A análise da culpabilidade do contribuintena aplicação da multa punitivatributária nos termos do ART. 136DOCTN

AutorFlávio Azambuja Berti/Helton Kramer Lustoza
CargoDoutor em Direito do Estado pela UFPR / Advogado
Páginas9-12

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I-Introdução

Este trabalho tem por escopo analisar os fundamentos das correntes existentes acerca da responsabilidade pelas infrações administrativas tributárias. Busca-se descobrir caminhos acerca do modo de responsabilização diante do cometimento de uma inf ração tributária dentro do Direito Tributário Sancionador.

É fundamental encontrar um método legitimado pela Constituição Federal para imposição da responsabilidade pela prática de infrações fiscais.

Por isso, é necessário encontrar fundamentos para se utilizar a teoria adequada (objetiva ou subjetiva) para caracterizar a responsabilidade por infrações ao Direito Administrativo Tributário. A utilização desbalanceada e sem critérios da responsabilidade objetiva, prevista na no art. 136 do Código Tributário Nacional, pode acarretar sérios riscos para a segurança do ordenamento jurídico.

II-Estrutura jurídica da norma punitiva tributária

O artigo 146, III da Constituição Federal1 dispõe que caberá à União estabelecer normas gerais em matéria tributária, o que levou a ordem constitucional de 1988 a recepcionar a Lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional), com status de Lei Complementar; esta, por sua vez, ao dispor sobre normas gerais em direito tributário, tratou também de definir as regras a propósito da responsabilidade tributária, inclusive em caso de infração, senão vejamos o que dispõe o artigo 136 do Código Tributário Nacional:

"Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato."

Para uma adequada exegese desse dispositivo legal sancionatório, de forma a se visualizar claramente sua aplicação, será necessário, preliminarmente, desenvolver uma reflexão sobre a estrutura da norma sancionatória.

Para o jurista Hans Kelsen "as ordens sociais a que chamamos Direito são ordens coativas da conduta humana. Exigem uma determinada conduta humana na medida em que liga à conduta oposta a um ato de coerção dirigido à pessoa que assim se conduz"2. Em outras palavras, existe uma norma de comportamento ligada a uma norma sancionatória, na medida em que a obediência social pela primeira só se daria com o efeito de coação da segunda.

A doutrina de Kelsen acerca da norma jurídica ensina que há uma dúplice estrutura, formada por uma norma primária e outra secundária, sendo que a primária determina a prática de uma determinada conduta e a secundária prescreve uma sanção. Por isso que se concebe que essas duas espécies de preceitos estão intimamente interligadas, garantindo a eficácia da norma comportamental3.

Nessa mesma seara, Norberto Bobbio define a sanção como "o expediente através do qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias"4. Assim, a sanção surge com dois objetivos, de um lado funciona como meio retributivo, a fim de se punir aquele que desobedecer a alguma norma social de conduta, e, de outro, visa proteger as diretrizes daquele mandamento legal.

E quando este mandamento legal é desobedecido é bom que se atente que essa transgressão pode se dar em dois sentidos, como bem alerta Sacha Calmon Navarro Coelho:

"Não praticar um comportamento tem dois sinais: positivo e negativo. Quando um comportamento é punível, é porque o seu contrário é obrigatório. Se age quando o dever é uma omissão (por exemplo: não matar), a ação de matar é que é a hipótese de punição. Se não se age quando o dever é agir (por exemplo: pagar tributo), o comportamento consistente em não pagar - comportamento omissivo - é que é a hipótese de punição."5

Isso transforma a sanção num instrumento desestimular da prática de ilícito por parte do contribuinte, o que pode variar em intensidade dependendo da severidade da pena imposta, inclusive a pecuniária. Tal assertiva parece encontrar apoio em Michel Foucault, quando disserta sobre a punição, defendendo que "sua eficácia é atribuída à suafatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro"6.

Assim, a função da norma punitiva, além de visar à aplicação de medidas coativas, possui também um caráter ideológico, na medida em que atende aos anseiosPage 10 sociais de se testemunhar a punibilidade do infrator, conforme entende Paulo Roberto Coimbra Silva, quando leciona que "no caso concreto, a sanção aplicada provê um castigo ou aflição como uma solução ordeira para aplacar o instintivo sentimento humano de demandar uma retribuição"7.

É neste ponto que surgem significativas polêmicas acerca da natureza jurídica das multas tributárias. Há uma corrente doutrinária que defende que elas teriam aspecto punitivo, ou seja, seria uma penalidade imposta a uma transgressão à norma comportamental previamente estabelecida (não pagamento do tributo no prazo f ixado). Já para a corrente doutrinária que defende a função indenizatória da multa tributária o raciocínio que se faz é de uma consequência automática da ocorrência de dano ao erário (em virtude da mora no pagamento do tributo), sendo que multa de cunho indenizatório deveria ocorrer independente de questões subjetivas.

Para a corrente doutrinária que defende que as multas teriam cunho punitivo, a interpretação do fato parte de uma análise da conduta a fim de enquadrá-la na tipificação legal que a define como antijurídica.

No campo tributário existe uma estrutura na qual se estabelece uma norma criadora da obrigação tributária (hipótese de incidência + lançamento tributário), de modo que o seu não cumprimento acarretará sanções, assumindo uma estrutura semelhante ao direito penal. Alf redo Augusto Beckerdefende que "sempre terá natureza penal a norma jurídica que contempla uma possível ofensa ao ordenamento e associa à conduta infratora uma sanção. É indiferente, portanto, que essa norma apareça alojada em uma lei administrativa, em uma lei penal, ou ainda em uma lei tributária. O modo de qualificar a lei não é essencial. O que importa é a natureza da norma, que será jurídico penal, onde quer que se encontre encartada, sempre que preveja uma infração e associe a essa infração uma sanção"8.

Assim, as sanções administrativas fiscais representam medidas repressivas a uma conduta reprovável, isto é, o não recolhimento de tributos, atraso da entrega de declarações fiscais etc., configuram hipóteses que autorizam o Estado a utilizar os meios repressivos em face do contribuinte. Esse modus operandi do direito administrativo tributário se aproxima significativamente da estrutura de operacionalização do direito penal, de modo a criar sistemas análogos na apuração da conduta infratora.

III - Considerações acerca da apuração da responsabilidade por infrações administrativas

Superada a discussão acerca da estrutura da norma punitiva tributária, passa-se a analisar seu modo de aplicação e a forma de perquirir a responsabilidade por infrações fiscais.

Na seara da responsabilidade tem-se tradicionalmente sua classificação em: objetiva e subjetiva. A primeira é o dever de...

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