Criminologia do preconceito: uma perspectiva histórico-legislativa do brasil pré abolição da escravatura à herança do colonialismo na identificação negética compulsória no pacote anticrime

AutorCleuler Barbosa das Neves, Gisele Gomes Matos
CargoDoutor em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) / Doutoranda em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (UNICEUB)
Páginas99-132
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Revistas de Ciências Jurídica s e Sociais da UNIPAR,, Umuarama, v.26, n.1, p.99-132, 2023. ISSN 1982-1107
CRIMINOLOGIA DO PRECONCEITO: UMA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-LEGISLATIVA DO BRASIL PRÉ ABOLIÇÃO DA
ESCRAVATURA À HERANÇA DO COLONIALISMO NA
IDENTIFICAÇÃO NEGÉTICA COMPULSÓRIA NO PACOTE
ANTICRIME
Recebido em: 24/02/2023
Aceito em: 29/03/2023
DOI: 10.25110/rcjs.v26i1.2023-006 Cleuler Barbosa das Neves 1
Gisele Gomes Matos 2
RESUMO: A partir da questão racial do caso brasileiro de 300 anos de escravidão legal-
mente amparada, o presente artigo, recorrendo ao método dialético-argumentativo, arti-
cula uma análise sob as perspectivas histórica e legal das questões atinentes à inserção do
discurso racista na legislação brasileira, que culminou, inclusive, na adoção de uma polí-
tica de branqueamento do país, apresentando-se o arcabouço legislativo desde o período
pré-abolição da escravatura perpassando por leis como a Lei Áurea, os Códigos Penais
de 1890 e 1940, as Constituições de 1891 a 1988, a Lei Caó, a lei que tipificou a injúria
racial, o Pacote Anti Crime dentre outras, atrelado à realidade social, recorrendo-se à Cri-
minologia como ferramenta teórica.
PALAVRAS-CHAVE: Racismo; Criminologia do Preconceito; Legislação; Mito da De-
mocracia Racial; Identificação Genética Compulsória.
CRIMINOLOGY OF PREJUDICE: A HISTORICAL-LEGISLATIVE
PERSPECTIVE FROM PRE-SLAVERY BRAZIL TO THE LEGACY OF
COLONIALISM IN THE COMPULSORY NEGETIC IDENTIFICATION IN
THE ANTICRIME PACKAGE
ABSTRACT: From the racial issue of the Brazilian case of 300 years of slavery legally
supported, this article, using the dialectical-argumentative method, articulates an analysis
from the historical and legal perspectives of the issues related to the insertion of racist
discourse in Brazilian legislation, which culminated in, including the adoption of a policy
to whitewash the country, presenting the legislative framework since the pre-abolition
period of slavery, passing through laws such as the Penal Codes of 1890 and 1940, the
Constitutions from 1891 to 1988, the Caó Law, the law that typified racial injury, the Anti
Crime Package among others, linked to social reality, using Criminology as a theoretical
tool.
KEYWORDS: Racism; Criminology of Prejudice; Legislation; Myth of Racial Democ-
racy; Compulsory Genetic Identification.
1 Doutor em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
E-mail: cleuler@gmail.com, cleuler@ufg.br
2 Doutoranda em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (UNICEUB).
E-mail: matosgisa@gmail.com
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Revistas de Ciências Jurídica s e Sociais da UNIPAR,, Umuarama, v.26, n.1, p.99-132, 2023. ISSN 1982-1107
CRIMINOLOGÍA DEL PREJUICIO: UNA PERSPECTIVA HISTÓRICO-
LEGISLATIVA DESDE EL BRASIL ANTERIOR A LA ESCLAVITUD HASTA
EL LEGADO DEL COLONIALISMO EN LA IDENTIFICACIÓN NEGÉTICA
OBLIGATORIA EN EL PAQUETE ANTICRIMEN
RESUMEN: A partir de la cuestión racial del caso brasileño de los 300 años de esclavitud
legalmente sustentada, este artículo, utilizando el método dialéctico-argumentativo, artic-
ula un análisis desde las perspectivas histórico-jurídicas de las cuestiones relacionadas
con la inserción del discurso racista en la legislación brasileña, que culminó en , in-
cluyendo la adopción de una política de blanqueamiento del país, presentando el marco
legislativo desde el período anterior a la abolición de la esclavitud, pasando por leyes
como la Lei Áurea, los Códigos Penales de 1890 y 1940, las Constituciones de 1891 a
1988, la Ley Caó, la ley que tipificó el daño racial, el Paquete Anti Delito, entre otros,
vinculados a la realidad social, utilizando como herramienta teórica la Criminología. A
partir de la cuestión racial del caso brasileño de los 300 años de esclavitud legalmente
sustentada, este artículo, utilizando el método dialéctico-argumentativo, articula un
análisis desde las perspectivas histórico-jurídicas de las cuestiones relacionadas con la
inserción del discurso racista en la legislación brasileña, que culminó en , incluyendo la
adopción de una política de blanqueamiento del país, presentando el marco legislativo
desde el período anterior a la abolición de la esclavitud, pasando por leyes como la Lei
Áurea, los Códigos Penales de 1890 y 1940, las Constituciones de 1891 a 1988, la Ley
Caó, la ley que tipificó el daño racial, el Paquete Anti Delito, entre otros, vinculados a la
realidad social, utilizando como herramienta teórica la Criminología.
PALABRAS CLAVES: Racismo; Criminología del Prejuicio; Legislación; Mito de la
Democracia Racial; Identificación Genética Obligatoria.
1. INTRODUÇÃO
Se ao longo da história, “o discurso racista conferiu as bases de sustentação da
colonização, da exploração da mão de obra dos africanos escravizados, da concentração
de poder nas mãos das elites brancas locais no pós-independência” (FLAUZINA, 2006,
p. 12), o problema que se coloca é: em que medida e em que momento esse mesmo
discurso racista passou a figurar como elemento constitutivo do sistema penal brasileiro?.
A reflexão que se propõe a partir do problema exposto demanda seja perpassada
a própria história do Brasil, já tratada em outra produção desde a sua colonização,
processo de escravidão, construção da legislação e contextualização com a formação
sociológica do mito da democracia racial e, agora, novamente elegendo a questão racial
brasileira, faz-se, através do método dialético-argumentativo, uma retrospectiva histórica
da legislação brasileira, valendo-se da Criminologia como ferramenta teórica, mais
especificamente da “Criminologia do preconceito” (FLAUZINA, 2006) para abarcar a
conexão criminológica do etiquetamento com a marginalização do segmento negro, com
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foco no período pré-abolição da escravatura à herança do colonialismo na identificação
genética compulsória.
Para tanto, estruturou-se o presente artigo pela ordem cronológica do decorrer da
história e da publicação da legislação correlata ao tema proposto, tendo como marco o
processo de abolição da escravatura, fazendo-se um apanhado das normas constitucionais,
penais e processuais até chegar-se no atual intitulado Pacote AntiCrime.
2. DO PROCESSO DE ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA AO “NOVO” CA-
RÁTER RACIAL DO BRASIL
Nas décadas que antecediam a República, de serventia muito mais política do que
em razão de seu prestígio científico, a Escola Positiva, valendo-se do reducionismo e
coincidindo com a consolidação da sociedade burguesa, foi recebida com muito sucesso
no Brasil, tomando para si a maior atenção dada por historiadores e cientistas sociais que
se voltaram para a história intelectual do país no período (ALVAREZ, 2002, p. 677).
No contexto do regime capitalista que se implantava, o regime escravocrata, ao
mesmo tempo em que divergia da agenda da reforma liberal, pregada pelos abolicionistas,
mostrava-se incompatível “devido à interrupção do tráfico negreiro, à política imigratória
etc., o trabalhador escravo se torna(ou) economicamente oneroso ou inadequado às novas
exigências” (IANNI, 2004, p. 185):
Nesse ambiente propício a tensões agravadas sobremaneira pelas rebeliões e
fugas, que presentes durante toda vigência do regime escravista, estavam cada
vez mais correntes no final do Império (os registros apontam para muitos casos
de fugas em massa, além de homicídios e furtos de negros escravizados contra
os senhores), a abolição não pôde mais ser adiada. (FLAUZINA, 2006, p. 74).
Sendo o Brasil o último país da América Latina a abolir a escravidão, somente em
1888, esta ecoou como a perpetuação do mundo dos brancos em contraste à realidade do
mundo negro, que “continuou a existir à margem da história, sofrendo a degradação cres-
cente da condição de espoliado, dos efeitos desintegrativos da dominação e o impacto
desnorteador das pressões da ordem social competitiva” (FERNANDES, 2008, p. 106).
Isso porque a liberdade trazida com a abolição desembocou na miséria e na exclu-
são da população de cor, “como se a Lei Áurea contivesse uma disposição implícita: os
negros deverão permanecer como estão” (SILVA, 1994, p. 114), como se “todo um com-
plexo de privilégios, padrões de comportamento e ‘valores’ de ordem social arcaica

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