A ecologia da vida e animais sob a lógica do sistemismo-emergentista

Páginas135-198
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A ecologia da vida e animais sob a
lógica do sistemismo-emergentista
6 A (ir)relevância do conceito de espécie
A análise do conceito de espécie é problemática, tanto na
biologia quanto na própria losoa. Muito embora a denição
crua do conceito não seja de difícil absorção ou elaboração, es-
pécies, por possuírem o caráter denidor e organizador de seres
vivos em grupos, são importantes para análises normativas em
geral. Isso porque (i) a busca por características essencialmente
humanas não compartilhadas com outros animais é uma tôni-
ca do pensamento ocidental e, (ii) a partir das espécies, extrai-se
uma forma normativa de subdivisão do mundo dos seres vivos.
Espécies, primeiramente, são um táxon. Táxons são classi-
cações biológicas dentro de um sistema de organização dos seres
e formas de existência na Terra. Neles, agrupam-se um ou mais
indivíduos, populações ou organismos que, de alguma forma –
genética, por exemplo – possuem raízes em comum. A origem
dos táxons remonta ao Systema Naturae, de Lineu, que, de forma
ainda rudimentar, buscou subdividir, para ns de estudo, a “na-
tureza” em três grandes reinos: o vegetal, o animal e o mineral. A
biologia contemporânea elenca oito divisões taxonômicas (por-
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Brunello Stancioli e Carolina Maria Nasser Cury
tanto, oito táxons). Em ordem do maior para o menor, encon-
tram-se: vida, domínio, reino, lo, classe, ordem, família, gênero
e, por m, as espécies.264
Espécies são, nesse sentido, um conceito aparentemente
simples: pode-se considerar que estas são um grupo de indiví-
duos capazes de reproduzir entre si e gerar descendentes férteis.
Dessa forma, espécies são o maior pool genético capaz de, em
determinadas situações, existir.265 Contudo, a denição léxica do
termo “espécie” não é suciente para que o problema losóco da
ontologia da teoria da evolução e as consequências práticas das
suas respostas sejam atacadas.
A busca por uma denição que seja biologicamente adequa-
da ou losocamente normativa é tema central de discussões que
se iniciaram a partir da publicação da obra mais conhecida de
Charles Darwin, A origem das espécies.
Ainda que não seja o objetivo central do presente trabalho,
para que seja possível compreender o caráter da noção de espécie
e a sua consequente relevância losóca, faz-se necessário ana-
lisar o que o recorte biológico contemporâneo compreende por
uma espécie – para além da denição léxica.
O debate acerca da denição de “espécie”, de uma forma
mais complexa, centra-se em três indagações. A primeira delas
264 SAHNEY, S. BENTON, M. J. FERRY, P. A. Links between global taxo-
nomic diversity, ecological diversity and the expansion of vertebrates on
Earth. Biology, v. 6, n. 4, p. 544-547, 2010.
265 A denição de espécie citada é retirada do Guia de Evolução da Univer-
sidade de Berkeley, Estados Unidos. Cf.: BERKELEY. Understanding evo-
lution. Disponível em: <http://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/
evo_41>. Acesso em: 22 mai. 2016.
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Para além das espécies
corresponde ao status ontológico de uma espécie, isto é, se espé-
cies são tipos naturais essenciais ou não. A segunda vincula-se ao
debate entre monismo ou pluralismo de espécie. Por m, indaga-
se se as espécies são um conceito válido e observável com rigor
no mundo. A esses três pontos debruçar-se-á o presente trabalho.
6.1 O debate sobre o essencialismo do conceito de
espécie
Dentro da biologia, a noção de espécie é central para a clas-
sicação de seres vivos. Ela é critério de organização de categorias
em nichos e fundamental para a taxonomia, pois é considerada
uma unidade de evolução, isto é, “grupos de organismos que se
desenvolvem em uma forma unicada.266
Até o impacto da teoria darwiniana da evolução, como já
se discutiu na Parte I do presente trabalho, a ideia de espécie era
eminentemente essencialista. A ideia de espécie correspondia a
uma estrutura estática, não evolutiva, de grupos ou indivíduos.
Inserir a humanidade em uma linha evolutiva ou em um
contínuo gradual entre seres parecia ser tarefa infundada para a
grande parte da losoa e do pensamento tradicional do Ociden-
te. Para Ernst Mayr,
[o] homem sempre foi considerado um ser inteiramente
diferente do resto da criação. É o que diz a Bíblia, e com
o que os lósofos, de Platão a Kant, passando por Des-
cartes, concordaram sem reservas [...]. Para a maioria das
pessoas, o homem era o pináculo da criação e diferia dos
266 ERESCHEFSKY, Marc. “Species”. In: ZALTA, Edward (ed.). e Stanford
Encyclopedia of Philosophy. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/ar-
chives/sum2016/entries/species/>. Acesso em: 24 mai. 2016.

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