Culpa Recíproca (Art. 484 da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas383-390

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1. Generalidades e conceito

No cotidiano das relações trabalhistas podem acontecer conflitos entre empregado e empregador, que decorrem de atos concomitantes, simultâneos e equivalentes que assumem uma gravidade tal que impossibilita a continuidade do vínculo empregatício.

Não se pode esquecer que o descumprimento de obrigações contratuais vale para os dois lados, dada a bilateralidade inerente do pacto entre empregado e empregador, o mesmo se pode dizer em relações às condutas que devem imperar no ambiente do trabalho e algumas vezes fora dele, em virtude dos reflexos normais que encerra a convivência humana.

Prevendo essa situação o legislador disciplinou a questão no art. 484 da CLT, que dispõe: "Havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão do contrato de trabalho, o Tribunal do Trabalho reduzirá a indenização a que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador, por metade".

Na definição de Carlos Zangrando a "Culpa recíproca é uma modalidade especial de rescisão do contrato de trabalho, quando ambas as partes têm responsabilidade conjunta pelo ato ou fato que torna impossível a continuidade da relação de emprego"426.

Maurício Godinho Delgado, referindo-se culpa recíproca afirma que "Este tipo de término contratual, bastante raro, supõe decisão judicial a respeito, no quadro de um processo trabalhista. A concorrência de culpa das partes nos fatos envolvendo a extinção do contrato não pode ser desprezada pelo Direito, conduzindo a uma responsabilidade normativa equânime e equilibrada, com justa distribuição de vantagens e desvantagens"427.

Na lição de Vólia Bomfim Cassar "para a caracterização da culpa reciproca é necessário que o empregado pratique uma falta gravíssima a ponto de, por si só, justificar o rompimento do contrato e que o empregador também tenha praticado outra falta gravíssima capaz de tornar insuportável a continuidade do contrato. Logo, são faltas graves, uma praticada por cada um"428.

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2. Requisitos

Para configuração da culpa recíproca é necessário que o motivo determinante do rompimento esteja presente no ato do empregador e do empregado de forma concomitante e que um ato não sobreponha ao outro para não ocorrer punição desproporcional a um dos infratores.

Há, no caso, a concorrência de atos suficientemente graves, praticados concomitantes pelo empregado e empregador tornando-se inconciliável a continuidade do pacto laborai.

Fazendo referências aNélio Reis, afirma Russomano que: "as culpas devem ser concomitantes porque devem ocorrer ao mesmo tempo. Não é possível alegar-se culpa recíproca quando o empregado responde indisciplinadamente, ao empregador, sob o fundamento de que, em outra ocasião anterior e remota, o empregador lhe falara de modo pouco cortês" e diz também "que devem ser determinantes, porque a conduta das duas partes terá sido a causa eficiente da rescisão" e mais que as culpas devem ser equivalentes, sob pena de a maior absorver a menor, dando margem à punição de um só agente. E, para tanto, a culpa maior será, quase sempre, daquele que, tendo o control ofsituation, como diz a doutrina norte-americana, deixa de evitar o incidente e, por isso, aumenta sua responsabilidade na perturbação jurídica e social trazidas"429.

Enfim, para configuração da culpa recíproca é necessário que os atos, tido por faltosos, do empregador e empregado sejam concomitantes, determinantes e equivalentes.

E se fala em atos equivalentes justamente para que não haja uma desproporcionalidade na aplicação da culpa recíproca, tanto que Russomano afirma que "É claro que a culpa recíproca pode constituir - e às vezes deve constituir - porta aberta a soluções de equidade. Mas, insistimos, toda a cautela será pouca, no sentido de evitarmos que adoção desse caminho subverta o princípio medular da responsabilidade integral do empregado e do empregador por suas atitudes"430.

Inexiste também uma previsão taxativa dos fatos que a caracterizam, conforme posição do TST (decisão na parte de jurisprudência), de forma que nada impede a sua aplicação se presente uma interpretação razoável. Assim, nada obsta de o julgador diante da pretensão posta e da defesa da parte adversa decidir pela existência de culpa recíproca.

3. Decisão judicial Característica determinante da culpa recíproca

A culpa recíproca para o rompimento do pacto laborai se dá por decisão judicial, porque as partes em nenhum momento admitirão a sua culpa, eis que cada uma delas alegará que o ato decorreu de culpa da parte adversa.

É na apreciação judicial que o juiz vai analisar as razões postas em juízo pelas partes e na valoração dos fatos poderá chegar à conclusão de que as duas partes contribuíram para o

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rompimento do contrato ao praticarem atos simultâneos, concomitantes, graves e equivalentes que tornam impraticável a continuidade do vínculo empregatício.

Por exemplo, no caso de agressões físicas mútuas normalmente há caracterização da culpa recíproca, com o enquadramento do empregado na alínea k do art. 482 e o empregador na alínea /do art. 483, ambos da CLT. Outro exemplo está na decisão abaixo:

Ementa: Culpa recíproca em razão de atos faltosos das partes. Reconhecimento. Ao contrário do que constou na sentença, entendo que ajusta causa embasada no art. 482, "b", da CLT, embora comprovada até por confissão do obreiro, não afasta o reconhecimento da falta grave praticada pela empregadora, ao tratar o obreiro com rigor excessivo, punindo-o com descontos salariais em razão da prática de atos faltosos de outros trabalhadores, fato que restou incontroverso nos autos, configurando-se a hipótese prevista na letra "b" do art. 483/CLT. Assim, caracterizada a culpa recíproca de ambas as partes, deve ser provido parcialmente o recurso patronal. TRT 19â Reg. RO-0000093-24.2016.5.19.0009 - (Ac. P T.) - Red. João Leite de Arruda Alencar. DEJT/ TRT19âReg. n. 2.347/17, 6.11.17, p. 379.

4. Culpa reciproca Norma coletiva

Conforme se infere pelo item 4, a característica determinante da culpa recíproca é o reconhecimento judicial da sua ocorrência. A rigor, as partes estão impedidas de estabelecer essa forma de rompimento de contrato a não ser por conciliação judicial ou mesmo perante a Comissão de Conciliação Prévia, embora na prática não figure essa particularidade nos termos da respectiva conciliação.

Entretanto, tem surgido cláusula em norma coletiva, notadamente na categoria que envolve as empresas prestadoras de serviços, na qual preconiza a redução do FGTS de 40% para 20%, quando o empregado passa a trabalhar para outra empresa que vem a assumir a prestação do serviço em virtude de ser vencedora da concorrência. A justificativa para o tratamento da situação na forma de culpa recíproca está assim descrita. "A culpa recíproca prevista na cláusula coletiva resulta do fato de que, uma vez perdida a licitação, o empregador não tem outros postos para recolocar o trabalhador (não tem como fornecer trabalho) enquanto o trabalhador quer permanecer na empresa que assumiu os serviços (não pretende continuar com o empregador antigo), seja por questão de segurança, seja pela comodidade de continuar trabalhando no mesmo local, em que já conhece todo o serviço. Evidencia-se, nestes casos, a incapacidade para fornecer trabalho (pelo empregador) e a impossibilidade de prestação de serviços (pelo empregado), ambos concorrendo para a terminação do contrato de trabalho. Se ambos concorrem, por óbvio, há culpa recíproca". Consta da fundamentação do Proc. TST n...

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