COVID-19 e proteção de dados na era do capitalismo de vigilância

AutorAna Luiza Pinto Coelho Marques/Emilio Peluso Neder Meyer
Ocupação do AutorMestranda em Direito pela UFMG. Advogada/Professor Adjunto de Direito Constitucional da UFMG
Páginas349-374
COVID19 E PROTEÇÃO DE DADOS NA ERA
DO CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA
Ana Luiza Pinto Coelho Marques1
Emilio Peluso Neder Meyer2
Sumário: Introdução. 1. Big data e capitalismo de vigilância. 2.
Democracia e capitalismo de vigilância em tensão. 3. COVID-19,
isolamento social e controle da pandemia. Conclusão. Referências.
Introdução
A sociedade do século XXI é hiperconectada3: a internet
tornou-se um serviço acessível e imediato e as redes sociais contam
com um número cada vez maior de usuários. Vivemos em um perío-
do de constantes inovações tecnológicas e de ampliação da utilização
destes mecanismos ao redor do mundo, especialmente no que tange
às tecnologias de informação e comunicação (TICs), que afetam di-
retamente o modo como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.
Os dados produzidos por uma vida cada vez mais digital
crescem exponencialmente (big data). Surge, assim, um novo mode-
lo de negócio, desenvolvido a partir da coleta, tratamento e análise
dos dados que produzimos ao navegar na rede, os quais represen-
tam, em realidade, nosso comportamento, pensamento e desejos,
que passam a ser utilizados em prol de uma maior eciência do
sistema econômico e do incremento dos lucros. Diferentemente do
capitalismo industrial e nanceiro, o capitalismo do século XXI é
1 Mestranda em Direito pela UFMG. Advogada.
2 Professor Adjunto de Direito Constitucional da UFMG. Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Estágio Pós-Doutoral no
King’s College Brazil Institute. Coordenador do Centro de Estudos sobre Justiça de Transição da UFMG. Pesquisador Resi-
dente no Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG (2018-2019). Pesquisador em Produtividade do CNPQ
(304158/2018-6).
3 World Economic Forum. e Global Information Technology Report 2012: Living in a Hyperconnected World. Disponível em:
. Data de acesso: 28.07.2019
350 • COVID-19 E PROTEÇÃO DE DADOS: CAPÍTULO 13
baseado na vigilância e na predição, indução e modicação do com-
portamento dos usuários.
Este novo modus operandi do mercado não produz efeitos
somente na esfera econômica, mas inuencia também a sociedade,
os Estados e a democracia. Principalmente a partir de 2016, com
os escândalos da Cambridge Analytica e do Facebook e sua atuação
em processos políticos como o Brexit e a eleição de Donald Trump,
ganharam destaque os efeitos negativos que as novas tecnologias,
baseadas no imperativo da vigilância, podem produzir nas institui-
ções democráticas. A titularização desses dados sensíveis por parte
dos governos também pode ser danosa à democracia, por criar um
estado de vigilância, em que o monitoramento dos cidadãos ocorre
a todo tempo e em qualquer lugar.
A pandemia do COVID-19 (coronavírus) – e a necessidade
de medidas de isolamento social e combate do vírus ao redor do
mundo – vem produzindo efeitos que merecem atenção. Dentre
eles, destaca-se a aceleração da virtualização e automação de esferas
da vida ainda não dominadas pelas TICs. Somado a isso, iniciativas
para o monitoramento dos cidadãos infectados e controle da dis-
seminação do vírus ampliam a possibilidade de vigilância das Big
Tec hs e também dos governos.4
Diante disso, busca-se, no presente trabalho, inicialmente
traçar breves considerações sobre os conceitos de big data e capita-
lismo de vigilância e, em seguida, alguns dos efeitos negativos que
as novas tecnologias, instrumentalizadas pelos interesses de maxi-
mização dos lucros das grandes empresas da área ou pela busca por
ampliação do poder político por parte de governos ou partidos polí-
ticos, podem representar do ponto de vista democrático.
Em seguida, discorreremos sobre os impactos produzidos
pelo COVID-19 nesse contexto, com enfoque nas novas tecnologias
de rastreamento e monitoramento do vírus desenvolvidas, em par-
ceria envolvente dos setores privados e público, para o controle da
pandemia e dos infectados.
A abrangência das informações disponibilizadas a esses
sistemas e a opacidade quanto ao modo de proteção dos dados, as
nalidades de sua utilização e a ausência de restrição temporal cha-
4 As Big Techs compreendem as gigantes companhias que dominam a era digital, capitalizando toda sorte de dados a partir da
vigilância: Google, Facebook, Amazon, Twitter e Apple, para car em alguns exemplos.

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