O Art. 306 do CTB no PLS 48/11: da 'Lei Não Tão Seca' à 'Tolerância Zero' com 'Culpa Alcoólica

AutorRenato Marcão
CargoMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP)
Páginas32-36

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Em sua redação original o art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), assim dispunha: "Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolu-midade de outrem" (destaquei). As penas cominadas eram: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Impulsionado pelas elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, a pretexto de endurecer a resposta penal para tais situações típicas, em 19 de junho de 2008 o legislador brindou a população brasileira com a Lei 11.705, que entre outras alterações impostas ao Código de Trânsito modificou seu art. 306, que a partir de então passou a ter a seguinte redação no caput: "Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência." Não houve qualquer alteração em relação às penas cominadas.

A modificação foi desastrosa e de efeito retroativo, bem ao contrário do propalado. Na mão diametralmente inversa da que se disse pretender com aquela que se convencionou denominar "Lei Seca", as consequências de tal opção política irrefletida e irresponsável ainda são sentidas pela população, já há algum tempo alarmada com as estatísticas negativas que só fazem crescer. No ano de 2010 foram cerca de quarenta mil mortes em acidentes de trânsito no Brasil.

O maior problema determinado pela Lei 11.705/08 foi a quantificação que optou por regular.

Na medida em que o art. 306 passou a exigir a presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, tecnicamente também passou a exigir prova pericial de tal volume de álcool, pois qualquer quantia inferior é insuficiente à configuração do crime, e só é possível afirmar a quantidade se houver apuração técnica; pericial.

Calha lembrar que o art. 158 do CPP diz que se a infração penal deixar vestígios o exame de corpo de delito será imprescindível para a prova da materialidade delitiva, não podendo supri-lo nem mesmo a confissão do acusado, sendo esta regra de inteira aplicação em relação ao crime do art. 306.

Em outras palavras, antes bastava a prova indireta; "de olho"; o exame clínico; a prova testemunhal, mas com a mudança a lei passou a exigir prova técnica, de impossível obtenção sem a anuência do infrator.

Sabido que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo (art. 8o, II, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos; art. 5o, LXIII, CF), a colheita do material probatório, nestes termos,

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depende única e exclusivamente da "boa vontade" do condutor a quem se imputa a prática delitiva. Vale dizer: se ele não permitir a colheita de material que saia de seu corpo: sangue ou urina, v.g., e se ele não concordar em "soprar no bafômetro" para a colheita de ar alveolar que permita exame pericial de alcoole-mia, não poderá ser instaurada ação penal e, é claro, não haverá condenação.

A respeito deste tema já anotamos em nosso livro Crimes de Trânsito (Saraiva, 3. ed., 2011) que se a pretensão do legislador era outra, deveria conhecer melhor o sistema jurídico-normativo.

É preciso ressaltar, ainda, que nos termos da redação originária o artigo 306 do CTB exigia para sua configuração a existência de prova de um conduzir anormal, capaz de gerar perigo concreto, mas com a Lei 11.705/08 o crime passou a ser de perigo abstrato, presumido, por isso desnecessária a prova de que tenha demonstrado, com manobras impróprias e perigosas, seu estado etílico. Neste sentido: STF, HC 109.269/MG, 2a. T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27-9-2011.

2. O PLS 48/2011

Novamente impulsionado pela mídia, agora com algum acerto, o Senado Federal aprovou no dia 9 de novembro de 2011, em decisão ter-minativa, o PLS 48/2011, de autoria do senador Ricardo Ferraço, com vistas a instituir novas mudanças no art. 306 do CTB. Falta agora a aprovação pela Câmara, e depois sanção ou veto presidencial.

Se convertido em lei teremos novas e profundas alterações em relação ao tema embriaguez ao volante e suas repercussões. Sairemos da "Lei Seca", nem tão seca assim, para a "Lei de Tolerância Zero".

Segundo consta da ementa e de sua explicação, referido Projeto

"Altera o art. 306 da Lei 9.503, de 30 de setembro de 1997 " o Código Brasileiro de Trânsito, para tornar crime a condução de...

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