Crimesambientais:aincidênciadoprincípioda insignificância

AutorRenato Marcão
CargoMestre em Direito Penal, Político e Econômico Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo Professor em cursos de pós-graduação
Páginas56-57

Page 56

1. Introdução

Ensinou Nelson Hungria que a lei não pode ficar inflexível e perpetuamente ancorada nas ideias e conceitos que atuaram na sua gênese. A lógica da lei, disse o penalista citando a lição de Maggiore, não é estática e cristalizada, mas dinâmica e evolutiva. "Se o direito é feito para o homem e não o homem para o direito, o espírito que vivifica a lei deve fazer dela um instrumento dócil e pronto a satisfazer, no seu evoluir, as necessidades humanas." E dizia ainda o insuperável penalista, há algumas décadas passadas: "No estado atual da civilização jurídica, ninguém pode negar ao juiz a faculdade de afeiçoar a rigidez da lei ao progressivo espírito da sociedade, ou de imprimir ao texto legal a possível elasticidade, a fim de atenuar os contrastes que acaso surjam entre ele e a cambiante realidade. Já passou o tempo do rigoroso tecnicismo lógico, que abstraía a lei do seu contato com o mundo real e a consciência social"1.

É sempre renovada a lição acima transcrita, que não deve ser esquecida pelos magistrados, como de resto por todo e qualquer operador do direito, tanto quanto não se presta, tão somente, para fundamentar um juízo de interpretação da norma, senão também para proporcionar a reclamada atualização do pensamento jurídico em sentido amplo, de modo a permitir a adequada dimensão do direito penal e possibilitar a aceitação definitiva de certos institutos, como é o caso do princípio da insignificância, sempre ligado à ideia de bagatela e efetiva lesividade.

2. Bagatela e insignificância

Oconceito de delito de bagatela, dizMaurícioAntonio Ribeiro Lopes, "não está na dogmática jurídica. Nenhum instrumento legislativo ordinário ou constitucional o define ou o acata formalmente, apenas podendo ser inferido na exata proporção em que se aceitam limites para a interpretação constitucional e das leis em geral. É de criação exclusivamente doutrinária e pretoriana, o que se faz justificar estas como autênticas fontes de Direito. Por outro lado, mercê da tônica conservadorista do Direito, afeta seu grau de recepcionalidade no mundo jurídico"2.

Na objetiva visão de Luiz Flávio Gomes, "bagatela significa ninharia, algo de pouca ou nenhuma importância ou significância"3.

Nada obstante os reiterados exemplos que a realidade prática rotineiramente proporciona, vezes até noticiados com certa perplexidade e "desconforto" pela mídia, não se pode negar que, ainda nos tempos atuais, parte considerável da jurisprudência nacional tem se posicionado de maneira contrária à aplicação do princípio da insignificância em matéria penal4.

A discussão ganhou novos argumentos contrários em se tratando de crimes ambientais5, e reiteradas vezes se tem decidido pela inadmissibilidade da insignificância no trato da matéria, notadamente em razão da natureza do bem jurídico tutelado6e de uma alegada impossibilidade de se avaliar a real extensão do dano causado no ecossistema pela conduta do agente7.

Prevalece na jurisprudência, entretanto, entendimento no sentido da incidência do princípio da insignificância em matéria penal, de modo a atingir a tipicidade material da conduta e restar sem razão jurídica a persecução penal em Juízo.

A propósito do tema, de longa data as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal vêm se pronunciando favoravelmente à possibilidade de não se desprezar a realidade...

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