Mesa de Debates 'C' - Operações mercantis e tributos estaduais

AutorValdir de Oliveira Rocha
Páginas65-76

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Presidente da Mesa (Prof. Valdir de Oliveira Rocha) - Boa tarde a todos! É com grande honra e muita satisfação que mais uma vez compareço ao Congresso Brasileiro de Direito Tributário, desta feita em sua XXIII edição, este evento tradicional promovido pelo Instituto Geraldo Ataliba. E, sendo tão grande a honra, devo agradecer ao convite que me foi feito pelo Prof. Aires Barreto, seu Presidente. Quero cumprimentar a Profa. Elizabeth Nazar Carrazza, eminente Presidente deste evento. É grande também a minha satisfação por estar numa Mesa junto com ilustres e desta-cadíssimos juristas, mais que tributaristas. Lembro que o Prof. Geraldo Ataliba não apreciava muito a expressão "tributarista", porque "tributarista" dá a impressão de que é o especialista que está pensando apenas numa parte, um segmento, o direito tributário. Na realidade, ninguém mais que os "tributaristas" - aqui, entre aspas - tem que pensar o Direito como um todo, porque o direito tributário é um Direito de superposição.

Nesta Mesa, com ilustres participantes, palestrantes, eu fico realmente muito à vontade, porque se trata de pessoas que com certeza vão nos trazer uma grande contribuição, mais uma vez.

São estudiosos, são pessoas que vão fundo nos assuntos que focalizam, e sempre o fazem com muita serenidade, tranqüilidade - características típicas dos bons oradores.

E aqui nós temos um grupo de excelentes oradores. A iniciar com o Prof. Sa-cha Calmon Navarro Coelho. O Prof. Sacha Calmon tem uma trajetória de ativida-des como operador do Direito enquanto advogado, enquanto juiz, enquanto professor, enquanto palestrante, autor de tantos livros, professor da UFMG, foi professor da UFRJ, agora professor da Faculdade de Direito de Campos. Então, tem um currículo variado e brilhante.

Ainda, à minha direita, o caro Prof. Roque Antonio Carrazza, que desde os seus primeiros livros encantou a todos pela sua forma singular e peculiar de tratar aqueles assuntos, com uma marca sempre muito pessoal. Ele é professor titular de Direito Tributário da PUC/SP.

À minha esquerda nós temos o prezado Prof. José Eduardo Soares de Melo, que também tem um currículo vasto e riquíssimo. Ele é Bacharel pela Faculdade de Direito da USP, Mestre, Doutor, Livre-Do-cente da PUC/SP. Autor de tantos livros, inclusive alguns que logo mais estarão sendo lançados, e quero aproveitar este momento para desde já registrá-los. São dois livros que estão sendo lançados hoje, editados pela Quartier Latin. Trata-se de Processo Tributário Administrativo Judicial e um outro título, Direito Tributário e Empresarial. Com certeza, daqueles volumes que não poderão faltar em nossas bibliotecas, por mais modestas que elas sejam. Além desses dois livros, também temos um outro lançamento, este pela Noe-ses, da Dra. Aurora Tomazini de Carvalho, Curso de Teoria Geral do Direito, que leva o subtítulo "O Constructivismo Lógico Se-

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mântico" - "Constructivismo", não estamos habituados com essas consoantes mudas, mas é assim que está gravado na capa do livro, e provavelmente lá temos alguma explicação interessante a respeito.

E ainda, à esquerda, o jovem Prof. Tá-cio Lacerda Gama. Jovem, mas já com uma carreira pontuada de alguns momentos brilhantes, Mestre e Doutor pela PUC/ SP e professor de Direito Tributário, também com livros publicados.

Feita esta breve apresentação, passo a palavra prontamente ao Prof. Sacha Cal-mon Navarro Coelho, lembrando que cada um dos palestrantes disporá de 20 minutos para discorrer sobre os temas que estão indicados neste Congresso. Prezado Prof. Sacha...

Guerra Fiscal e Medidas Judiciais

Prof. Sacha Calmon Navarro Coelho - Digníssimos Colegas, cujos nomes foram anunciados há pouco, os quais me honram por estar sentado na mesma Mesa que eles; meus Srs. e minhas Sras. O tema que nos foi dado é "Guerra Fiscal e Medidas Judiciais". É um tema um tanto quanto aberto, vasto, insinuante, instigante. O título sugere a defesa dos civis em face da beligerância dos Estados-membros da Federação uns contra os outros.

A guerra, como a política da força bruta, afronta a paz, à qual o Direito visa. Portanto, é paradoxal que em um Congresso de Direito tratemos da "guerra fiscal". Mas eu vou antes dizer que esta "guerra fiscal" entre os Estados-membros da Federação, em cujo proscênio - porque até certo ponto é uma guerra teatral - o ICMS é o principal ator, é precedida de ingredientes políticos inseridos em textos jurídicos na Constituição e quiçá mais fortemente nas leis complementares da Constituição. É como eu pretendo abordar o tema.

A Emenda 18 à Constituição de 1946, que precede o Código Tributário Nacional e antecede a Constituição de 1967, a mesma de 1969, inaugurando um novo sistema tributário, vem para criar o ICM, porque ainda não é acrescentado o "S" de "Serviços", em substituição ao IVC/imposto sobre vendas e consignações. Não se trata de um tempo muito antigo, o Prof. Tácio, que é um descendente direto de Vasco da Gama, chegou a alcançar aí, na escola, o IVC, que era um imposto muito odiado, muito combatido pela sociedade e pelos especialistas.

Então, esse novo imposto, o ICM, aparece com ares de modernidade, interligando todos os Estados-membros da Federação, e vem incidir sobre a produção e circulação e consumo de mercadorias, com um espectro mais amplo que o IPI, que incidia apenas na fase industrial. Ele é pluri-fásico, ele é sobre o valor adicionado e é servido pelo princípio da não-cumulativi-dade. Em termos teóricos, um avanço fantástico. E "fantástico" por quê? Por que o IVC era cumulativo, cada contribuinte calculava seu imposto, pagava e não repassava crédito algum para o elo seguinte da cadeia de circulação. E, portanto, conforme fosse o elo ou a cadeia produtiva, era um imposto que se ia agregando ao preço, gerando, por isso, inflação. Era um imposto que, exatamente por isso, provocava verti-calização das empresas, porque, não havendo negócio jurídico ou ato jurídico bilateral, não incidia o imposto, não tinha venda, nem consignação, as empresas tendiam a concentrar no mesmo grupo as etapas econômicas de produção. Era um imposto antifederativo, porque cada Estado cobrava sobre suas operações de vendas e consignações e assemelhadas. E era um imposto altamente sonegável, visto que estava baseado nas normas fiscais e não havia entre os contribuintes a suposta dedicação ao crédito do imposto daquele que precedia o pagante. O ICM era, portanto, o antípoda do IVC, em termos jurídicos. Mas logo e logo esse imposto foi distorcido. A primeira distorção notável é que esse imposto, nos Países onde é adotado com o nome de IVA/imposto de valor adicionado - especialmente na Europa, na América Latina, não nos Estados Unidos, mas na In-

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glaterra sim -, era da competência do Poder Central quando o País era federativo; digamos, a Alemanha (é um País federal, a competência é da União Federal e não do Lander, do Estado-membro alemão). Na França não, é um País unitário; Portugal não, é um País unitário; a Itália não, é um País unitário. Então, o problema da competência não importa, mas em qualquer lugar do mundo - na Argentina, por exemplo - esse tipo de imposto, quando o Estado é federal, pertence à União, ao Poder Central; e quando não é federal, sendo o Estado unitário, problemas não há. Aqui não, a competência foi direta para o Estado-membro, porque o ICMS veio substituir o IVC, e, politicamente, mesmo tratando-se de uma época revolucionária, inaugurada em 1964, não se conseguiu redesenhar o sistema tributário, de modo a deixar o imposto na competência do Poder Central - ele continuou na competência do Estado-membro.

Como não poderia deixar de ser, a primeira conseqüência foi a brutal mutilação da competência do Estado. O imposto passou a ser totalmente desenhado na Constituição e logo depois nas leis complementares e nas resoluções do Senado. A competência impositiva do Estado-membro consistia apenas em transmudar, ou trasladar, para a lei estadual o que já estava disposto na Constituição e nas leis complementares. E a competência exonerativa, que é a razão da "guerra fiscal", também foi totalmente mutilada, porque as isenções e demais exonerações, quer aquelas que se colocam no fato jurígeno ou na conseqüência da norma, redução de base de cálculo, redução de alíquota, concessão de crédito presumido, todas elas passaram a ser objeto de convênio entre Estados-membros, conforme disposto em lei complementar, e que foi desde sempre a Lei Complementar 24, a cujo nascimento - eu era ainda bem jovem -, como "assessor de assessor de assessor", pude assistir e registrei uma expressão de espanto do Ministro Delfim Neto quando alguns juristas aqui de São Paulo, Antoni-no da Secretaria da Fazenda, Brokster do Rio Grande do Sul, Dantas da Bahia, disseram assim: "Não, não tem esse negócio de aprovar convênio nas Assembléias Legislativas, não, isso vai atrapalhar muito, nós vamos cair na mão dos Legislativos". E o Delfim disse assim, constitucionalista como são os paulistas: "Ué, e pode?". Afinal, São Paulo fez uma revolução em nome da República e da Federação. Pois bem, essa Lei Complementar 24 até hoje regula a competência exonerativa - ou seja, para tirar o ônus, exonerar do dever tributário. Então, vem essa segunda distorção em razão de ter sido atribuída ao Estado-membro: se...

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