O debate da (in)capacidade da pessoa com deficiência e a relação jurídica obrigacional: efeitos no adimplemento

AutorRosalice Fidalgo Pinheiro e Max Bortolassi Adolfo
Ocupação do AutorDoutora e Mestra em Direito das Relações Sociais junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal do Paraná/Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná
Páginas193-219
O DEBATE DA (IN)CAPACIDADE DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA E A RELAÇÃO JURÍDICA
OBRIGACIONAL: EFEITOS NO ADIMPLEMENTO
Rosalice Fidalgo Pinheiro
Doutora e Mestra em Direito das Relações Sociais junto ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal do Paraná. Professora Adjunta da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Professora Adjunta do Pro-
grama de Pós-Graduação em Direito Stricto Sensu do Centro Universitário Autônomo
do Brasil. Estágio pós-doutoral junto à Universidade Paris 1 – Panthéon-Sorbonne.
Max Bortolassi Adolfo
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-Graduando Latu Sensu
na Escola da Magistratura Federal do Paraná
Sumário: 1. Introdução; 2. O debate da (in)capacidade da pessoa com deciência; 3. Os danos
causados no exercício da medicina: contextualização e peculiaridades; 4. Da capacidade à
vulnerabilidade da pessoa com deciência: seus efeitos no adimplemento; 5. Considerações
nais; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituição da Repú-
blica de 1988, assegura para todos existência digna e com justiça social, com respeito às
qualidades ínsitas de cada ser humano. É neste sentido que a Lei 13.146 de 06 de julho de
2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Def‌iciência, denominado
Estatuto da Pessoa com Def‌iciência, alterou substancialmente o rol das incapacidades
previsto nos artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002.
Segundo o Estatuto da Pessoa com Def‌iciência, indivíduos interditados em razão
de alguma doença ou def‌iciência psíquica passam a ser considerados plenamente capa-
zes. Todavia, indaga-se se a retirada das pessoas com def‌iciência mental e intelectual do
sistema das incapacidades do Código Civil, poderia ter resultado em déf‌icit de proteção
a essas pessoas.
Dito isso, o objetivo deste artigo é verif‌icar como a alteração no sistema de inca-
pacidades, regulamentada no Estatuto da Pessoa com Def‌iciência, relaciona-se com a
Teoria das Obrigações, especif‌icamente quanto aos efeitos gerados pela Lei 13.146 no
adimplemento.
Para isso, o trabalho segue o método de abordagem dialético, partindo-se da dis-
cussão acerca da (in)capacidade da pessoa com def‌iciência, passando por um contexto
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mais amplo, no qual se retrata a pessoa no desenvolvimento histórico de relação jurídica
obrigacional, e chega-se aos possíveis efeitos da capacidade da pessoa com def‌iciência
no adimplemento. Para tanto, utiliza-se o procedimento de pesquisa bibliográf‌ico, com
a análise da legislação e doutrina pertinente ao tema.
O trabalho foi dividido em três partes. Na primeira, apresenta-se o célebre debate
sobre a (in) capacidade da pessoa com def‌iciência. Neste momento serão apresentadas as
diferentes argumentações, contrapondo-se os que consideram que a Lei 13.146 inaugu-
rou um tratamento humanista e de respeito à dignidade humana com relação ao regime
das incapacidades e os que consideram-na fracassada em sua missão de proteção. Na
segunda parte, expõe-se a ruptura gerada no regime das incapacidades com o advento da
Lei 13.146, qual seja, a passagem de um conceito técnico de personalidade que remonta
à concepção abstrata de sujeito de direito, para entendê-la como valor. Na terceira parte,
serão apresentados os ref‌lexos trazidos pelo Estatuto da Pessoa com Def‌iciência, especi-
f‌icamente ao adimplemento, tendo como pano de fundo a Tomada de Decisão Apoiada
e a noção de Vulnerabilidade.
2. O DEBATE DA (IN)CAPACIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A Lei 13.146, de 06 de julho de 2015, que promulgou o Estatuto de Inclusão da
Pessoa com Def‌iciência, decorre de compromisso f‌irmado pelo Brasil ao ratif‌icar a Con-
venção sobre Direitos da Pessoa com Def‌iciência (conhecido como Acordo de Nova
York)1. Trata-se do resultado do processo de universalização dos direitos humanos, que,
segundo Flávia Piovesan, “permitiu a formação de um sistema internacional de proteção
destes direitos”. O referido sistema é integrado por tratados internacionais de proteção
que ref‌letem a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados 2.
A nova Lei trouxe modif‌icações legislativas perceptíveis em diferentes áreas, com
o importante objetivo de derrubar as barreiras da exclusão social. É o que dispõe em seu
artigo 1.º, ao enunciar que “pessoas com def‌iciência são aquelas que têm impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas”. Essas alterações resultam de uma
nova percepção do conceito de def‌iciência, que se passa de um modelo médico e fechado
em hipóteses típicas de def‌iciência, apontadas pelo Decreto n.º 3.298/1999, para um
modelo social e aberto, delineado pela interação entre os impedimentos da pessoa com
def‌iciência e as barreiras sociais3. Por outras palavras, antes, pretendia-se munir a pessoa
1. A Organização das Nações Unidas - ONU - promulgou a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Def‌iciência
e seu protocolo facultativo em 2007; o Brasil aprovou o documento no ano seguinte, por meio do Decreto n.
186/2008, com quórum qualif‌icado de três quintos na Câmara dos Deputados e Senado Federal, conforme art.
5º, § 3º da Constituição da República. Além disso, a Presidência da República ratif‌icou e promulgou a Convenção
por meio do Decreto Presidencial n. 6.949/2009.
2. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 15.
3. Neste sentido: ARAUJO, Luiz Alberto David; MAIA, Maurício. O Conceito de Pessoas com Def‌iciência e algumas
de suas Implicações no Direito Brasileiro, Revista de Direito Constitucional e Internacional. v. 22. n.86, jan./mar.,
2014, p. 170-171.
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