Implicações das Novas Tecnologias nas Relações de Trabalho

AutorSalete Oro Boff - Juliana Fabres da Silva
Páginas25-33

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O trabalho tem como características a naturalidade, a sociabilidade e o caráter indireto1. A produtividade e a competitividade constituem os principais processos da economia global. A produtividade origina-se da inovação e a competitividade da flexibilização. "A tecnologia da informação e a capacidade cultural de utilizá-la são fundamentais no desempenho da nova função da produção."2 Para Castells, os conhecimentos especializados podem tornar-se obsoletos com rapidez mediante a mudança tecnológica enquanto que a educação "é o processo pelo qual as pessoas, isto é, os trabalhadores, adquirem capacidade para uma redefinição constante das especializadas necessárias a determinada tarefa e para o acesso às fontes de aprendizagem dessas qualificações especializadas"3. Segundo o autor, a flexibilidade "instituída em termos organizacionais pela empresa em rede requer trabalhadores ativos na rede e trabalhadores de jornada flexível, bem como uma ampla série de sistemas de trabalho, inclusive trabalho autônomo e subcontratações recíprocas"4.

Os avanços tecnológicos resultam em maior produtividade em menos tempo e provocam diversas mudanças no mundo do trabalho, com a inovação e a utilização de ferramentas como e-mail, internet, celular, GPS e computadores. O trabalho, que antes tinha por característica a existência de uma sede da empresa como centro da prestação de serviço efetuada pelo trabalhador, em muitas situações, tornou-se um trabalho flexível, que pode ser realizado em local diverso que o da empresa, como na residência do trabalhador - online. Com o ingresso das tecnologias como ferramentas de trabalho, torna-se necessário que o empregador tenha formas de controle dessas ferramentas e, com isso, surgem o monitoramento de e-mail, os circuitos internos de áudio e vídeo e as redes de conexão para aferir o horário dos funcionários.

A utilização do controle do trabalho realizada por meios eletrôni-cos dá uma conotação diferenciada à subordinação, característica que por muito tempo se manteve tangível e concreta. Até mesmo os con-tatos entre empregado e empregador tornam-se mais maleáveis, trazendo consigo novas possibilidades, como a prestação de serviços em outros países e a flexibilização de horário e de criação.

Com todas estas inovações, surgem discussões que serão inevitavelmente levadas ao campo do direito, pois de fato é a ele que o trabalhador recorre quando necessita efetivar uma demanda, como o reconhecimento de realização de jornada extraordinária aferida por meio de GPS ou seu sobreaviso, que ele acredita se caracterizar pelo seu smartphone. Porém, a legislação trabalhista, nascida no seio da

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revolução industrial, fundamenta-se em prestação de trabalho e uma cadeia produtiva completamente diferente da atual.

Com essas considerações gerais, o presente ensaio pretende apresentar algumas implicações nas relações de trabalho provocadas pelas novas tecnologias, buscando analisar a possibilidade de conciliá-las. Sabe-se que o tempo do direito não acompanha as demandas sociais, entretanto o trabalhador necessita de uma proteção e segurança jurídica que poderão se concretizar por meio de releituras e formas revisadas de interpretação e aplicação do direito.

1. Panorama geral das relações de trabalho

Com a revolução industrial, iniciada na Inglaterra no século XVIII, tem-se a transformação da economia baseada na atividade agrária manual para a atividade industrial mecanizada. A partir daí surgem duas classes que se opõem em interesses: de um lado os detentores do capital e dos meios de produção e do outro os operários.

Pode-se, igualmente, indicar "três revoluções gerais da tecnologia, engendradas pelo modo de produção capitalista desde a revolução industrial original, da segunda metade do século XVIII", a primeira, marca dos fins do século XVIII até meados do século XIX, proporcionada pela produção de motores a vapor por meio de máquinas; a segunda, iniciada no final do século XIX até meados do século XX, com destaque para a aplicação do motor elétrico e do motor de explosão; e a terceira revolução iniciada com o fim da segunda guerra mundial: automação por meio de eletrônicos5.

Com a invenção de teares, máquinas a vapor e suas aplicações na indústria, tem-se a evolução dos métodos trabalhistas, substituindo-se o trabalho manual pelo mecânico, e, consequentemente, há uma revolução nas relações decorrentes dessa nova técnica de trabalho. A primeira revolução industrial promoveu o desenvolvimento do capitalismo industrial, - formam-se grandes conglomerados econômicos -, e deu origem ao liberalismo. Já na segunda fase, de meados de 1860 até 1900, inicia-se a difusão dos princípios de industrialização na França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Estados Unidos e Japão e o surgimento de novas formas de energia, como o petróleo. Durante esse período eclodiram diversos movimentos de protesto e até mesmo verdadeiras rebeliões por parte dos trabalhadores, visando à efetivação dos seus direitos. Surgiram nessa época os sindicatos, com o objetivo de organização dos trabalhadores e o reconhecimento e concretização dos seus direitos. Consequentemente, foram elaboradas legislações com o fim de protegê-los. E é com esses movimentos trabalhistas que a classe trabalhadora passou a ter maior importância social e política.

A terceira fase da revolução, que vai de 1900 até os dias de hoje, trouxe a também chamada 'revolução da informação'. Seu impulso deu-se com a segunda guerra mundial, quando as empresas mobilizaram-se para desenvolver máquinas capazes de fazer cálculos e processar informação. O avanço desse potencial tecnológico deu origem a empresas multinacionais e transna-cionais, com recursos de automação, dos avanços da robótica e da engenharia de produção, fixando extensões em vários países.

Essa expansão da abrangência das empresas, impulsionadas pela inovação tecnológica, aumentou o seu poder de interferência na economia global, bem como sobre as formas de relação de trabalho que se estabelecem entre o empregador e o empregado. Isso pode ser constatado em relação à sede do trabalho, pois hoje, em muitos casos, as atividades podem ser realizadas na residência do empregado.

São muitas as atividades e os conceitos comuns das relações de emprego que passam a exigir uma releitura diante das novas perspectivas tecnológicas e globalizantes, como a questão da "desterritoriali-zação, descentralização e exteriorização do trabalho", que passam a ser palavras-chave capazes de ampliar as perspectivas de maior produtividade e lucratividade6.

Com outras características, a evolução compatível com a era das conexões, a tecnologia oferece uma mobilidade quase infinita. "A internet e a comunicação móvel, por meio de celulares, blackberrys e afins, têm sido os grandes catalisadores dessa transformação. Hoje é possível gerenciar um negócio, trabalhar em equipe e lançar um produto mesmo estando cada dia em um lugar diferente."7

2. A mundialização do trabalho

Na era globalizada as empresas eliminaram as barreiras espaciais e se utilizaram das inovações para isso. Parafraseando Marx, "o movimento do capital é insaciável"8. As tecnologias interligaram países e geraram uma teia de conexões entre bens, serviços e economias de modo a não mais ser possível definir se algo é transregional ou global. "O desenvolvimento galo-pante da informática, cibernética, telecomunicações, transportes etc., gera, consequentemente, a internacionalização do trabalho, com livre circulação de trabalhadores."9 Nesse contexto, tem-se uma complexa ampliação das fronteiras do trabalho, de maneira que um cidadão

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pode trabalhar para uma empresa americana da sua casa no Brasil e viajar uma vez por mês a uma das sedes da empresa na Índia.

Esta mundialização do trabalho gera impactos específicos no direito trabalhista, o qual terá que acompanhar as "mudanças no mundo laboral para garantir a pro-teção social que lhe é reservada historicamente. Assim, seu papel consiste em equilibrar a evolução tecnológica com a manutenção de um nível adequado de tutela dos profissionais que, nos diferentes níveis da organização empresarial, criam, manejam e processam as novas tecnologias10.

Atualmente as empresas têm trabalhadores móveis e teletrabalhadores e, quando ocorrem as lides trabalhistas, surgem dúvidas com relação à competência para julgar. Do mesmo modo, a globalização do trabalho gera discussões a respeito de suas conceituações, como em relação à ideia de subordinação e até mesmo de meios de trabalho e sua utilização, como blackberrys, laptops e tablets de propriedade particular ou de propriedade das empresas.

Como as regulamentações das novas formas de trabalho advindas dos avanços tecnológicos é precá-o art. 651, § 2o, as desinteligências ocorridas em agências ou filiais no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo ao contrário, serão de competência da justiça trabalhista brasileira, portanto, atraindo a incidência da Lei 11.962/09, que permite a aplicação da legislação trabalhista mais favorável ao trabalhador, seja a do país da prestação do serviço, seja a da celebração do contrato.

As empresas que se utilizam da tecnologia dão mobilidade aos empregados, eliminando a necessidade de um espaço físico e até mesmo, no caso de haver um espaço, evitam que haja um supervisor em cada região ou país, substituindo o trabalho subordinado comum por uma relação externa com uma característica maior de coordenação de vários núcleos, onde quer que estejam. Tal questão traz impactos no direito, pois há maior dificuldade de caracterizar esta subordinação, tendendo a considerar que ela "consiste num dever de...

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