O Crescimento e a Redução do Estado Brasileiro – A Permanência da Crise Fiscal

AutorCláudia Maria Borges Costa Pinto
CargoAdvogada/PR. Mestre em Direito Econômico e Social (PUC/PR). Professora nas disciplinas de Direito Tributário e Direito Processual Tributário na PUC/PR. Especialista em Direito Tributário (Faculdade de Direito de Curitiba)
Páginas5-10

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1. O crescimento do Estado

Quando se estuda a evolução do Estado até os dias de hoje, percebe-se com relativa facilidade que as principais causas de seu atual desequilíbrio financeiro, de um modo geral, foram a atribuição de um maior número de tarefas ao Estado e o seu consequente crescimento.

Após a derrocada dos Estados Absolutistas, houve o surgimento do Estado Liberal, fundado nas ideias da proteção da liberdade e da igualdade.

Inspirado pela obra de Adam SMITH, o modelo liberal de absenteísmo na atividade econômica mostrou-se insuficiente para debelar as distorções econômicas e sociais que ele mesmo provocara, afetando mecanismos de mercado que levaram à Grande Depressão, na década de 30.

“(...) em termos históricos, podemos afirmar que o modelo liberal, consolidado ao longo do século XIX e embasado no binômio Estado/indivíduo (com a exclusão do social), entrou em crise em fins do mesmo século e primórdios do século XX, ao desencadear-se o processo de politização da sociedade, antes excluída da normatização constitucional, resultante da agudização das contradições de classe do modelo capitalista.”1

Após a II Guerra Mundial consolidou-se um novo modelo de Estado: o Estado Social (também denominado welfare state, Estado do Bem-Estar, Estado Providência, Estado do Desenvolvimento, Estado Social de Direito), cuja ascensão, fortemente intervencionista, considerava “ser sua função assumir directamente a responsabilidade pela execução de um amplo programa de tarefas prestacionais teleologicamente vinculadas pelos textos constitucionais à prossecução do bemestar”2.

Neste novo modelo superam-se as ideias liberais de cunho individualista e da igualdade meramente formal (as quais, frise-se, ensejaram profundas desigualdades sociais) para a busca de uma igualdade em sentido material.

Observa-se, no período (final do século XIX e primeiras duas décadas do século XX), uma “abundante produção legislativa que atribuiu ao Estado as competências de intervenção na economia”3, firmando-se, como grandes marcos históricos da ascensão do Estado Social as Constituições do México (1917) e Weimar (1919).

Assim, atribui-se ao Estado o dever de intervir na ordem econômica, para o fim de corrigir as distorções provocadas pelo liberalismo até então vigente.

Maria Sylvia Zanella DI PIETRO comenta este fenômeno explicando que:

“(...) com o crescimento dos chamados direitos sociais e econômicos (...) o Estado (...) ampliou desmesuradamente o rol de suas atribuições, adotando diferentes atitudes: a. algumas atribuições foram assumidas pelo Estado como serviços públicos, entrando na categoria de serviços públicos comerciais, industriais e sociais; para desempenhar esses serviços, o Estado passou a criar maior número de empresas estatais e fundações; b. outras iniciativas, também de natureza econômica, o Estado deixou na iniciativa privada, mas passou a exercê-las a título de intervenção no domínio econômico, por meio de sociedades de economia mista, empresas públicas e outras empresas sob controle acionário do Estado; c. finalmente, outras atividades, o Estado nem definiu como serviço público nem passou a exercer a título de intervenção no domínio econômico; ele as deixou na iniciativa privada e limitou-se a fomentá-las, por considerá-las de interesse para a coletividade. Desenvolve-se, então, o fomento como uma atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada de interesse público. O Estado fomenta a iniciativa privada por diferentes meios, como os honoríficos (prêmios, recompensas, títulos e menções honrosas), os jurídicos (outorga de privilégios próprios do Poder Público que outras entidades não têm) e os econômicos (auxílios, subvenções, financiamentos, isenções fiscais, desapropriações por interesse social, etc.).”4

Em consequência, com o abandono do reconhecimento do papel até então meramente complementar do Estado, assistiu-se a um crescimento excessivo dele, com reflexos negativos que, nas lições de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, podem ser sintetizados:

  1. O Estado, que até então era prestador de serviços, passa a ser também um Estado empresário, investidor (ocasionando o fortalecimento do Poder Executivo e a atribuição de poderes normativos a ele, com inevitáveis reflexos negativos nos princípios da separação dos poderes e da legalidade).

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  2. Com o crescimento da máquina administrativa foram adotados métodos burocráticos de especialização (organização em carreiras), hierarquização (atuação homogênea) e subordinação à lei (e, assim, a impessoalidade), que, ao serem aplicados indistintamente a todas as atividades do Estado, conduziram à sua ineficiência na prestação dos serviços (deficiência esta agravada pelo volume de atividades por ele assumidas e pelas crises financeiras havidas, em especial, na América Latina).

  3. O princípio da legalidade sofre nova configuração: abandonaram-se as normas de Direito Natural (então defendidas no ideário liberal) pelo positivismo jurídico, que passou a analisar a lei despida de qualquer conteúdo de justiça (tendência esta perfilhada também pelo Poder Judiciário, que não acompanhou o crescimento e não absorveu a complexidade dos inúmeros conflitos surgidos com o novo perfil do Estado).

  4. Por fim, diferentemente do Estado liberal (que não desejava a ação do Estado senão em termos bem restritos e definidos), no Estado social o indivíduo passou a exigir a ação estatal: “a sociedade quer subvenção, financiamento, escola, saúde, moradia, transporte; quer proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio histórico e artístico nacional e aos mais variados tipos de interesses difusos e coletivos”, multiplicando e se tornando mais complexas as relações entre a Administração e o administrado5.

    A estes aspectos negativos, adicionamos um fator de suma importância em termos de estruturas de mercado: a abundante criação de novas normas tributárias, abrangendo novas hipóteses de incidência, para atender à crescente demanda da arrecadação.

    Em termos de controle, as estruturas idealizadas no período liberal, embora modificadas no decorrer do tempo, não conseguiram atender adequadamente ao processo de evolução e crescimento do Estado.

    Assim, ao mesmo tempo em que o Estado foi convocado a atuar nos campos econômico e social (para assegurar justiça social), passou a colocar em risco a liberdade individual (com restrições que vão desde simples limitações ao exercício de direitos até atuação direta no setor da atividade privada, com o agravante de não alcançar o objetivo inerente ao Estado Social – assegurar o bem comum).

    As consequências negativas do Estado Social demandaram novas transformações no papel do Estado: acrescentou-se o elemento democrático ao Estado Social, que passou a ser concebido como Estado de Direito Social e Democrático (é de Direito – protetor das liberdades individuais, sem deixar de ser Social – protetor do bem comum). Insere-se o elemento democrático (que já se encontrava presente, na formulação anterior, frise-se) com uma nova roupagem, a saber: “participação popular no processo político, nas decisões do Governo, no controle da Administração Pública”6.

    No Estado Democrático de Direito, o princípio do interesse público assume nova feição, passando da concepção utilitarista (inspirado nas doutrinas contratualistas liberais, no qual o Direito assumia o papel de proteger as liberdades individuais, como tutela do bem-estar geral, em sentido puramente material) para se humanizar: preocupa-se não só com bens materiais, mas também como valores considerados essenciais a uma existência digna, o que exige do Estado uma atuação com vistas a diminuir as desigualdades sociais e levar a toda comunidade o bem-estar social.

    O princípio da legalidade, por seu turno, também assume novos contornos: não basta ao Estado submeter-se à lei, mas sim a todos os princípios que se encontram na base do ordenamento jurídico, estejam positivados ou não.

    Ao Estado Democrático de Direito acresce-se a ideia de Estado subsidiário (sua formulação é anterior, remontando aos fins do século XIX e começo deste século, com a Doutrina Social da Igreja), cujos ideais que lhes são inerentes são:

  5. respeito aos direitos individuais (o Estado deve manter neutralidade e abster-se de intervir em atividades nas quais a iniciativa privada pode atuar autonomamente e com seus próprios recursos);

  6. o Estado deve exercer atividades de incentivo, coordenação e fiscalização da iniciativa privada, deixando a esta o risco de seus empreendimentos;

  7. parceria entre o público e privado, dentro do objetivo de subsidiar a iniciativa privada, quando esta é deficiente. O bem comum, na definição do Papa João XXIII, na Mater et Magistra, é “o conjunto de condições sociais por onde os homens tornam-se capazes de alcançar mais facilmente a plenitude de seu desenvolvimento”.

    João Paulo II, na Centesimus Annus, afirma que o Estado, na busca do bem comum, deve respeitar a autonomia dos indivíduos, das famílias, das associações de classe, grupos econômicos, partidos políticos, assentando-se, assim, o conceito da subsidiariedade do Estado.

    Ensina Maria Sylvia Zanella DI PIETRO que o princípio da subsidiariedade, ao se estabelecer na própria base da nova concepção do Estado de Direito Social, implica a ideia de que os direitos fundamentais não constituem apenas uma barreira à atuação do Estado (como no período liberal), mas significam a própria razão de ser do Estado, a quem compete promover, estimular e criar condições para que o indivíduo se desenvolva livremente e igualmente dentro da sociedade (em especial condições de participação do cidadão no processo político e controle das atividades governamentais).

    Em outras palavras, desloca-se o foco para a...

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