Decisão (liminar/antecipação da tutela) de ação ordinária em que se discute sobre objeção de consciência do autor à sua participação em aulas práticas com uso de animais

AutorJuiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior
Páginas345-358

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AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2007.71.00.019882-0/RS

AUTOR: RÓBER FREITAS BACHINSKI

ADVOGADO: RICARDO ATHANASIO FELINTO DE OLIVEIRA RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS

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DECISÃO (LIMINAR/ANTECIPAÇÃO DA TUTELA)

1- RELATÓRIO. Trata-se de ação ordinária em que se discute sobre objeção de consciência do autor à sua participação em aulas práticas com uso de animais nas disciplinas de Bioquímica II e Fisiologia Animal B do curso superior de Ciências Biológicas, bem como sobre requisitos prévios ao sacrifício de animais e à vivissecção em aulas práticas desse curso. A petição inicial é acompanhada de documentos (fls. 02-125), tendo sido distribuída à Vara Cível. O autor requereu a redistribuição a essa Vara Ambiental (fls. 127-128), o que foi deferido (fls. 129). Vieram os autos conclusos. É o relatório. Decido.

2- FUNDAMENTAÇÃO. Sobre a competência dessa Vara Ambiental, essa Vara Federal é competente para processar e julgar essa ação em razão das questões discutidas e da condição do réu. As questões discutidas dizem respeito com o direito ambiental e a utilização de animais em aulas práticas de curso universitário, existindo inclusive previsão de crime na Lei Ambiental relacionado a determinadas práticas (art. 32-§ 1º da Lei 9.605/98), o que atraí a competência dessa Vara especializada (Resolução TRF4ªR 54/2005). Além disso, o réu é uma autarquia federal, o que atraí a competência da Justiça Federal (art. 109-I da CF/88). Por isso, reconheço a competência dessa Vara Ambiental.

3- Sobre a assistência judiciária gratuita, defiro a assistência judiciária gratuita para a parte autora, com base no que foi alegado e provado nos autos.

4- Sobre a liminar, é necessário desde já enfrentar o pedido de antecipação de tutela formulado pelo autor porque, do contrário, haveria risco de ineficácia da medida porque algumas das providências dizem respeito com a participação do aluno em atividades didáticas desse semestre letivo, que se encontra na

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iminência de ser concluído. Logo, se o exame da liminar fosse postergado para depois da resposta do réu (60 dias), o semestre letivo já teria encerrado e o autor provavelmente já estaria reprovado nas disciplinas, vendo perecido seu direito à objeção de consciência que discute nessa ação. Não haveria mais tempo hábil para práticas alternativas às aulas práticas e o aluno provavelmente estaria impossibilidade de matricularse em outras disciplinas subseqüentes que dependessem da aprovação nas disciplinas atualmente freqüentadas. Por isso, conheço do pedido de liminar sem audiência da parte contrária.

5- Sobre o objeto da ação, naquilo que interessa ao exame da antecipação de tutela, não há dúvida que é complexo o objeto da presente ação, envolvendo um conflito entre interesses relevantes. De um lado, está o aluno, enquanto autor, que apresenta objeção de consciência à participação em determinadas atividades didáticas que envolvam práticas com sacrifício de animais vivos em duas disciplinas específicas do curso superior que freqüenta, alegando que existem alternativas àquelas práticas que deveriam lhe ser permitidas. De outro lado, está a Universidade, enquanto ré, que negou a objeção de consciência e entendeu que o aluno deve se submeter integralmente ao programa das disciplinas, inclusive realizando as aulas práticas propostas pelos professores sob pena de reprovação. É o conflito entre esses dois interesses que esse Juízo deverá resolver, buscando a solução que melhor atenda a legislação vigente e a Constituição Federal. É certo que a questão é extremamente complexa e controvertida, demandando contraditório e instrução probatória. Portanto, a presente liminar não deve ir além do que é imprescindível para assegurar o direito discutido, relegando para a sentença a apreciação de questões que podem aguardar a formação do contraditório e da instrução. Ainda que não se trate de medida cautelar mas de antecipação de tutela, esse Juízo terá em vista o caráter provisório da medida postulada, examinando

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nesse momento tão-somente o que é necessário para evitar danos graves às partes e relegando a apreciação das demais questões litigiosas para a sentença, à luz do contraditório e das provas produzidas no curso da ação.

6- Sobre o direito discutido na ação, a leitura da petição inicial e dos documentos que a instruem permite que esse Juízo identifique os valores constitucionais que estão em jogo. Não há dúvida que a figura do professor tem liberdade de atuação em sala de aula (art. 206-II da CF/88) e que as universidades gozam de autonomia didáticocientífica para definir as atividades de ensino e pesquisa (art. 207 da CF/88). Mas essa autonomia universitária encontra limite nos direitos dos alunos à liberdade de consciência (art. 5º-VI da CF/88) e convicção filosófica (art. 5º-VIII da CF/88), à vedação de tratamento discriminatório (art. 3º-IV da CF/88), ao pluralismo político (art. 1º-V da CF/

88) e, principalmente, ao pluralismo de idéias e concepções pedagógicas no ensino (art. 206-III da CF/88). No momento em que o aluno apresenta objeção de consciência contra determinada prática, cabe examinar se a mesma está protegida pelo ordenamento jurídico e merece acolhimento pelo Poder Público.

7- Ora, o autor apresentou essa objeção de consciência frente à Universidade que freqüenta, solicitando dispensa de atividades didáticas com animais em duas disciplinas, o que foi recusado pela Universidade. A conduta do aluno é elogiável porque busca discutir clara e abertamente uma questão que, embora complexa e polêmica, é muito relevante num curso que propõe trabalhar com seres vivos e compreender seus mecanismos de funcionamento, entre outras questões.

8- A questão certamente será debatida pelas partes no curso desse processo, com contraditório e instrução probatória. Entretanto, em sede de

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antecipação de tutela, esse Juízo não pode deixar de registrar que parece relevante a objeção de consciência apresentada pelo aluno porque:

(a) é um direito do aluno manter-se fiel às suas crenças e convicções, não praticando condutas que violentem sua consciência nem vendo-se privado de suas possibilidades discentes por conta disso (art. 5º-VI e VIII da CF/88);

(b) não parece que o aluno esteja tentando furtarse à "obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em...

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