A natureza jurídica da cooperativa de crédito frente ao contrato de trabalho de seus empregados

AutorAntônio Carlos Cabral
CargoMestre em Direito Profissionalizante - PMPD/UNIVALI. Advogado. Professor de Prática Jurídica no Curso de Direito da UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí, Campus I.
Páginas129-147

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1. Introdução

"Qualquer que seja a ciência de que se trate, somente a experiência e a observação é que revelam situações novas para serem desvendadas. Partindo desse pressuposto e tratando especificamente da Ciência do Direito, pode-se afirmar que dificilmente se apontará um repositório tão fértil de fatos ou situações merecedoras de considerações científicas como a prática forense, ou seja, a atividade jurídica no "fórum" (=em juízo). Daí a razão pela qual, no Brasil, muitas das soluções mais inteligentes para problemas jurídicos são propostas por esses profissionais, embora se saiba que, na maioria das vezes, não se tratam de pesquisadores, mas de técnicos". 1

O presente artigo se originou de uma série de estudos que redundaram no ajuizamento de ação trabalhista em face de uma Cooperativa de Crédito, buscando o enquadramento do autor na categoria dos bancários para que viesse ele auferir as vantagens conferidas pelo art. 224, da Consolidação das Leis do Trabalho àquela categoria profissional, tais como jornada reduzida, gratificação de função e pagamento de horas extras, bem como, ainda, as vantagens decorrentes das Convenções Coletivas do Trabalho.

Considerando que os empregados das cooperativas de crédito exercem atividades idêntica a dos bancários, a ação teve total êxito em primeira instância. A decisão, contudo, foi reformada pelo egrégio Tribunal Regional do Trabalho, sob o fundamento de que sendo as Cooperativas de Crédito sociedades de pessoas com forma e natureza próprias, constituídas para a prestação de serviços apenas aos seus cooperados, não há respaldo legal para equipará-las às instituições financeiras, porquanto são diversos os seus objetivos sociais.

O processo encontra-se no Colendo Tribunal Superior do Trabalho, pendente de julgamento do Recurso de Revista interposto pelo obreiro.

Pretende-se, pois, demonstrar que o acórdão regional esgotou a prestação jurisdicional, apegando-se apenas e isoladamente à legislação que define as Cooperativas de Crédito - a Lei nº 5.764/ 712-, sem, contudo, estabelecer qualquer parâmetro com os demais dispositivos a elas aplicáveis.

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Antes, contudo, far-se-á um breve comentário a respeito do contrato de trabalho, seus elementos e natureza jurídica.

2. Contrato de trabalho

MARANHÃO3, pondera que:

"a simples denominação - contrato de trabalho - revela uma atitude nova do direito quanto ao fenômeno social da prestação de trabalho. Traduz um sentido de autonomia jurídica da disciplinação contratual da relação de trabalho, que escapa às fórmulas clássicas do direito comum, que a aproximava da locação de coisas. Nosso Código Civil desconhece a figura jurídica do contrato de trabalho, tratando apenas, da "locação de serviço" e da "empreitada" no mesmo capítulo em que regula a "locação de coisas", como espécie do gênero "locação". O grande LACERDA DE ALMEIDA, criticando, nesse particular, o Código Civil, que, segundo ele, "colocou-se abaixo do assunto magno", já se referia a "contrato de trabalho", "cuja denominação" - acrescenta - "está indicando que já não satisfaz qualificar com segurança - locação - o nexo contratual entre o capital e o trabalho". Com o advento da chamada "legislação do trabalho", a nova denominação ganhou foros de cidade em nosso direito".

Segundo a definição contida no art. 442, da CLT o contrato de trabalho "é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego".

MORAES FILHO e FLORES DE MORAES4 , lecionam que o Contrato de Trabalho é "o acordo pelo qual uma pessoa natural se compromete a prestar serviços não eventuais a outra pessoa natural ou jurídica, em seu proveito e sob suas ordens, mediante salário".

SAAD5 , anota que:

"Dentre as numerosas definições do contrato de trabalho damos preferência à do insigne jurista patrício Délio Maranhão ("Instituições de Direito do Trabalho" tomo I, pág. 268): "Contrato de trabalho é negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa (empregador) a quem fica juridicamente subordinada". Page 131

CARBONEL6 , leciona:

"Sempre que uma ou mais pessoas prestem serviços privados, de natureza não eventual, a outra pessoa física ou jurídica, mediante salário e sob a fiscalização desta, haverá um contrato de trabalho que obrigará os contratantes ao cumprimento dos dispositivos enquadrados na Consolidação das Leis do Trabalho, não importando a forma desse contrato quanto às pessoas que nele intervêm, nem ao tempo de duração, nem, também, se tácito ou escrito".

Analisando os conceitos, verifica-se que os elementos nucleares que identificam o contrato de trabalho stricto sensu são: a) os sujeitos - a pessoa física (empregado) e a pessoa jurídica ou física (empregador); b) a subordinação jurídica (trabalho subordinado) e; c) a dependência econômica (salário).

Naturalmente, o contrato de trabalho imprescinde ainda de outros elementos que se denominam intrínsecos e extrínsecos que lhes dão validade e, sendo omissa a legislação trabalhista, estão regulados pelo Código Civil, aplicável por força do art. 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho. São eles: o consentimento, a causa, o objeto e a forma (pressupostos intrínsecos); a capacidade das partes, idoneidade do objeto e a legitimação para realizá-lo (elementos extrínsecos ou requisitos).7

O elemento diferenciador do contrato de trabalho, ante os demais contratos, é a dependência jurídica.8

Segundo MORAES FILHO e FLORES DE MORAES9:

"Sob suas ordens significa que o prestador dos serviços não executa a tarefa como lhe aprouver da forma que desejar, a seu critério. Ele é um trabalhador subordinado, dependente, dirigido por outrem (o empregado). Por isso mesmo é que se constrói toda a legislação do trabalho, exatamente para proteger alguém que, ao celebrar o contrato, abdica da sua vontade, para subordinar-se durante os horários de trabalho e dentro da sua qualificação profissional. Cabe ao empregador dirigir, fiscalizar, controlar e aferir a produção do seu empregado, é ele o titular do negócio, a autoridade, o principal. Por isso mesmo também são seus os riscos da atividade econômica: ubi emolumentum, ibi onus".

MARANHÃO10 , assevera:

"Mas a subordinação do empregado é jurídica, porque resulta de um contrato: nele encontra seu fundamento e seus limites. O conteúdoPage 132 desse elemento caracterizador do contrato de trabalho não pode assimilar-se ao sentido predominante na Idade Média: o empregado não é "servo" e o empregador não é "senhor". Há de partir-se do pressuposto da liberdade individual e da dignidade da pessoa do trabalhador. Como escreve EVARISTO DE MORAIS FILHO, "é de todo incompatível com a dignidade humana a teoria de alguns autores alemães - neste particular, verdadeiros precursores da Carta de Trabalho nazista de 1934 - que vêem na relação de trabalho uma relação senhorial, na qual uma das partes tem todo o poder e à outra compete somente obedecer". Tem razão, portanto, SANSEVERINO, quando frisa que a subordinação própria do contrato de trabalho não sujeita ao empregador toda a pessoa do empregado, sendo como é, limitada ao âmbito da execução do trabalho contratado. A subordinação não cria um "status subiectionis": é, apenas, uma situação jurídica".

A subordinação jurídica, pois, tem seu ponto crucial na direção e na fiscalização do serviço, em outras palavras, no cumprimento das normas referentes à execução dos trabalhos pelo empregoado, logicamente, nos limites do contrato.

No que se refere a natureza jurídica do contrato de trabalho, RUSSOMANO11 leciona que "assim, o contrato individual do trabalho é de direito privado, consensual, sinalagmático perfeito, oneroso, comutativo, sucessivo e do tipo dos contratos de adesão."

Assevera o autor que o contrato de trabalho é de natureza privada, porquanto, se forma na trajetória das relações privadas; é consensual, porque representa um acordo de vontades livres para que se estabeleça a relação jurídica; é sinalagmático perfeito, uma vez que obriga ambas as partes, criando direitos e obrigações; é oneroso, em razão de que a remuneração é requisito de sua caracterização jurídica; é comutativo, por haver presunção de que o salário pago corresponde ao trabalho realizado; é sucessivo, pois o contrato é firmado sob a idéia de continuidade; e é de adesão, na medida que o empregado aceita as condições que são estabelecidas pelo empregador.

Tratando da onerosidade do contrato de trabalho, NASCIMENTO12, afirma que:

"A garantia da percepção efetiva da retribuição pelo trabalhador é uma constante nas normas destinadas à regulamentação das condições de trabalho. Se o salário é o meio através do qual o operário obtémPage 133 os recursos necessários para a sua subsistência pessoal e familiar, justifica-se, plenamente, a existência de um sistema de proteção destinado a garantir a manutenção permanente dos seus ingressos habituais dos quais depende a formação da sua receita".

Prosseguindo os ensinamentos, assegura o autor que:13

"Sob o ângulo da Economia, há diferenciais de acordo com o emprego exercido, a região e a categoria industrial; no mesmo serviço e dentro do mesmo mercado de trabalho, entre duas empresas, entre homem e mulher, entre moço e velho, são diferentes as escalas salariais.

(...) Razões dessa ordem levaram o Direito a tomar posição, mediante regulamentação pública, de sentido humanitário, impeditiva de situações injustas e de disparidade salarial, em alguns países, mediante leis até de natureza constitucional, consubstanciadas no princípio do salário igual para trabalho igual".

Muito embora não se esteja neste artigo tratando especificamente da isonomia salarial ou do salário...

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