Débitos Fiscais e a Recuperação Judicial de Empresas

AutorJosé Eli Salamacha
CargoAdvogado/PR Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC/PR
Páginas5-8

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1. A nova lei de falência e a recuperação de empresa

A Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

A parte relativa à recuperação judicial surgiu com a finalidade de auxiliar a recuperação dos empresários e empresas que passam por graves dificuldades econômicas e manteve parte da antiga legislação que regulava concordatas. Mesmo assim, trouxe importantes e significativas alterações nas relações entre credores e devedores, principalmente no sentido de viabilizar a recuperação da empresa.

Estudos demonstravam, na vigência do Decreto-Lei 7.661, de 1945, que das empresas que buscavam socorro na concordata judicial, somente 17% se recuperavam, enquanto as restantes 83% acabavam falindo. E o que é pior, na maioria das vezes, o valor arrecadado com a venda dos bens da falida não era suficiente sequer para pagar as dívidas trabalhistas e tributárias, e quem perdia com isso eram os demais credores, em especial a grande massa de credores quirografários.

As leis brasileiras que vieram para regulamentar a matéria sempre surgiram com o intuito de proteger, ou os credores ou os devedores, sem que houvesse uma preocupação mais profunda para preservar a empresa, que é a responsável pelos empregos e quem recolhe tributos.

Com a nova lei isso mudou. Seguindo a tendência do novo Código Civil, a preocupação principal da nova lei é a preservação da empresa, fundamentada na sua função social. No entanto, mesmo assim, no tocante à recuperação judicial ainda permanece existente um grande obstáculo ao sucesso da recuperação das empresas, em face do contido no artigo 57 na Lei 11.101/05:

"Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional."

É que a maioria das empresas que passa por dificuldades econômicas e, portanto, busca sua recuperação fundamentada na Lei 11.101/05, possui dívidas com a Fazenda, seja ela municipal, estadual ou federal. Por isso, para o devedor é praticamente inviável cumprir o disposto no artigo 57 da lei, apresentando as certidões negativas de débitos tributários.

Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional projetos de lei visando regulamentar a matéria e em breve deve surgir legislação regulamentando parcelamento de débitos fiscais em condições mais favoráveis que as atuais. No entanto, até que isso ocorra, caberá ao Poder Judiciário decidir se concede a recuperação judicial ao devedor se ele não cumprir o disposto no artigo 57 da referida lei.

Esse ponto tem sido motivo de grande debate entre os especialistas na matéria. Em nosso entender, poderá o juiz deferir a recuperação judicial para o devedor que não apresentar as certidões negativas de débitos fiscais, fundamentado nos princípios constitucionais.

2. Importância dos princípios

O sistema jurídico brasileiro é fundamentado em princípios, que introduzem valores relevantes no próprio sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica. Em razão disso, muitas vezes, são "superiores" às regras jurídicas, pois, estando no topo do ordenamento jurídico e servindo como norteadores da interpretação das leis, eles servem como forma de solucionar litígios quando não forem encontradas normas específicas para aplicação a determinado caso concreto ou mesmo em conjunto com essas normas, imprimindo-lhes determinado significado1.

Para Teresa Arruda Alvim Wambier, os princípios "desempenham, portanto, além de outros papéis, o de regras interpretativas, já que, se o ordenamento positivo, de certo modo, se cria e se estrutura a partir de princípios, a estes deve o intérprete recorrer quando extrai o sentido da regra positiva, para, com isso, dar coesão, unidade e imprimir harmonia ao sistema". E ainda: "Parecenos que princípios jurídicos são regras jurídicas no sentido lato, podendo, ou não, como observamos antes, ser positivadas"2.

No mesmo sentido, José Miguel Garcia Medina se posiciona entre aqueles que entendem que os princípios são guias utilizados pelo operador do direito para atuar, eis que servem não Page 6 somente para auxiliar o intérprete na formulação da solução correta a ser aplicada ao caso concreto, como também para integrar lacunas3.

O princípio tem caráter de norma, e uma de suas características é seu dinamismo, pois atualmente o direito encontra-se mais do que nunca em constante evolução e muitas vezes a lei é retrógrada para garantir o direito da parte, levando o juiz a buscar embasamento para sua decisão nos princípios, por serem normas jurídicas fundamentais do direito4.

Em geral, um princípio não deve ser afastado para que outro seja aplicado, cabendo ao intérprete ou aplicador do direito fazer esforço no sentido de harmonizá-los, reduzindo o alcance de cada qual. Assim, a aplicação de um princípio não exclui necessariamente a possibilidade da aplicação de outro, existindo a hipótese de que se identifiquem dois ou mais princípios colidentes para um mesmo caso.

No entanto, dependendo das características do caso, fazendo-se uma valoração, um dos princípios pode prevalecer sobre o outro, o que não impedirá que num caso futuro o princípio preterido venha a ser o aplicado, ou seja, conforme o caso concreto, um valor jurídico pode se sobrepor a outro5.

Nessas situações é que se aplica o princípio da proporcionalidade6, que serve como verdadeiro ponto de equilíbrio na aplicação dos princípios, evitando que se valorize demasiadamente um princípio em detrimento de outro e permitindo que se possam preservar os direitos fundamentais7 previstos na Constituição Federal.

3. Recuperação judicial sem CND de tributos

A utilização dos princípios como fundamento de decisões judiciais vem crescendo dia a dia. Neste sentido é que Nelson Nery Júnior nos afirma que os princípios "existem e devem ser preservados: sua incidência é que tem sofrido e deverá continuar sofrendo adaptações, dependendo do grau de desenvolvimento jurídico que os adote"8.

E exatamente neste sentido, de utilizar princípios como fundamento de decisões judiciais, que o juiz Luiz Henrique Miranda, da 1a. Vara Cível da Comarca de Ponta Grossa, Estado do Paraná, proferiu uma das primeiras decisões no país - senão a primeira -, deferindo a recuperação judicial de uma madeireira9, sem que ela tivesse apresentado as certidões negativas de débitos tributários, conforme exigência contida no artigo 57 da Lei 11.101/05.

E a decisão, muito bem fundamentada, principalmente nos princípios constitucionais, merece ser aqui reproduzida em grande parte, pois pode servir como ponto de partida para firmar entendimento jurisprudencial a respeito da necessidade ou não da apresentação obrigatória de certidões negativas de débitos tributários, para se obter o deferimento de pedido judicial de recuperação judicial, nos termos da Lei...

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