A criminalidade cibernética e os limites da territorialidade
Autor | Raquel Botelho Santoro |
Ocupação do Autor | Advogada. Mestre e Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutora em Direito Internacional pela mesma instituição. Possui Licence e Master I en Droit pela Université Lyon 3, e atualmente cursa o Master 2, em 'Droit Pénal des Affaires', pela mesma instituição. |
Páginas | 43-74 |
A CRIMINALIDADE CIBERNÉTICA
E OS LIMITES DA TERRITORIALIDADE
Raquel Botelho Santoro*1
Sumário: Introdução – 1. Do arcabouço legal – 2. Os limites da territorialidade quanto à crimi-
nalidade cibernética – 3. Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
A presente coletânea tem por objetivo abordar um dos temas mais atuais não
só do Direito, mas de toda a sociedade, seja no âmbito da economia, da política
e até mesmo das interações sociais, e que diz respeito à dimensão digital dos atos
da vida mais cotidianos.
E sendo o direito penal uma consequência lógica dos fatos da vida, e tendo
por objetivo resguardar a sociedade, é evidente que essa nova realidade digital
impactou também diretamente este ramo do direito, que teve de se adequar, tanto
pela criação de novas normas, quanto pela adaptação de conceitos tradicionais,
os quais têm que ser constantemente aprimorados levando em conta a rapidez
com que se desenvolve o direito digital como um todo.
O presente trabalho se insere, então, dentro deste contexto, e, mediante
uma divisão em duas partes distintas, vai inicialmente analisar o arcabouço
legal relevante à matéria – especialmente no Brasil – e, posteriormente, exa-
minar como essa nova criminalidade tem impactado na questão da jurisdição
nacional, em especial diante do conceito de territorialidade, tão caro ao direito
penal tradicional.
1. DO ARCABOUÇO LEGAL
A legislação penal brasileira é basicamente composta pelo Código Penal
(Decreto-Lei 2.848/40) e pelo Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41),
bem como pela legislação avulsa que instituiu pequenas reformas nesses diplomas
* Advogada. Mestre e Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP).
Pós-doutora em Direito Internacional pela mesma instituição. Possui Licence e Master I en Droit
pela Université Lyon 3, e atualmente cursa o Master 2, em “Droit Pénal des Aaires”, pela mesma
instituição.
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ao longo dos anos, somada à legislação especial que complementa o arcabouço
da legislação penal brasileira e alguns tratados e convenções internacionais que
também tratam da matéria.
Algumas dessas legislações mais recentes já têm trazido a preocupação com
as inovações do direito digital, buscando ora regular especicamente as novas
condutas que podem ser consideradas como crimes, ora adaptar os princípios e
normas tradicionais às novas realidades de execução, repressão e responsabilização
decorrentes da criminalidade cibernética.
Apesar de que muitas condutas hoje perpetradas pelo meio virtual poderem
ser tipicadas em crimes já tradicionalmente previstos na legislação, o que se
observa é que a evolução legislativa passou a prever circunstâncias especícas
de execução, agravamento e responsabilização dessas condutas, além de ter, em
algumas situações, criado tipos especícos para abranger condutas até então não
tipicadas.
Assim, vamos abaixo enumerar descritivamente alguns exemplos dessa nova
legislação, que nos darão o embasamento suciente para analisar, em sequência, a
matéria que este artigo se dispõe a examinar, e que trata da aplicação do princípio
da territorialidade a essas novas modalidades de crimes cibernéticos.
(a) A Lei 12.015/2009
Referida Lei – uma das primeiras a tipicar na legislação a preocupação até
então crescente com a criminalidade digital – incluiu o artigo 244-B no Estatuto
da Criança e do Adolescente (“ECA” – Lei 8.069/90), prevendo que o crime de
corrupção ou facilitação à corrupção de menores também poderia ser cometido
por meios eletrônicos, nos seguintes termos:
Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele prati-
cando infração penal ou induzindo-o a praticá-la.
Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipicadas
utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet.
§ 2º As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infra-
ção cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990.
A necessidade de previsão de que a configuração da conduta criminosa
ali tipificada também se dava por meios eletrônicos decorreu da constatação
empírica de que tais situações efetivamente passaram ocorrer cada vez mais
online, aproveitando-se os infratores de um pretenso anonimato conferido
pela internet.
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A CrIMINALIdAdE CIBErNÉTICA E oS LIMITES dA TErrITorIALIdAdE
(b) A Lei 12.288/2010
A Lei 7.716/89 dene os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor
e tipica e reprime uma série de condutas especícas, no espírito do que foi inclu-
sive constitucionalizado na Carta de 1988, que previu o repúdio ao racismo como
um dos princípios da República, tendo ainda determinado a inaançabilidade e
imprescritibilidade de tais crimes.
Nessa esteira, em 2010, foi editada a Lei 12.288, que incrementou o artigo
20 da Lei 7.716/89 ao dispor expressamente sobre a possibilidade de, congu-
rada a conduta de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”,
determinar-se a interdição das respectivas mensagens ou das próprias páginas de
informação na rede mundial de computadores que servissem como meio para a
prática da referida conduta, senão vejamos:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião
ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos
ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para ns de divulgação do nazismo.
(Redação dada pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de
comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei 9.459, de
15.05.1997)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou
a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada
pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respecti-
vo;(Incluído pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.(Incluído pela Lei
9.459, de 15.05.1997)
II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publi-
cação por qualquer meio; (Redação dada pela Lei 12.735, de 2012)
III – a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de
computadores. (Incluído pela Lei 12.288, de 2010)
§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão,
a destruição do material apreendido. (Incluído pela Lei 9.459, de 15.05.1997)
Vale observar que a legislação é clara ao prever que essa medida de proibição
de veiculação do conteúdo pode ocorrer até mesmo de forma preventiva, antes
mesmo de instauração de qualquer inquérito, desde que haja, para tanto, ordem
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