, mesmo nos paí-
ses desenvolvidos (CDC, 1994).
As transformações verificadas no comportamento desse grupo de do-
enças levam à busca de uma nova abordagem para sua compreensão. Sur-
ge então, a partir dos anos 90, o conceito de doenças infecciosas emergen¬

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