Definição do papel e do regime das acções colectivas no domínio do direito comunitário do consumo

AutorJorge Pegado Liz
Páginas251-286

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Em 16 de Fevereiro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 29º do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

"Deinição do papel e do regime das acções colectivas no domínio do direito comunitário do consumo".

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 31 de Janeiro de 2008 sendo relator J. PEGADO LIZ.

Na ...ª reunião plenária de ... (sessão de ...), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por ... votos a favor, ... votos contra e ... abstenções, o seguinte parecer.

1. Conclusões e recomendações

1.1 O CESE decidiu reabrir o debate sobre a necessidade e a oportunidade de uma relexão aprofundada sobre o papel e o regime jurídico de uma forma de acção colectiva de grupo harmonizada a nível comunitário, em especial no domínio do direito do consumo e da concorrência, pelo menos numa primeira fase.

1.2 O CESE sempre defendeu a deinição, a nível comunitário, de uma acção colectiva cujo objectivo seria a obtenção da reparação efectiva dos danos em caso de violação de direitos colectivos ou difusos. Tal acção completaria utilmente a protecção já conferida pelas vias de recurso tanto alternativas como judiciárias, nomeadamente pela acção inibitória tal como deinida pela Directiva 98/27/CE de 19 de Maio de 1998.

1.3 Com efeito o CESE, por várias vezes, defendeu a necessidade de uma intervenção comunitária neste domínio, na medida em que considerou que tal acção:

- pode contribuir de forma decisiva para a supressão dos obstáculos ao funcionamento do mercado interno, motivados pelas divergências dos diferentes regimes jurídicos nacionais, e devolver, assim, uma nova coniança aos consumidores quanto aos benefícios do mercado único, assegurando, além disso, as condições de uma concorrência leal e efectiva entre as empresas (artigo 3º, nº1, alíneas c) e g), do Tratado);

- permitiria um reforço da defesa dos consumidores facilitando e tornando mais eicaz o recurso à justiça e assegurando, assim, uma aplicação mais eiciente da legislação comunitária (artigo 3º, nº 1, alínea c), do Tratado);

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- responderia ao princípio fundamental do direito ao recurso efectivo a um tribunal imparcial, direito garantido pela Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (artigo 47º)

1.4 O facto de vários Estados-Membros terem adoptado no decurso dos últimos anos sistemas judiciários díspares de representação dos interesses colectivos dos consumidores enquanto outros ainda não o izeram, dá origem a desigualdades no acesso à justiça que prejudicam a realização do mercado interno. O CESE lamenta a existência desta situação tanto mais que a satisfação e a coniança dos cidadãos é um dos objectivos anunciados da realização do mercado interno do século XXI. O CESE está atento aos efeitos de qualquer medida em vista, relativa à competitividade das empresas europeias e das incidências que encargos desproporcionados teriam, no inal das contas, sobre os trabalhadores e sobre os consumidores.

1.5 O CESE propõe, portanto, contribuir para esta relexão com sugestões concretas sobre o regime jurídico dessa acção colectiva, tendo em conta os sistemas nacionais em vigor nos países europeus, mas também as experiências de outros países que desenvolveram tais acções. Será prestada particular atenção aos princípios formulados na Recomendação C(2007)74 do Conselho de Ministros da OCDE sobre a resolução dos litígios de consumo e sua reparação, de 12 de Julho de 2007.

1.6 Na deinição dos parâmetros propostos para uma iniciativa legislativa a nível comunitário, o CESE tomou em consideração a tradição jurídica comum das instituições judiciais europeias e os princípios fundamentais comuns de processo civil dos Estados-Membros e, portanto, rejeitou os aspectos da "class action" americana, incompatíveis com as suas tradições e princípios. O CESE considera particularmente nefasto qualquer desenvolvimento de práticas que atribuam a investidores terceiros ou aos advogados, inspirados pelas "class actions" americanas, partes substanciais dos montantes obtidos como reparação ou como punições nos processos introduzidos em nome dos interesses dos consumidores.

1.7 Tendo em conta os objectivos e as inalidades de tal instrumento, o CESE analisou as principais opções possíveis no que respeita ao regime jurídico [vantagens e inconvenientes de um regime de adesão (opt-in), de exclusão (opt-out) ou misto], o papel do juiz, a reparação dos danos, os recursos e o inanciamento.

1.8 A base jurídica de tal iniciativa, bem como o instrumento jurídico a utilizar, são outras questões importantes que foram igualmente analisadas e que dão origem a propostas.

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1.9 O CESE recorda, por outro lado, que esta relexão sobre a instituição de um mecanismo de acção colectiva não se opõe de forma alguma, muito pelo contrário, à existência e ao desenvolvimento de formas alternativas de resolução de litígios (ADR). O CESE foi um dos primeiros a airmar a necessidade de criar instrumentos eicazes que permitam aos consumidores defender os seus direitos, individuais ou colectivos, sem recorrer a juízo. A este respeito, o CESE defende um melhor alinhamento dos regimes ombudsman e similares nos sectores que constituem o mundo do consumo e em especial onde o comércio transfronteiriço é mais desenvolvido ou onde é chamado a desenvolver-se.

1.10 O CESE congratula-se com a intenção manifestada pela Comissão de prosseguir os estudos a esse respeito. Insiste contudo na necessidade de ter, em paralelo, uma real vontade política que conduza a iniciativas legislativas adequadas.

1.11 Interpretando a vontade dos representantes da sociedade civil organizada, o CESE dirige-se também ao Parlamento Europeu, ao Conselho e aos Estados-Membros para que esta relexão seja seguida das decisões políticas indispensáveis para que seja apresentada uma iniciativa legislativa no sentido preconizado o mais rapidamente possível.

2. Introdução

2.1 O objectivo deste parecer de iniciativa é promover ampla relexão sobre o papel e o regime jurídico de uma forma de acção colectiva1a nível comunitário, em especial no domínio do direito do consumo e da concorrência, pelo menos numa primeira fase2. O seu objectivo último é convidar a sociedade civil e as instituições competentes da União Europeia a estudarem a necessidade e o impacto de tal iniciativa, a relectirem sobre a deinição da sua natureza jurídica e sobre os termos e condições da sua aplicação, no quadro de um espaço judiciário europeu.

2.2 Para este efeito, a metodologia utilizada assenta numa análise prévia das necessidades no quadro do mercado único e na conformidade da iniciativa com o direito comunitário. Em seguida, é estudada a sua capacidade para resolver os litígios transfronteiriços de forma eicaz e rápida, especialmente no que respeita aos interesses económicos dos consumidores.

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3. O Mercado Único e os interesses colectivos dos trabalhadores

3.1 A "massiicação" das transacções comerciais, na sequência do desenvolvimento da produção em série, a partir da segunda metade do século passado, conduziu a alterações profundas na forma de celebrar contratos e de obter os acordos para a venda e a prestação de serviços.

A chegada da sociedade da informação e as possibilidades criadas pelas vendas à distância e o comércio electrónico comportam novas vantagens para o consumidor, mas este pode encontrar novas formas de pressão e levar a novos riscos na celebração de contratos.

3.2 Quando ofertas públicas, contratos de adesão, formas agressivas de publicidade e de marketing, informação pré-contratual mal adaptada, práticas comerciais desleais generalizadas e práticas anticoncorrenciais se desenvolvem podem causar prejuízos a grupos consideráveis de consumidores que, a maior parte do tempo, não estão identiicados e só diicilmente são identiicáveis.

3.3 Os interesses individuais homogéneos, os interesses colectivos de grupos ou os interesses difusos de todas as pessoas não encontram sempre, nos sistemas jurídicos de direito processual tradicionais, originários do direito romano, formas adequadas de acção judicial fáceis, rápidas, pouco onerosas e eicazes3.

3.3.1 Um pouco por todo o mundo e, em especial, nos Estados-Membros da UE, os sistemas jurídicos propõem formas de protecção judicial dos interesses colectivos ou difusos.

3.3.2 No entanto, estes sistemas são muito díspares e têm diferenças acentuadas na protecção desses interesses. Diferenças essas que criam distorções no funcionamento do Mercado Interno.

3.4 Com efeito, por não haver harmonização a nível comunitário, os sistemas judiciais nacionais desenvolveram-se, num passado recente, segundo orientações muito diferentes, que não derivam de princípios fundamentais divergentes mas sobretudo de diferentes abordagens e tradições do direito adjectivo ou processual. Os quadros em anexo ilustram as diferenças mais importantes a nível nacional4.

3.5 Os inconvenientes dessa situação em termos de desigualdade dos cidadãos europeus no acesso ao direito e à justiça foram, muito cedo, denunciados, sobretudo pelas organizações representativas dos interesses dos consumidores, mas também por numerosos juristas e...

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