A gênese das ordenações Filipinas

AutorRomeu Falconi
Páginas538 - 247

Page 538

Palavras-Chave

Ordenações Filipinas; Cortes de Castilla

Abstract

This short essay is not intended to achieve more than an awareness of the researchers who are investigating the real fact that has been masqueraded for a long time, with the label of usurpation. But why was, and is, this so? For one very simple reason; the Portuguese never accepted history as it is, preferring to place themselves as "victims" of an occupation, by the manus militare, on the part of the powerful Iberian empire. And it was a very difficult era for the Lusitanian nation, that final period of the 16th Century. Among other factors, the successors were compromised by the celibacy of their possible monarchs, as is made clear in the body of the text. Add to this already-chaotic scenario, the premature death of Don Sebastian, the "Desired". As he was very young, he believed it was possible to beat "The Turks" who were occupying a large part of the empire created by Charles V of Germany and I of Spain, after the Catholic Kings. He had listened to his distant relative Philips II of Spain, and would not have met the end he did which, besides being degrading, since he did not win any battle in that mad adventure, and left the Throne of Portugal moribund. He lacked the wisdom to humbly recognize his only incompetence, which was blatantly clear in every aspect, and to know how to listen to those better prepared, such as his officials,Page 539which never believed for one moment in the success of the undertaking. In short, all the logical reasons that led Philip II of Spain to become Philip I of Portugal, and, as a result, the validity and effectiveness - the Kelsenian theory through which the validity of the legal regulations is spread, instituted by the Legislation of Philip.

Key words

Legislation of Philip, Courts of Castile

1. Introdução

Este trabalho é, na realidade, uma amostragem do que será o todo de um capítulo do próximo volume da “Direito Penal: Temas Ontológicos, tomo II”, já em adiantado estado de elaboração. Mas como ali se tratará também, e principalmente, das normas jurídicas incriminadoras, o que por certo será do interesse de um número bem menor de estudantes e estudiosos, vou aproveitar a oportunidade para, generalizando a historicidade, atrair alguns incautos e, assim, procurar desmistificar a falácia de que as Ordenações Filipinas foram elaboradas a mercê da “ocupação” pela qual passou Portugal entre os anos de 1580 e 1640.

Insistese: a despeito do trabalho como um todo estar direcionado para a satisfazer a curiosidade dos estudiosos do Direito Penal e, em algumas oportunidades, estimular os pesquisadores a lidarem um pouco com a Ciência Jurídica Penal, o que resulta, não raro, estarse a filosofar, entendo não ser desperdício de tempo nem de espaço passear pela historicidade, principalmente se o assunto nos leva à intimidade de um sistema que vigeu entre nós por mais de dois séculos1 , metido em controvérsias quanto ao seu escopo que beiram sempre uma falsa aporia.

Para melhor aproveitamento da leitura deste capítulo, uma coisa precisa ficar bem clara: além dos fatos históricos mais relevantes para assimilação da razão de ser de um sistema normativo alienígena viger sobre Portugal por tanto tempo, bem como se aquela anexação, ocorrida em 1580, foi fato natural da sucessão no Poder ou mera usurpação, como pretende boa parte dos autores pátrios.

Na obra completa sobre o tema, as peculiaridades do Livro V, 2 que é precisamente quem trata do direito punitivo, serão trazidas àPage 540colação, quando se adentrar no espaço próprio, o que não ocorrerá aqui. Descartarse-á tudo que não disser respeito ao escopo específico. Com essa observação, que se faz necessária, pretendese abortar possíveis críticas ou cobranças no pertinente as omissões quanto aos demais Livros da coletânea3 , e outros que tais.

De mesma forma, é absolutamente indispensável trazer à colação opiniões de outras pessoas sem, contudo, se abrir mão do nosso ponto de vista pessoal, que surge de uma constatação feita após longas reflexões e informações de variados matizes sobre aquele volumoso sistema legal, criado já nos estertores do reinado de Felipe II, da Espanha.

Desde sempre se doutrinou tratarse de algo brutal e desumano. Um sistema legal leonino, canibal mesmo. Após viajar o necessário pela História, chegase a conclusão de o arcabouço era absolutamente conforme com o seu tempo em matéria de qualidade4 . Em nível de mínima amostragem, autores nossos dizem tratarse de uma lei terrível5 . Na mesma linha vai Edgar de Magalhães Noronha, que assevera textualmente: Além de profundamente desumana, era também discricionária e repleta de casuísmos

epleta de casuísmos. Todavia, se comparada com os demais diplomas da época, era tão duro quanto os outros, porém sem exagerar para a ocasião6 , que tudo permitia.

Para não exagerar, basta constatar que tivemos exemplo dentro de casa. Se confrontada com legislação holandesa aqui aplicada da mesma época, chegarseá a esta conclusão, com uma diferença apenas: Portugal não tinha aqui alguém do estofo moral de Nassau, que tratou de fazer aplicar uma lei duríssima, sem permitir, quando pode, qualquer forma de abuso. Era um verdadeiro estadista esse holandês maravilhoso. Acresçase nisso tudo o condicionante tempo: ficou por aqui muito pouco tempo7.

2. Historicidade de Felipe II da Espanha
2. 1 Gênese

Os poucos autores que nos antecederam no tema, ao pretenderem um pragmatismo absoluto nem sempre salutar, eu diria, deixaram para trás a gênese daquilo que desaguou na elaboração, implementação e implantação, que dá causa e é a razão de ser deste trabalho: a origem do sistema normativo conhecido por Ordenações Filipinas. A despeito de não ser do ramo dosPage 541historiadores, tentarei sanar um lamentável equívoco histórico que vem ocorrendo desde antanho, distorcendo ou sofismando informações fundamentais para a cultura jurídica pátria8.

É verdade que o sistema normativo, ora em comento, veio da hoje Espanha parar aqui nas terras brasilis, passando necessariamente, é claro, por Portugália, mercê do fato de Don Felipe II da Espanha ter sido coroado Rei de Portugal. Diz, a quase unanimidade dos autores, que se tratou de usurpação! Se foi realmente uma usurpação, como explicar sua longevidade? Afinal, a dinastia espanhola permaneceu na terra de Camões por apenas 60 anos9 . Essa afirmação categórica de que houve usurpação, dominação, etc, etc, não reflete a realidade fática. Procurarei desmistificar, sanando esse deplorável equívoco, demonstrando através da hereditariedade de Felipe, a sua legitimidade, ainda que precária porque não era direta, para ocupar o trono lusitano naquela quadra do tempo. No que seja possível, procurarei ser pragmático, sintético sem, contudo, perder de vista o ontológico.

Para que assim seja, cumpre que se faça desde logo uma prospecção na História, para que se possa afirmar com relativa segurança a razão de um sistema legal alienígena viger sobre o reino de Portugal e suas colônias, inclusive a maior e mais rica de todas: Brasil. Começarei pelas sucessões lusitanas, imediatamente posteriores ao reinado de Don Manoel, o Venturoso.

Com a morte de Don Manuel, em 1521, ascendeu ao trono Don João III, seu sucessor natural, que governou entre 1521 e 1557. Substituído pelo jovem filho, o ainda menino, Don Sebastião, que entrará para a História de Portugal, com o cognome proporcionado pelas “Trovas do Bandarra”: O Encoberto. Este permaneceu com o cetro até 157810 .

Na visão do historiador Magno Vilela, este ano de 1578 foi crucial para o tresloucado Don Sebastião, que pretendeu derrotar os mouros, ou el turco, como o povo costuma chamar os muçulmanos que ocupavam boa parte da Península Ibérica, Batelos dentro de Marrocos, precipitando toda a trama que ora se comenta.

Munindose de um contingente de 17.000 mil homens, o jovem monarca se lançou numa aventura que era antecipadamente prevista como fatal. Dizimada a tropa, ele desapareceu para sempre11 . Na realidade suas tropas marchavam para um desastre cujas repercussões seriam sentidas durante anos e anos. AsPage 542previsões pessimistas de seus oficiais logo se confirmaram. O rei, supremo comandante das tropas, comandava mal ou simplesmente não comandava. Seus erros foram se acumulando, e a tal ponto, que alguns de seus oficiais pensaram em prendêlo. O resultado não se fez esperar muito: na batalha de Alcácer Quibir, em 4 de agosto de 1578, as tropas portuguesas foram cercadas pelos muros e dizimadas. Segundo consta, na época Don Sebastião tinha 24 anos de idade, conforme informa Magno Vilela, na página 13 da obra mencionada. Era praticamente uma criança, que procedeu deliberadamente como tal, a despeito de todas as advertências.

Na seqüência de sua excelente narrativa, o historiador das Minas Gerais informa que a metade da tropa morreu e o resto feita prisioneira12. A pretensão de Don Sebastião era de tal forma teratológica e descabida, que o próprio Felipe II, procurou desestimulálo, dizendo da total impossibilidade de sucesso. Sobre Al’Karsal Kabir, vejase página 55 do “Lineamentos de Direito Penal”. Fica consignado que o rei Don Sebastião desapareceu para sempre...

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