A Convenção sobre Aviação Civil Internacional e a crise do sistema de tráfego aéreo: o caso do acidente ocorrido no dia 17 de julho de 2007

AutorElaine Barbosa Santana/ Fernando Carlos Wanderley Rocha
CargoMestre em Direito Internacional e Econômico/Mestre em Aplicações Militares. Especialização em Filosofia Moderna e Contem-porânea. Especialização em Análise de Sistemas. Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas
Páginas36-57

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1. Introdução

Este trabalho conduz uma análise da Convenção sobre Aviação Civil Internacional (Convenção de Chicago), considerando como estudo de caso o acidente ocorrido, em 17 de julho de 2007, no Aeroporto de Congonhas, com a aeronave Airbus A320, prefixo PR-MBK, da TAM, Vôo JJ 3054 e a divulgação pela Comissão Parlamentar de Inquérito "Crise do Sistema de Tráfego Aéreo" em audiência pública, no mês de agosto de 2007, de informações enviadas pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA).

O referido caso será considerado à luz dos compromissos interna-cionais assumidos pelo Estado brasileiro sob a égide de tratados, acor-dos e convenções internacionais. Para tanto, será realizada análise do caso considerando os principais documentos da Convenção de Chicago relacionados à exposição das informações pela Comissão de Inquérito Parlamentar.

A temática ficará restrita ao viés do Direito Internacional Público, ressaltando, para tanto, a Convenção de Chicago, que considera o que futuro da aviação civil internacional pode contribuir poderosamente para Page 37 criar e conservar a amizade e a compreensão entre as nações e os povos do mundo, mas que seu abuso pode transformar-se em ameaça ou perigo para a segurança geral. A referida Convenção ainda aconselha evitar todo atrito ou desinteligência e estimular entre as nações e os povos a coope-ração, da qual depende a paz do mundo.

Quanto à Crise do Sistema de Tráfego Aéreo, cumpre observar que o cenário brasileiro aponta para uma série de fatos e fatores que agregam preocupações nacionais e internacionais. Nesse sentido, quando do aci-dente com o avião da TAM, já funcionava, na Câmara dos Deputados, a Comissão Parlamentar de Inquérito denominada "Crise do Sistema de Tráfego Aéreo", criada que fora para averiguação de outro acidente; o que havia ocorrido com um avião de outra empresa aérea, no dia 29 de setembro de 2007.

2. A Convenção de Aviação Civil Internacional - Convenção de Chicago e os princípios basilares

Com o intuito de proporcionar uma maior compreensão acerca da Convenção sobre Aviação Civil Internacional (Convenção de Chicago), deve-se informar que a mesma foi firmada, em 7 de dezembro de 1944, em Chicago, por 52 Estados e entrou em vigor em 4 de abril de 1947. Essa Convenção deu origem à Organização da Aviação Civil Internacio-nal (OACI), agência especializada das Nações Unidas, que possui como objetivo a coordenação do transporte aéreo internacional, ligada ao Con-selho Econômico e Social (ECOSOC).

Cumpre ressaltar que, no seu preâmbulo, expressamente, apresenta que o desenvolvimento da aviação civil internacional pode contribuir para criar e conservar as relações e a compreensão entre as nações e os povos, visto que em função da rápida transformação da sociedade, em que as fronteiras se estreitam, o abuso de condutas pode causar ameaça ou perigo à segurança geral do mundo.

Nesse contexto, é estimulado o desenvolvimento de relações de co-operação que busquem alcançar os objetivos propostos na Convenção, proporcionando, dessa forma, maior confiabilidade nos procedimentos da aviação civil do país signatário. Na atualidade, a globalização propor-ciona às nações a possibilidade de efetivar diferentes acordos internacio-nais que favorecem o relacionamento sob vários aspectos. Esta celebração Page 38 permite a integração dos Estados com tratados comerciais e culturais, bem como suporta os tratados que se referem à cooperação internacional.

A cooperação jurídica internacional é um mecanismo imperioso para que as fronteiras territoriais não interfiram na efetivação do ideal de jus-tiça e no cumprimento dos dispositivos legais do ordenamento jurídico dos Estados soberanos. Ademais, cumpre destacar que as relações esta-belecidas por meio de tratados entre as nações são indispensáveis para que o conceito de Soberania não seja utilizado como argumento para garantir a impunidade e nem seja considerado obstáculo para conclusão de processos que dependam de dados externos ao espaço físico em que está inserida a demanda judicial ou administrativa. Assim, o instituto da cooperação jurídica oferece aos Estados meios para assegurar a eficácia da prestação jurisdicional e fortalece, por conseguinte, o Estado Demo-crático de Direito, sem, contudo, que a sua soberania seja restringida.

Em virtude da redução do espaço territorial de cada país que se aproxi-ma pelas relações das sociedades globalizadas, o conceito de Soberania preci-sa ser repensado de forma a se adaptar à realidade instalada. Nesse contexto, cumpre registrar que as adaptações no ordenamento jurídico de cada Estado são imprescindíveis para que esse ordenamento não seja considerado obso-leto e permita que as conseqüências negativas sobrepujem todos os avanços decorridos da interdependência dos Estados. No caso em tela, a preocupação é ainda maior, visto que se trata de assunto de segurança internacional.

No tocante à interdependência dos Estados, torna-se premente que ocorra uma coadjuvação recíproca também na esfera jurídica. Verifica-se que vários são os mecanismos que favorecem o auxílio mútuo, decorren-tes da celebração de tratados ou da garantia de reciprocidade. Assim, a cooperação jurídica internacional vem sendo tema de discussão de diver- sos órgãos estatais e internacionais. O Brasil participa de forma ativa na consecução das práticas de cooperação, conforme informações constan-tes no Ministério da Justiça, que relaciona diversos acordos firmados com Estados estrangeiros e orientações acerca dos procedimentos adotados. Ademais, o nosso País participa de redes de cooperação jurídica inter-nacional que possuem como finalidade discutir aspectos relacionados à matéria no intuito de encontrar estratégias facilitadoras, informativas e promovedoras da cooperação entre os Estados que as integram.

Dentre as temáticas que circundam a matéria de cooperação, encon-tramos esforços voltados para os aspectos procedimentais que regem os a Page 39 aviação civil. Trata-se de um tema relevante pelas implicações teóricas e práticas que decorrem das políticas adotadas para atendimento dos dis-positivos acordados entre os Estados, considerando o interesse público de toda a sociedade, principalmente no âmbito internacional.

Ainda no preâmbulo da Convenção de Chicago, consta que os seu signatários confirmam os princípios nela expostos para que a aviação civil internacional se desenvolva de maneira segura e sistemática e para que os serviços de transporte aéreo internacional se estabeleçam numa base de igualdade de oportunidades e funcionem eficaz e economicamente.

O preâmbulo da Convenção ainda estabelece que os Estados contra-tantes reconhecem ter cada Estado a soberania exclusiva e absoluta sobre o espaço aéreo sobre seu território. Cumpre ressaltar que o termo coope-ração vem agregando alterações conceituais em decorrência da evolução do instituto da soberania. A mudança do panorama mundial, advindo do processo de globalização, alavanca os alicerces da tradicional noção de soberania. Nesse sentido, entrelaçam-se os conceitos e precisam ser estudados de forma sistêmica em virtude da relação direta nas ações in-ternacionais que afetam a interdependência entre os Estados.

Wight (1985) assevera que as potências que despontam no cenário mundial não são capazes de elaborar toda sua política sem contar com outras potências, apenas se utilizando das prerrogativas atribuídas pela soberania. Explica, ainda, ao apresentar a política do poder, que nenhu-ma potência age em total distanciamento. Nesse sentido, observa-se que o conceito de soberania não pode ser imutável, vez que a dinâmica de trans-formação das relações internacionais favorece às adaptações necessárias.

Com arrimo nas considerações supracitadas, ressalta-se que o con-ceito de soberania surgiu em um espaço histórico que conduziu o pen-samento acerca do assunto para um aspecto restritivo, que, com o passar dos acontecimentos internacionais, incorporaram novos elementos, considerando as relações estabelecidas entre Estados e os diversos tratados celebrados. A análise conceitual da soberania deve estar atrelada às con-dições históricas em que surge o conceito.

Sob a égide do raciocínio acima exposto, registra-se que a análise conceitual do termo soberania vincula-se às condições históricas que são apresentadas. Assim, a clássica concepção da soberania, proposta por Bodin (1956), que não reconhece nenhum superior na ordem interna e não se subordina a qualquer tipo de dependência no plano internacio- Page 40 nal, não possui respaldo no cenário atual. Segundo Bodin (1956, p. 26), a "soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma República". A política internacional demonstrou a imperiosidade de adaptação do conceito à realidade jurídico-social dos Estados conforme aduzido abaixo.

No sentido de observância das altercações advindas no processo de interdependência entre os Estados, surgem diversos entendimentos sobre o instituto da soberania. Alguns doutrinadores afirmam que a soberania sucumbiu diante da complexidade do processo de globalização, sendo considerada como extinta. Outros, divergem quanto ao conceito propos-to por Bodin, considerando os aspectos históricos agregados aos elemen-tos vislumbrados pelo referido autor, sem...

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