A crise do estado contemporâneo e o papel da regulação das atividades econômicas

AutorAdriano Moreira Gameiro/Carla Bonomo
CargoMestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)/Doutora em Direito pela PUC/SP
Páginas9-24

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1 Introduçåo

O presente estudo objetiva relatar a evolução do estado ao longo da história, até chegar aos moldes atuais, bem como evidenciar a crise em que se encontra. Destacar-se-á ainda a regulação da atividade econômica pelo estado, de forma que, mesmo diante da crise apontada, possa proporcionar a diminuição dos reflexos da referida crise.

O homem vive necessariamente em sociedade, agrupando-se a outros, todavia, todos vivendo sem regulação alguma. Diante dessa situação podem extrapolar os limites das leis naturais com o fim de alcançar o seu objetivo, que acredita ser direito seu.Page 10

Muito embora o conflito seja normal e corriqueiro entre os homens, ele pode ultrapassar a barreira do bom senso, atingindo a violência, o que é indesejável por inviabilizar a vida em sociedade.

A situação narrada é a do estado de natureza de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, que se tornou insustentável, levando as sociedades à formação de um pacto ou contrato social objetivando a criação de um estado civil, com um governo instituído e controlador dos poderes.

Com o surgimento de uma ordem jurídica e conseqüente advento do estado de direito, passou a ser o poder judiciário também responsabilidade dessa instituição centralizadora, com órgãos responsáveis por zelar pelo cumprimento das leis.

O estado de direito predominou desde então nas suas mais diferentes formas, destacando-se na modernidade os Estados, liberal, e de bem estar social, cada um com suas características e operando como principal modelo durante um período de tempo.

Em grande parte do século passado predominou o estado de bem estar social, que demonstrou a partir da década de 70 que não teria condições de oferecer tudo o que dele se esperava por razões internas.

Essa incompletude do estado de bem estar social se agravou com a globalização e avanços tecnológicos, que provocaram alterações estruturais no mercado de trabalho e desvelou uma crise ampla no referido modelo de Estado, que se encontrou em situação precária.

O capitalismo, através de suas condições que favorecem as práticas especulativas, é também responsável pelo agravamento dessa crise, já que na marcha dessa nova ordem mundial denominada de neoliberalismo, pós década de 80, deixou a livre iniciativa atuar sem regulação suficiente.

Poderia até se dizer que a regulação sequer existia para determinadas situações, diante de um vigente mercado transnacional, e que se torna maior que o estado nacional.

Portanto, de graduada importância a necessidade de regulação da atividade econômica, senão como meio de solução completa da crise posta, ao menos como saída paliativa, o que se mostra possível com a própria participação das empresas, que devem passar a agir com responsabilidade social.

O papel do estado para garantir que isso se cumpra deve se dar em todas as formas possíveis, seja atuando através de sua administração direta ou indireta, como administrador das empresas, exercendo seu poder de polícia, ou ainda através de suas funções de fiscalizador, incentivador ou planejador.Page 11

2 Formaçåo do estado sob ponto de vista racionalista

É da natureza do homem buscar o que entende como seu. Em decorrência desse fator, é conseqüência lógica que a vida em sociedade pode levar os indivíduos integrantes de uma sociedade a conflitos, o que não deve ser encarado como negativo, mas ser considerado natural frente à defesa dos interesses particulares de cada um, conforme destacado por Gilvan Luiz Hansen.

A reunião de indivíduos racionais e livres num espaço comum é uma experiência cuja possibilidade de conflitos está sempre presente. Isso porque os indivíduos desenvolvem experiências diversas na sua relação com as coisas e entre si, têm percepção diferente dos fenômenos vividos, possuem variáveis expectativas com relação aos outros, apresentam interesses distintos e metas a atingir que nem sempre são passíveis de conjugação aos demais.

Na defesa desses interesses privados, os indivíduos lançam mão de expedientes variados no sentido de garantir a preponderância ou ainda a preservação da sua posição frente aos interesses privados de cada um dos outros participantes da coletividade (HANSEN, 2004, p. 36).

Passa a ter importância singular o estabelecimento de uma estrutura 1 que possa regular os interesses privados dos indivíduos da sociedade, de forma a propiciar um convívio pacífico entre os mesmos.

Cumpre esclarecer que não se objetiva uma sociedade de indivíduos pacíficos sem ambição ou crença em seus direitos. Menos ainda se pretende uma sociedade isenta de conflitos. Todavia, se faz necessária essa estrutura e um ordenamento jurídico que possa intermediar o conflito, apresentando ao fim a solução da questão evitando o predomínio de forças que não as relativas aos direitos dos envolvidos.

É esse ordenamento jurídico que vai dar estabilidade e durabilidade àquela estrutura formada, propiciando a manutenção da ordem pública.

O direito político 2 , que é incumbido de estabelecer a organização do Estado,Page 12 de definir seu regime político, de fixar sua estrutura governamental, de regulamentar suas relações com outros Estados, etc., é um sistema orgânico que contém algo vivo. [...] Pela hierarquia que instaura entre os valores que pretende fazer respeitar, bem como pelos procedimentos que põe em ação a fim de assegurar a autoridade do Poder, o direito político tem a função não só de sistematizar a vida política, mas também de trabalhar permanentemente para seu equilíbrio geral que, ao longo do tempo, sempre tem de ser reajustado, até mesmo refeito (GOYARD-FABRE, 1999 apud HANSEN, 2004, p. 37).

A estrutura organizada e dotada de uma ordem jurídica, nos termos aqui defendidos, vai gerar por sua vez o direito político, ou público, formando o estado, com suas instituições organizadas e os estabelecidos valores e princípios norteadores.

Para explicitarmos a importância da ordem jurídica na existência humana em coletividade e verificar como ela se engendra, sob o fenômeno do estado, precisaremos nos remeter às bases geradoras da ordem jurídica, ou seja, àqueles referenciais que o próprio ser humano estabeleceu como fundamento e ponto de partida da ordem. Conforme a interpretação de Catherine Audard, essas bases geradoras da ordem jurídica são similares a mitos de origem.

Se forem ou não mitos de origem, o fato é que têm como função estabelecer um fundamento para a vida humana em coletividade, preocupação esta que apresenta caráter primordialmente normativo e que, portanto, prescinde de efetividade empírica, em vista de se colocar como uma idéia reguladora a legitimar as relações estatais.

Assim, por exemplo, o "mito de origem" que funda a ordem jurídica do povo hebreu é a Aliança com Deus, mediada por Moisés e estabelecida através do sinal visível que é a "constituição" impressa nas Tábuas das Leis. Já na modernidade o "mito de origem" comum passa a ser o Pacto Originário que vai se cristalizar na forma do Contrato (HANSEN, 2004, p. 38).

2.1 Estado de natureza como fomento à criação do Estado civil

O presente estudo opta por partir de uma solução racionalista, o que leva ao contratualismo como modelo de formação do estado, principalmente das teorias de Thomas Hobbes (2004) John Locke (2002) e Jean-Jacques Rousseau (2004).

Os três autores, conhecidos como contratualistas partem da premissa de existência de um estado de natureza onde conviviam os homens sem nenhuma regulação ou sociedade civil organizada. Contudo a mencionada situação acabou por gerar problemas insolúveis naquela maneira de organização da sociedade, o que levou os indivíduos a pensarem em uma nova forma de sociedade, culminandoPage 13 no estabelecimento de uma estrutura estatal e uma ordem jurídica para regular os conflitos decorrentes daquela sociedade.

No estado de natureza reina o livre arbítrio, sem nenhuma limitação ou regulação. Dessa forma, cada indivíduo busca satisfazer o seu interesse particular de acordo com os instrumentos que tem, tais como a força física, inteligência, esperteza e métodos decorrentes de suas habilidades individuais.

Existem, no entanto, algumas diferenças entre as teorias dos três mencionados autores, que são relevantes, porém não se tratará a fundo por não ser objeto específico do presente estudo, todavia são perceptíveis essas similaridades quando da simples exposição superficial de suas idéias.

No entender de Hobbes, os homens no estado de natureza estão sempre em busca da satisfação de seus anseios, utilizando-se de todos os meios possíveis. Conseqüência lógica dessa forma de proceder é o estabelecimento de conflitos, todavia aqui estes são desregulados e resolvidos com violência e utilização de estratégias pouco...

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