Cronologia da práxis constituinte e destituinte do estatuto da cidade

AutorAdriana Nogueira Vieira Lima - Liana Silvia De Viveiros E. Oliveira
CargoProfessora de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana, Ba, Brasil - Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Território, Ambiente e Sociedade da Universidade Católica do Salvador
Páginas51-71
Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 51-71, 2021. 51
CRONOLOGIA DA PRÁXIS CONSTITUINTE E DESTITUINTE DO ESTATUTO DA CIDADE
A chronology of the constituent and destituent praxis of the City Statute
Adriana Nogueira Vieira Lima
adriananvlima@uefs.br
Professora de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana, Ba, Brasil
Pós-doutora em Direito - UnB
Liana Viveiros
liana.oliveira@pro.ucsal.br
Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Território, Am-
biente e Sociedade da Universidade Católica do Salvador
Doutora em Arquitetura e Urbanismo - UFBA
RESUMO
Após duas décadas da promulgação da Lei 10.257, de 10 de julho de 2021, denominada Estatuto da
Cidade torna-se imperiosa uma reflexão sobre o significado deste marco legal em relação aos proces-
sos sociopolíticos envolvidos na luta pelo Direito à Cidade, nos termos propostos por Henri Lefebvre
(1991). Para melhor compreensão do alcance dessa normativa, o olhar se volta à práxis constituinte e
destituinte, trazendo agentes, pautas e interações, assim como conexões interescalares no movimento
histórico. Em termos metodológicos, foi realizada pesquisa qualitativa apoiada de forma mais sistemá-
tica em fontes primárias, sendo analisados textos normativos que focam na questão urbana no Brasil,
editados desde retomada do regime democrático, especificamente a partir de 1983, e até abril de 2021,
data do fechamento da pesquisa, além de outros documentos. Com essa gama de dados e informações,
o artigo expõe um painel analítico e crítico da produção legislativa, apresentado na forma de uma
cronologia. Os resultados evidenciam que a forma-propriedade privada individual apresenta-se como
forte elemento limitador à implementação não apenas do Estatuto da Cidade, mas das normativas que
compõem o campo do Direito Urbanístico. Ademais, mostram que as mudanças legislativas operadas
após 2016 afrontam as bases principiologicas trazida pelo Estatuto da Cidade e sem alterar diretamente
o seu texto, produzem uma sangria nos instrumentos dele decorrentes. Ao final, são buscados fios (e
desfios) dessa cronologia instável e contraditória que podem contribuir para encontrar lampejos de
esperança nesse contexto sombrio.
Palavras-chave: Estatuto da Cidade. 2. Reforma Urbana. 3. Política Urbana. 4. Direito à Cidade. 5.
Cronologia.
ABSTRACT
Two decades after the promulgation of Law 10257 of 10 July 2001, known at the City Statute, it is now
imperative that we reflect on the meaning of this legal framework in relation to the socio-political
processes involved in the struggle for the Right to the City, according to the terms proposed by Henri
Adriana Nogueira Vieira Lima e Liana Viveiros
Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 51-71, 2021. 52
Lefebvre (1991). To better understand the scope of this law, we turn our attention to its constituent
and destituent
praxis, examining agents, agendas and interactions, as well as connections between
different spheres within the historical movement. In methodological terms, we conduct a qualitative
study, more systematically supported by primary sources, analysing normative texts that focus on urban
issues in Brazil, published between the resumption of democracy (specifically 1983) and April 2021
(when the study closed), as well as other documents. Using this gamut of data and information, the
article provides an analytical and critical panel of legislative production, presented chronologically.
The results demonstrate that the form of individual private property is a strong limiting force to the
implementation not only of the City Statute, but also of the regulations that constitute the field of Urban
Law. They also show how the legislative changes made after 2016 offend the principles on which the
City Statute was based and, without directly altering its text, bleed its resulting instruments dry. In
the end, we seek out the threads (and shreds) of this unstable and contradictory chronology that could
help to locate glimmers of hope within this sombre context.
Keywords: 1. City Statute. 2. Urban Reform. 3. Urban Policy. 4. Right to the City. 5. Chronology.
1 INTRODUÇÃO
A promulgação da Lei 10.257, de 10 de julho de 2021, denominada Estatuto da Cidade trouxe
grandes expectativas para os juristas, urbanistas e movimentos sociais que integram o campo de luta
pelo Direito à Cidade no Brasil. Após duas décadas da sua aprovação, torna-se imperiosa uma reflexão
do significado deste marco legal em relação aos processos sociopolíticos que envolvem a disputa pela
produção do espaço nas cidades brasileiras. Considerada a sua construção política em um amplo e
continuado processo de mobilização e sustentação institucional das suas pautas, essa discussão assume
ainda maior importância, sobretudo diante das tentativas deliberadas de desmonte do Estado Demo-
crático de Direitos e especificamente da Política Urbana.
O Estatuto da Cidade, ao regulamentar o capítulo da Política Urbana trazido pela Constituição
Federal de 1988, estabelece uma gama de princípios, diretrizes e instrumentos para regular o uso da
propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos habitantes, bem como
do equilíbrio ambiental. No que pese a clareza dos postulados normativos é possível notar uma dis-
sociação entre a base princípiologica proposta e as interpretações encampadas, levando à seletividade
na sua aplicação. Esse fosso entre aposta utópica e a realização do possível vem levando a um processo
de descrédito dos agentes sociais vinculados ao campo da Reforma Urbana, sobretudo quando essa
seletividade, na interpretação e eleição de conteúdos, opera para conferir maior grau de efetividade a
determinados instrumentos jurídicos-urbanísticos que correspondem aos anseios dos setores vincu-
lados ao capital imobiliário e especulativo.
No que pese a constatação sobre os limites transfomadores abertos pelo Estatuto da Cidade, é
também inegável reconhecer que a ordem jurídica constituída pós-constituição de 1988 contribuiu no
fortalecimento de uma esfera pública na qual as disputas urbanas pudessem emergir. Nos embates de
forças sociais nas cidades o Estatuto da Cidade se colocou como uma referência importante na susten-
tação de uma pauta de reforma urbana e nas lutas pelo direito à cidade, especialmente nos territórios

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