Das teorias éticas e da resposta jurídica ao problema do tratamento dos animais

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Das teorias éticas e da resposta jurídica
ao problema do tratamento dos animais
3 O que é uma teoria ética?
Teorias éticas são uma forma de se abordar, mediante clare-
za, profundidade, análise e acertos semânticos, um determinado
problema. O viés em comum que une todas elas encontra-se na
busca pela proposição de justicativas racionais e lógicas para
comportamentos individuais ou coletivos. No que tange ao obje-
to central do presente trabalho, as teorias éticas buscam analisar
o status moral dos animais não humanos.
O debate acerca da conceituação do status moral, bem como
os critérios elencados como sucientes para que determinados
seres o possuam variam muito e não são uniformes na história da
losoa. É possível armar que “o conceito de status moral não
é tão claro ou bem caracterizado quanto possa parecer, e parece
haver um número considerável de discordâncias sobre como en-
tendê-lo”.116
Antes de tudo, a ideia de status moral propõe uma hierar-
116 MORRIS, Christopher. “e idea of moral standing. In: BEAUCHAMP,
Tom. FREY, Raymond G. e Oxford handbook of animal ethics. Oxford:
Oxford University Press, 2013. p. 255.
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Brunello Stancioli e Carolina Maria Nasser Cury
quização. Essa hierarquização se dá no sentido de haver a conso-
lidação de justicativas, de ordem ética, para que, em situações
concretas, determinado ser seja tratado de uma maneira espe-
cíca, ao passo que outros seres venham a fazer jus a diferente
modalidade de tratamento.
Nesse sentido, é o status moral de um ser que enquadra a
teoria ética a ser aplicada em seu tratamento, seja ele ético ou
jurídico. Pode-se tomar como exemplo dessa abstração o fato de
que seres humanos nascidos com vida, no atual sistema jurídi-
co ocidental, possuem o status moral de pessoa. Com isso, esses
seres se enquadram em uma lógica que perpassa o resguardo de
direitos como integridade física e liberdade, devendo haver con-
dutas no mundo que se enquadrem de forma a resguardar tais di-
reitos – que são, consequentemente, consolidados como garantias
em ordenamentos jurídicos. Assim, enquadra-se uma categoria
– a de ser uma pessoa – a uma entidade – o ser humano –, e a elas
se vinculam normas de regramento de tutelas e garantias.
É esse mesmo raciocínio que sustenta a ideia de que objetos
inanimados, como computadores, carros, obras de arte ou cidades
tombadas sejam relevantes em uma ordem ética ou jurídica na
medida em que eles tenham algum valor conferido por seres que
já possuem um determinado valor ante a um ordenamento.
Frequentemente, a ideia de que a posse de um status moral
possui como corolário a ideia de que algo é relevante, do ponto de
vista moral, de modo intrínseco ou por si só. Essa ideia é rever-
berada por Allen Buchanan, que arma que “um ser possui status
moral quando ele é, por si só, relevante moralmente”.117
117 BUCHANAN, Allen. Moral status and human enhancement. Philosophy
and Public Aairs, Nova Iorque, v. 37, n. 4, 2009. p. 346.
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Para além das espécies
Uma das ideias mais patentes nas argumentações acerca do
status moral de um ser corresponde à noção de valor intrínse-
co. Assim, um determinado ser ou nicho é relevante moralmente
quando é possível detectar neles marcadores que indiquem a pre-
sença de um valor a ser tutelado por si só, válido no contexto ao
qual a análise é tecida.
Em contraste à ideia de valor intrínseco, encontra-se a noção
de valor instrumental. Para Christopher Morris,
algo possui valor instrumental ou extrínseco quando é
valorado como meios para algo além; algo tem valor in-
trínseco se é valorado em si. Muitas coisas possuem valo-
res tanto intrínsecos quanto instrumentais (por exemplo,
uma boa refeição, a companhia de um amigo). Pode ser
que humanos ou pessoas possuam status moral em fun-
ção do valor intrínseco. Mas não está claro que o valor
intrínseco irá simplesmente explicar a noção de status
moral.118
Aprofundando no assunto, Francis Kamm faz a observação
– sutil, mas importante – de que mesmo seres ou objetos inani-
mados são passíveis de possuírem status moral relevante. Para a
autora, esses seres também podem dialogar na equação da etici-
dade.
Kamm sustenta que uma peça de arte ou uma árvore podem
possuir status moral e que, para tanto, prescindiriam da necessi-
dade de possuírem valores em si. De acordo com ela,
uma peça de arte ou uma árvore podem contar moral-
mente no sentido de que eles fornecem motivos para
que restrinjamos nosso comportamento no que tange
118 MORRIS. e idea of..., op. cit. p. 258-259.

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