Decisões judiciais e orçamento: um olhar sobre a saúde pública

AutorFabio Ferreira Mazza, Áquilas Nogueira Mendes
Páginas42-65
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
Artigos Originais / Original Articles
DECISÕES JUDICIAIS E ORÇAMENTO:
UM OLHAR SOBRE A SAÚDE PÚBLICA*
Judgments and budget: a look at the public health
Fábio Ferreira Mazza**
Áquilas Nogueira Mendes***
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo questionar o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal (STF), ao analisar os acórdãos que tratam do direito à saúde e orçamento público
em 2011. Busca-se responder à seguinte questão: durante 2011, passados mais de 20
anos da promulgação da Constituição Federal de 1988 (que institucionalizou as regras
orçamentárias em nosso país) e mais de 10 anos de vigência da Lei de Responsabilidade
Fiscal, em que medida as decisões judiciais junto às prestações de serviços de saúde
não observam as leis orçamentárias podendo, dessa forma, comprometer o orçamento
em saúde e prejudicar a concretização da política de saúde universal planejada? Para a
elaboração do artigo foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental, com base na
literatura referente ao direito fundamental social à saúde, no marco do Estado Democrático
de Direito, bem como ao fenômeno da judicialização da saúde e da institucionalização das
finanças públicas no país, a partir da Constituição de 1988. Também foram analisados
acórdãos do STF do ano de 2011, identificados por meio de pesquisa jurisprudencial,
no site do STF, com a utilização das palavras-chave “direito”; “saúde”; “orçamento”; e
“art.196”. Este artigo chama a atenção para a forma como o STF vem decidindo sobre
essas questões, além de apontar para a necessidade de mais discussão e de realização
de um estudo de maior amplitude no campo do direito à saúde e orçamento público.
Palavras-chave: Judicialização; Orçamento; Poder Judiciário; Saúde; Supremo Tribunal
Federal.
* Este artigo é parte da dissertação defendida pelo autor Fábio Ferreira Mazza para obtenção do título
de Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sob
orientação do Professor Doutor Áquilas Nogueira Mendes.
** Mestre em Saúde Pública, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; Especialista em
Direito Sanitário, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; Especialista em Direito
Público, Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia. Advogado. São Paulo/SP – Brasil.
E-mail: fabiofmazza@gmail.com
*** Professor Doutor; Livre-Docente de Economia da Saúde, Faculdade de Saúde Pública, Universidade
de São Paulo. São Paulo/SP – Brasil. E-mail: aquilasn@uol.com.br
Artigo recebido em: 10/09/2012. Revisado em: 02/01/2013. Aprovado em: 11/01/2013.
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ABSTRACT
This article aims to discuss the position of the Brazilian Supreme Court, by analyzing the
judgments related to the right to health and public budget during 2011. It seeks to answer
the following question: during the year 2011, after more than 20 years since the promulgation
of the Brazilian 1988 Constitution (which established the budget rules in our country) and
more than 10 years of the Brazilian Fiscal Responsibility Act, the extent to which judicial
decisions with the provision of health services do not meet the budget laws and may thus
jeopardize the health budget and the achievement of the planned universal health policy?
To elaborate this paper was developed bibliographical and documental research based on
the literature related to the fundamental social right to health, in the framework of the Rule
of Law, as well as the literature related to the phenomenon of the judicialization of health
and institutionalization of public finances in Brazil, after the 1988 Constitution. Supreme
Court’s decisions during the year of 2011 were also surveyed at the court’s website, using
the following keywords: “right”, “health”, “budget” and “art. 196”. This article highlights the
way Supreme Court has decided these issues and points to the need of more discussion
and investigation about the right to health and public budget.
Keywords: Judicialization, Health, Budget, Judiciary, the Supreme Court.
Introdução
A busca pela efetividade do direito à saúde, garantido constitucionalmente por
meio do Poder Judiciário, é um assunto que sempre gerou muita discussão.
Muito embora a interferência do Poder Judiciário para concretizar certos di-
reitos constitucionalmente garantidos, em específico o direito à saúde, seja
perfeitamente coerente, muitas vezes o Judiciário não observa as políticas que
envolvem o direito à saúde e não segue o planejamento orçamentário para
que ocorra a responsabilidade na gestão fiscal conforme a exigência legal da
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).(1)
Se por um lado busca-se a satisfação do direito à saúde, do direito à vida ga-
rantido constitucionalmente, por outro, há que se falar em equilíbrio e respeito
às normas orçamentárias, em especial, à LRF.
A consequência disso é que a possível não observação dessas normas por
parte do STF em suas decisões, pode inviabilizar a sustentabilidade financeira
da política de saúde, imprescindível para a concretização de tal direito.
1 BRASIL. Lei nº 101, de 4 de maio de 2000. “Estabelece normas de finanças públicas voltadas para
a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.”. Disponível em:
gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 11 jan. 2014.
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O que apresentamos para o momento é uma análise do posicionamento do STF
durante o ano de 2011 em suas decisões referentes à saúde nos acórdãos que
tratam dessa questão. Cumpre salientar que o propósito deste artigo não é uma
crítica aos resultados das decisões do STF e sim uma análise de como esta corte
atuou no ano de 2011, no que se refere ao direito à saúde e orçamento público.
O artigo em questão serve como um alerta para que nos atentemos para a forma
em que o STF recepcionou e poderá recepcionar, no futuro, temas dessa ordem.
Para tanto, o presente artigo está organizado em três tópicos: (i) contextualização
da questão da judicialização da saúde e do processo orçamentário; (ii) teoria
da reserva do possível; e (iii) o STF e o direito à saúde.
I. Contextualização da judicialização da saúde e do processo orçamentário
A Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”,
inaugura um novo cenário político no Brasil ao consolidar o Estado Democráti-
co de Direito e definir políticas de proteção social, incluindo a saúde como um
direito social de cidadania.(2)
A República Federativa do Brasil, além de ser um Estado Democrático de Di-
reito, também apresenta alguns fundamentos, conforme descrito no artigo 1°
do texto Constitucional,(3) sendo que a dignidade da pessoa humana é o ponto
central, o núcleo essencial dos direitos fundamentais. É a partir desse princípio
que os direitos fundamentais se irradiam, sendo que o Poder Legislativo, Exe-
cutivo e Judiciário, devem realizar os direitos fundamentais na maior extensão
possível, tendo como limite mínimo o núcleo essencial destes direitos. O Estado
constitucional de direito gravita em torno da dignidade da pessoa humana e da
centralidade dos direitos fundamentais.(4)
Nesse sentido, os homens passaram da situação de sujeitos para a de cida-
dãos, através da introdução da democracia; não há cidadãos sem democracia.
O cidadão não apareceu de um momento para o outro; foi por meio da gênese
do modelo democrático que o indivíduo passou a ser o centro da sociedade.
2 BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria et al. Responsabilidade do Estado e Direito à Saúde no Brasil:
Um Balanço da Atuação dos Poderes. Revista Ciência & Saúde coletiva, São Paulo, v. 13, n. 3, p.
829-839, 2009.
3 Art 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a
soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988. Disponível em:
htm>. Acesso em: 11 jan. 2014.
4 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: SARMENTO,
Daniel; NETO, Cláudio Pereira de Souza (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e
direitos sociais em espécie. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 875-903.
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Assim, cada homem tem uma identidade, irredutível àquela que pertence aos
outros, sendo que o direito deve reconhecê-la e protegê-la.(5)
Dessa forma, a consolidação constitucional de uma ampla gama de direitos, bem
como a democratização no acesso à justiça – no que diz respeito à cidadania
– estimularam uma extraordinária procura por soluções judiciais.(6)
Essa busca pela efetivação dos direitos garantidos constitucionalmente e
não efetivados causa alguns problemas, por exemplo, o comprometimento
do orçamento público em face das decisões judiciais na saúde e, até mesmo,
a não efetivação das garantias dispostas no texto constitucional. O excesso
de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, na tentativa de
se efetivarem as garantias constitucionais do direito à saúde, acaba muitas
vezes impedindo a realização prática do texto constitucional. Observa-se a
concessão de direitos e garantias a alguns jurisdicionados em detrimento de
outros que continuam dependentes das políticas universalistas implementa-
das pelo Poder Executivo.(7)
1. O direito fundamental social à saúde na Constituição Federal de 1988
Os direitos fundamentais e as noções de Constituição e Estado de Direito são
indissociáveis. Na órbita dos direitos sociais, a Constituição Federal de 1988
afirmou a existência destes como sendo direitos fundamentais, constitucional-
mente reconhecidos, dentre os quais se encontra o direito à saúde.
Nesse sentido, o direito à saúde, no que tange aos fundamentos e objetivos
principais de nossa Constituição, não pode deixar de ser considerado um
direito fundamental do indivíduo. Em nosso texto constitucional, a saúde está
descrita no artigo 196(8) e está presente ainda em diversos outros artigos de
nossa Carta Magna, como, por exemplo, no artigo 6°,(9) que disciplina a saúde
como um direito social.
5 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 1-8.
6 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e Arena Pública: Um Olhar a Partir da Ciência Política. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
7 BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 875-903.
8 Art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”. BRASIL. Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, cit.
9 Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, cit.
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Assim, “o direito à saúde passa a ser um direito que exige do Estado prestações
positivas no sentido de garantia/efetividade do direito à saúde, sob pena de
ineficácia de tal direito”.(10)
É importante ressaltar que os direitos fundamentais (dos quais a saúde faz
parte) são universais, ainda que o princípio da universalidade não esteja
explicitado diretamente em nosso texto constitucional. Ocorre que o princí-
pio da universalidade se encontra vinculado ao princípio da igualdade – são
princípios conexos.
A saúde, portanto, é um direito fundamental social de caráter universal. Nesse
sentido, as políticas de saúde devem garantir de forma universal e igualitária o
acesso às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação de todos,
além de serem formuladas e executadas com ampla participação da comunidade,
conforme explicitado nos artigos 196 e 198(11) da Constituição Federal.
Entretanto, muitas vezes as políticas de saúde não conseguem contemplar
de forma universal e igualitária a todos, fazendo com que ocorra uma busca
pelo Poder Judiciário no intuito de garantir a efetivação do direito à saúde.
O Poder Judiciário, por sua vez, não pode deixar de apreciar as demandas
judiciais que lhe são apresentadas, tendo que apresentar uma solução para
cada caso em específico.(12)
Essa busca pela efetividade do direito à saúde por meio do Poder Judiciário
exprime o exercício democrático de cidadania assegurado pela Constituição e
permite a busca da efetividade dos direitos inerentes a ela.
O Poder Judiciário não pode deixar de tutelar direitos fundamentais, que de-
pendem de sua atuação para serem efetivados, mas também não pode ser o
centro de realização e implementação de políticas, promovendo os direitos de
uns e causando grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.(13)
1.1 A saúde como direito individual e coletivo
Demonstrado ser a saúde um direito fundamental social, resta apontar uma
questão não menos importante: o problema da exigibilidade individual e coletiva
desse direito.
10 KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo. Direitos fundamentais, direito à saúde e papel do executivo,
legislativo e judiciário: fundamentos de direito constitucional e administrativo. In: KEINERT, Tânia
Margarete Mezzomo et. al., (Orgs.). As ações judiciais no SUS e sua promoção do direito à saúde.
São Paulo: Instituto de Saúde, 2009. p. 91.
11 Art. 198. “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada
e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) III -
participação da comunidade.”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cit.
13 BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 875-903.
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Há quem questione a individualidade dos direitos sociais como argumento para
se reduzirem as demandas judiciais, a chamada judicialização das políticas
públicas. No entanto, não se trata de uma opção preferencial pela exigibilidade
individual dos direitos sociais perante o Poder Judiciário, mas sim de se otimizar
a proteção e a efetivação dos direitos constitucionalmente garantidos. Nesse
sentido, a exigibilidade coletiva desses direitos através de uma tutela coletiva,
alargando assim a proteção judicial e a própria efetividade dos direitos sociais
para um número maior de pessoas seria o mais adequado.
Nesse sentido, Dalmo Dallari:
Outro ponto importante a ser considerado, na tomada de decisões
políticas, é a conciliação entre as necessidades dos indivíduos
e as da coletividade. Reconhecendo o indivíduo como o valor
mais alto, em função do qual existem a sociedade e o Estado,
pode parecer natural dar-se preferência, invariavelmente, às ne-
cessidades individuais. É preciso ter em conta, no entanto, que
o indivíduo não existe isolado e que a coletividade é a soma dos
indivíduos. Assim, não se há de anular o indivíduo dando prece-
dência sistemática à coletividade, mas também será inadequada
a preponderância automática do individual, pois ela poderá levar
à satisfação de um indivíduo ou de apenas alguns, em detrimento
das necessidades de muitos ou de quase todos, externadas sob
a forma de interesse coletivo.(14)
Os direitos sociais são ao mesmo tempo individuais e coletivos, não podendo
o individualismo ferir a coletividade e vice-versa. Os direitos sociais, na medida
em que estão preocupados com o indivíduo como pessoa, se importam com a
relação da pessoa e a comunidade. Portanto, nos direitos coletivos, o que se
destaca é a ideia de grupo social, com a coletividade assumindo a titularidade
de sujeito do direito fundamental. Dessa forma, os direitos sociais apresentam
uma dualidade dimensional, são individuais e também coletivos, por protegerem
bens jurídicos cuja incidência é simultaneamente individualizada e coletiva.
Entretanto, se conflitos houver entre direitos ou garantias fundamentais, deverá
o judiciário utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização,
equilibrando os bens jurídicos conflitantes e evitando o prejuízo de uns em rela-
ção aos outros; reduzindo assim a proporção do alcance de cada qual, buscando
o verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com
sua finalidade principal.(15)
No caso da saúde, o STF convocou em março de 2009 a realização de uma
audiência pública para esclarecer questões presentes nas decisões judiciais
que envolvessem esse assunto. Nessa audiência, foi chamada a atenção para
14 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 131.
15 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
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a amplitude e importância do tema, visto que toda sociedade, de certa forma,
é afetada pelas decisões que buscam a efetividade do direito à saúde. No con-
texto brasileiro, com o aumento da expectativa de vida, expansão dos recursos
terapêuticos, multiplicação das doenças e recursos escassos, as discussões
que envolvem a saúde representam um dos principais desafios à efetividade
dos direitos fundamentais.(16)
Na argumentação desenvolvida pelo STF em diversos julgados,(17) percebe-se
a coexistência tanto individual quanto coletiva do direito à saúde, a depender
da relação jurídica em questão. Quanto a sua dimensão individual, a proteção
da saúde não pode ser aplicada a todos sem qualquer distinção. É preciso que
se faça a observação das necessidades individuais e das peculiaridades do
caso concreto. Nessa situação, a saúde deve ser relacionada às característi-
cas (físicas, psicológicas e genéticas) de cada indivíduo e ao ambiente (social,
político ou econômico) em que ele está inserido. Mas, além dessa perspectiva,
deve ser considerada outra que convive com aquela e guarda relação com o
princípio isonômico: a perspectiva comunitária desse direito.(18)
O desafio de harmonizar essas duas perspectivas, sem que ocorra a supressão
de alguma delas, diz respeito ao perigo de que o exercício individual possa
acarretar dano ou impossibilitar o exercício coletivo. Assim, o juiz do Estado
Democrático de Direito tem o dever de identificar, conforme cada caso, onde se
encontra o abuso por um dos que reivindicam para si o exercício de um direito.(19)
O STF ainda tem entendido, em grande parte de seus julgados, que o direito à saú-
de é um direito individual e que pode ser gozado diretamente por cada indivíduo.
No entanto, aceitar que somente uma única pessoa ou um determinado grupo
tenha direito à saúde pelo fato de tê-lo alcançado por vias jurídicas (determi-
nando assim que o Estado despenda milhões de reais em seu tratamento), não
implementa o direito social à saúde conforme descrito na Constituição.
Ao contrário, agindo assim atribui-se o requerido direito somente aos que tive-
ram acesso ao Poder Judiciário e àquela decisão. Nesse caso, confunde-se o
sentido de direito social, tratando-o somente de forma individual ou coletiva, e
16 MORAES, Polyana Santana. Direito à saúde: o problema da eficácia das normas constitucionais e
da exigibilidade judicial dos direitos sociais. Caderno Virtual, Instituto Brasiliense de Direito Público,
São Paulo, v. 24, n. 1, jul./dez. 2011.
17 “Cf., em caráter ilustrativo, a decisão na suspensão de tutela antecipada 268-9, Rio Grande do Sul,
Rel. Min. Gilmar Mendes, proferida em 22.10.2008, orientação recentemente confirmada em outros
julgados, tais como se verifica no caso da decisão monocrática proferida pelo Presidente do STF,
Min. Gilmar Mendes, na STA n° 175, 18.09.2009” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos
fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev.
atual. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010. p. 215).
18 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit.
19 MORAES, Polyana Santana. op. cit.
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não pelo conjunto dos cidadãos que dele necessitem; “aprisiona-se o interesse
social e concede-se realce ao direito individual”.(20)
1.2 O campo das finanças públicas e a judicialização da saúde
As leis orçamentárias são normas que condicionam o planejamento estatal como
um todo, determinando despesas e receitas necessárias ao funcionamento do
Estado e também a promoção de direitos que acabam por envolver as mais
diversas formas de política pública.(21)
O orçamento público, classicamente, sempre foi tido como um documento
contábil que continha a previsão e a autorização das receitas e despesas,
respectivamente, a serem realizadas pelo Estado; o objetivo de uma forma
geral era manter o equilíbrio financeiro e evitar a expansão dos gastos. Após
o surgimento do Estado de bem-estar social,(22) esse caráter de neutralidade
foi abandonado pelo orçamento público, que se tornou um instrumento da ad-
ministração pública com o objetivo de auxiliar o Estado nas várias etapas do
processo administrativo: programação, execução e controle. É importante frisar
que a concepção moderna de orçamento está intrinsicamente relacionada à
noção de políticas públicas, pois é a partir do estado social que, por meio das
políticas públicas e orçamento, surge a intervenção positiva do poder público
na ordem socioeconômica.(23)
No Brasil, o marco normativo do orçamento público encontra-se originalmente na
Lei no 4.320/64,(24) editada como lei ordinária e recepcionada pela Constituição
Federal de 1988 (CF/88) como lei complementar, não podendo, portanto, ser al-
terada por lei ordinária ou medida provisória. Ocorre que somente após a CF/88
é que a estrutura orçamentária adquiriu sua plenitude, por meio do processo de
reforma do Estado Brasileiro que marcou a década de 1990, em especial a série
de inovações introduzidas no planejamento e orçamento público, que acabaram
por contribuir para a cumplicidade entre o processo orçamentário e o planejamento.
20 SCAFF, Fernando Facury. Sentenças aditivas, direitos sociais e reserva do possível. In: SARLET,
Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do
possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livr. Advogado, 2010. p. 146.
21 VASCONCELOS, Natália Pires de. O Supremo Tribunal Federal e o orçamento: uma análise
do controle concentrado de leis orçamentárias. Monografia – (Conclusão de Curso) - Escola de
Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2010. p. 6 e ss.
22 O estado de bem-estar social substituiu o antigo paradigma do estado liberal, especialmente a partir
da Constituição Alemã de 1919, conhecida como Constituição de Weimar, nascendo com ele as
obrigações ou prestações positivas para o Estado.
23 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da reserva do possível: direitos fundamentais a prestações e
a intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de
Direito Público, Belo Horizonte, v. 5, n. 18, p. 169-170, jul./set. 2007.
24 BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. “Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para
elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do
Distrito Federal.”. Disponível em: . Acesso
em: 11 jan. 2014.
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Nesse sentido, o orçamento é peça chave ao Estado. Nele restam concretizadas,
em números, as escolhas políticas que pretendem a consecução da vontade
popular, ao atendimento às diversas necessidades sociais, com a finalidade de
promover os objetivos de uma Constituição vasta e minuciosa.(25)
O processo e organização orçamentários como um todo, entre outras coisas, im-
porta na concretização dos interesses sociais, políticos e econômicos, individuais
ou coletivos. Nesse aspecto, a elaboração e previsão orçamentárias podem ser
consideradas mais do que mera relação de receitas e despesas, pois se determi-
nam as prioridades e as necessidades públicas a serem supridas ou suprimidas.
A lógica de trabalhar com os recursos de forma planejada ocorre desde a CF/88, que
em seu artigo 165 estabeleceu um sistema coordenado por três normas jurídicas: o
Plano Plurianual (PPA),(26) a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)(27) e a Lei Orça-
mentária Anual (LOA).(28) Posteriormente, com o advento da LRF, foram reforçadas
as atribuições e conexões entre esses instrumentos já trazidos pela CF/88, sendo
que a LRF estabeleceu especificamente o conteúdo da LDO e obrigou a interação
dos instrumentos de planejamento e orçamento – PPA, LDO e LOA.
Essas normas são verdadeiros instrumentos preventivos e aplicadores de políticas
públicas, pois agem definindo e quantificando ações administrativas, metas e
prioridades a serem realizadas; e também por servirem de parâmetro no controle
da gestão pública em relação ao planejamento traçado e às prioridades definidas.
Acerca do PPA, podemos dizer que é um instrumento elaborado no primeiro
ano do exercício para os quatro anos do mandato, ou seja, terá vigência para
os três últimos anos de mandato do governo que o elaborou e também para o
25 VASCONCELOS, Natália Pires de. op. cit., p. 6 e ss.
26 “É o planejamento das ações do governo para um período de quatro anos. Deve ser enviado
pelo Executivo ao Congresso até o dia 31 de agosto. O PPA é encaminhado pelo presidente da
República no primeiro ano do governo e corresponde ao período que vai do segundo ano de sua
administração até o primeiro ano do mandato de seu sucessor.” SENADO FEDERAL. Portal de
Notícias. Glossário Legislativo. Disponível em:
legislativo/plano-plurianual-ppa>. Acesso em: 11 jan. 2014.
27 “Estabelece diretrizes para a confecção da Lei Orçamentária Anual (LOA), contendo metas e
prioridades do governo federal, despesas de capital para o exercício financeiro seguinte, alterações
na legislação tributária e política de aplicação nas agências financeiras de fomento. Também fixa
limites para os orçamentos do Legislativo, Judiciário e Ministério Público e dispõe sobre gastos com
pessoal e política fiscal, entre outros temas. Tem que ser enviada pelo Executivo ao Congresso
até 15 de abril e aprovada pelo Legislativo até 30 de junho. Se não for aprovada nesse período,
o Congresso não pode ter recesso em julho.” SENADO FEDERAL. Portal de Notícias. Glossário
Legislativo. Disponível em:
diretrizes-orcamentarias-ldo>. Acesso em: 11 jan. 2014.
28 “É o orçamento anual enviado pelo Executivo ao Congresso que estima a receita e fixa a despesa
do exercício financeiro, ou seja, aponta como o governo vai arrecadar e gastar os recursos públicos.
Contém os orçamentos fiscal, da seguridade social e de investimento das estatais. O projeto de lei
que trata do orçamento anual deve ser enviado pelo Executivo ao Congresso até o dia 31 de agosto.
Pode ser aprovado até dezembro, mas essa prática não é obrigatória.” SENADO FEDERAL. Portal
de Notícias. Glossário Legislativo. Disponível em:
legislativo/lei-orcamentaria-anual-loa>. Acesso em: 11 jan. 2014.
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primeiro ano do próximo governo. É o principal documento legislativo em ma-
téria de planejamento da ação governamental, estabelecendo as diretrizes, os
objetivos e as metas da administração pública para as despesas de capital e
outras delas decorrentes, bem como as despesas relativas aos programas de
ação continuada. É a verdadeira síntese do planejamento e serve de orientação
aos demais planos, aos programas de governo, e ainda orienta o orçamento
anual.(29) É o que nos ensina José Maurício Conti, ao dizer que:
O PPA direciona-se às despesas de relevância no longo prazo e são importantes (sic)
para definir os rumos da administração pública no futuro. Baliza os planos e progra-
mas nacionais, regionais e setoriais, exercendo papel fundamental no planejamento
das políticas públicas que visem reduzir as desigualdades sociais e regionais, em
cumprimento a um dos objetivos fundamentais previstos no artigo 3° da CF/88.(30)
Sobre a LDO, Leni Lucia Leal Nobre afirma que trata-se do “instrumento in-
termediário entre o PPA e a LOA. A LDO subsidia a Lei do Orçamento Anual
– LOA que, como um plano de trabalho, expressa o conjunto de ações a serem
realizadas e a indicação dos recursos correspondentes para a sua execução”.(31)
Ainda, com base na previsão da arrecadação, a LDO estabelece as metas, as
prioridades de gastos, as normas e os parâmetros que vão orientar a elabora-
ção da LOA para o exercício seguinte. Obrigatoriamente a LDO deve conter os
anexos de metas e riscos fiscais, além de vir acompanhada também de anexo
que contenha os objetivos das políticas monetária, creditícia e cambial, bem
como as metas de inflação, sendo tais informações imprescindíveis para adequar
a execução orçamentária ao que foi estabelecido na lei orçamentária anual.
Por fim e não menos importante, a LOA possui um fundamental papel no plane-
jamento da ação governamental. É por meio da LOA que se cria um mecanismo
que obriga o administrador público a prever com antecedência o que pretende
realizar, uma vez que os orçamentos ficam vinculados ao planejamento das
atividades governamentais e se consubstanciam em um documento. Assim, a
destinação dos recursos passa a ser autorizada tão somente para o cumprimento
dos objetivos pretendidos, tornando o planejamento inevitável.(32)
Deve-se observar a lógica sequencial exigida para a construção desses ins-
trumentos: em primeiro, o PPA; em seguida, a LDO; sendo por último a LOA.
Todos eles (PPA, LDO e LOA) devem ser precedidos do Plano de Governo, em
29 NOBRE, Leni Lucia Leal. Análise dos Julgamentos do Tribunal de Contas dos Municípios do
Estado do Ceará: um olhar sobre a prestação de contas dos sistemas municipais de saúde. Tese
de Doutorado em Saúde Pública. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São
Paulo: 2010, p. 61.
30 CONTI, José Maurício. Planejamento e responsabilidade fiscal. In: SCAFF, Fernando F.; CONTI,
José Maurício (Cords.). Lei de Responsabilidade Fiscal: 10 anos de vigência – questões atuais. São
José (SC): Conceito Editorial – IBDF, 2010. p. 45.
31 NOBRE, Leni Lucia Leal. op. cit., p. 62.
32 CONTI, José Maurício. op. cit., p. 47-48.
52 Fábio F. Mazza/ Áquilas N. Mendes
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
que estão dispostas as diretrizes do governo eleito.(33) Nesse sistema, deverá
haver harmonia entre os planos e programas governamentais e o PPA, conforme
artigo 165, parágrafo 4° da CF/88, e a LDO deverá estar em harmonia com o
PPA, de acordo com o artigo 166, parágrafo 4° da CF/88.(34)
Em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), esta também deve ser ob-
servada pelo Poder Judiciário quando da tomada de suas decisões. A LRF, dentre
seus princípios, estabelece o princípio do equilíbrio entre receitas e despesas,
traduzido em equilíbrio das contas públicas, além da necessidade de correlação
entre receita e despesas na lei de diretrizes orçamentárias.
A Lei no 4.320/64, legislação com status de lei complementar que regulamenta
a elaboração do orçamento público, já mencionava o equilíbrio entre despesa e
receita. Porém, essa norma possui um conteúdo diferente ao da LRF ao estabele-
cer o equilíbrio como meta, na medida em que tal fosse possível, diferentemente
do conteúdo vinculante da disposição na LRF e cujo descumprimento implica
em sanção de natureza penal e institucional.
Ainda, a LRF especifica regras das já existentes leis orçamentárias (PPA, LDO e
LOA) limitando dessa forma a liberdade de utilização de verbas orçamentárias e
fazendo com que o gestor considere as prioridades impostas, engessando assim
as possibilidades de atuação deste diante das demandas que são apresentadas
por meio de ordens judiciais, conforme preveem os artigos 16 e 17 da LRF.
Assim, as inovações orçamentárias trazidas a partir da década de 1990 permi-
tiram maior cumplicidade entre o planejamento e o processo orçamentário. A
Constituição Federal de 1988 instituiu o PPA, a LDO e a LOA, instrumentos que,
juntamente com a LRF, devem ser observados pelos governantes no tocante à
realização de políticas públicas, uma vez que estes devem elaborar um plane-
jamento orçamentário para a concretização de tais políticas.
Na área da saúde não poderia ser diferente, conforme nos ensina Áquilas Mendes:
o gasto em saúde deve estar ligado ao planejamento, como um
instrumento que baliza o orçamento. Se o gasto é caracterizado
por um dispêndio de recursos, representado por uma saída de
recursos financeiros, esse só pode ser viabilizado se estiver em
acordo com o que foi planejado e orçado. É importante assinalar
que nenhum gasto deverá ser realizado sem que haja disponi-
bilidade de recursos orçamentários e financeiros. Para tanto, é
importante que se resgate o planejamento como primeira função
da gestão orçamentário-financeira.(35)
33 MENDES, Áquilas. A busca da cumplicidade entre o planejamento e o processo orçamentário na
saúde paulistana. In: MENDES Áquilas; SOUZA, Maria de Fátima de (Orgs.). Tempos radicais da
saúde em São Paulo: a construção do SUS na maior cidade brasileira. São Paulo: Hucitec, 2003. p.
116-117.
34 MÂNICA, Fernando Borges. op. cit., p. 171.
35 MENDES, Áquilas. op. cit., p. 115.
53
Decisões judiciais e orçamento: um olhar sobre a saúde pública
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
A possibilidade de se efetuarem gastos em saúde sem antes haver uma relação
com o seu programa é inexistente; a LRF obriga a interação dos instrumentos
de planejamento e orçamento – PPA, LDO e LOA, que são leis e determinam
financeiramente, através da alocação de recursos públicos, as ações prioritárias
para o atendimento das demandas da sociedade.(36)
Corrobora com esse entendimento Regis Oliveira, para quem: “há que se
ponderar que os recursos são finitos, devendo haver uma escolha política do
executor e do legislador na fixação de prioridades”.(37)
Ainda nesse sentido, Ingo Sarlet afirma, em relação aos “direitos sociais a
prestações”:
seu custo assume especial relevância no âmbito de sua
eficácia e efetivação, significando, pelo menos para signi-
ficativa parcela da doutrina, que a efetiva realização das
prestações reclamadas não é possível sem que se despenda
algum recurso, dependendo, em última análise, da conjuntura
econômica, já que aqui está em causa a possibilidade de os
órgãos jurisdicionais imporem ao poder público a satisfação
das prestações reclamadas.(38)
Ocorre que os juízes não observam e não consideram, muitas vezes, as políti-
cas que envolvem o direito à saúde. Ficam restritos somente a uma leitura do
ordenamento jurídico sem observarem o planejamento orçamentário, conforme
estabelece a exigência legal da LRF, inviabilizando dessa forma a sustentabili-
dade financeira da política de saúde; devido à incompatibilidade entre a decisão
do Poder Judiciário e o campo normativo das finanças públicas – exigência a
ser cumprida pelo Poder Executivo.
Nota-se que, mesmo a decisão judicial sendo direcionada à concretização do
direito fundamental social à saúde, ela não considera a complexidade dos critérios
normativos legais e a possibilidade da execução por meio dos recursos alocados
no orçamento. Dessa forma, o administrador público fica vinculado ao ordenamento
orçamentário, passivo de ser punido conforme tipificado na Lei de Crimes Fiscais,
caso ocorra a ordenação de despesas não previstas em lei. Poderá ser punido
ainda por crime de responsabilidade fiscal (Leis n° 1.079/50(39) e 10.028/00),(40) por
36 MENDES, Áquilas. op. cit., p. 109-122.
37 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2011. p. 479.
38 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 285.
39 BRASIL. Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950. “Define os crimes de responsabilidade e regula
o respectivo processo de julgamento.”. Disponível em:
L1079.htm>. Acesso em: 11 jan. 2014.
de fevereiro de 1967.”. Disponível em: .
Acesso em: 11 jan. 2014.
54 Fábio F. Mazza/ Áquilas N. Mendes
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
infringir dispositivo orçamentário ao realizar despesa não prevista ou em montante
superior ao previsto no orçamento.(41)
As decisões ou liminares judiciais podem levar o administrador público a estar
entre o desacato de uma decisão judicial e o cometimento de crime de respon-
sabilidade ou crime contra a administração pública.(42)
É importante mencionar ainda, que ocorrem impactos orçamentários gerados
com a realocação de recursos para que as decisões judiciais sejam cumpridas,
prejudicando assim quem se beneficiaria desses recursos e também as políticas
públicas da pasta saúde; e, até mesmo, de outras pastas.
Outrossim, essa bilateralidade de efeitos jurisdicionais, em que se ganha por
um lado e se perde por outro, advém do fato de que são escassos os recursos
e muitas são as necessidades.(43) O Poder Judiciário deve basear-se em alguns
parâmetros e na exata noção das consequências de suas decisões, tendo em
vista que, de uma forma ou outra, suas decisões implicarão no orçamento públi-
co, causando impacto, exigindo realocação forçada de recursos e prejudicando
quem se beneficiaria originalmente destes recursos do Estado.
Para exemplificar, Ana Carla Bliacheriene e Guilherme Mendes nos dizem:
houve uma explosão de questionamentos sociais que se ma-
nifestaram pela via judicial, inclusive os relativos à saúde, sem
que houvesse institucionalizado os instrumentos orçamentários
adequados ao seu atendimento. Na prática, muitos municípios do
país não se veem em condições de atender às demandas judiciais
sem causar sérios prejuízos ao fornecimento de atenção básica
a todo o resto da população.
(...)
A frase preocupante que já tivemos a oportunidade de ouvir de
juízes, em situações distintas ao tratar do tema, “dane-se o or-
çamento”, demonstra o rumo de subdesenvolvimento e falta de
seriedade que o judiciário pode imprimir às contas públicas, sem
as devidas alterações estruturais, se houver uma imposição de
despesas em grande escala no setor da saúde ou qualquer outro
setor que contenha demandas sociais reprimidas.(44)
41 RIBEIRO, Renato Jorge Brown; CASTRO, Róbison Gonçalves de. O direito à saúde e o orçamento
público: a busca de um equilíbrio estável. In: BLIACHERIENE, Ana Carla; SANTOS, José Sebastião
dos (Org.). Direito à vida e à saúde: impactos orçamentário e judicial. São Paulo: Atlas, 2010. p. 16-26.
42 Id. Ibid.
43 SABINO, Marco Antonio da Costa. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucionais e
institucionais: o caso da saúde. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coords.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. p. 353-386.
44 BLIACHERIENE, Ana Carla; MENDES, Guilherme Adolfo dos Santos. Lei de Responsabilidade
Fiscal e os limites da vinculação e da discricionariedade da execução da dotação orçamentária:
o impacto das liminares judiciais relativas à saúde para o orçamento dos municípios. In:
BLIACHERIENE, Ana Carla; SANTOS, José Sebastião dos (Orgs.). Direito à vida e à saúde:
impactos orçamentário e judicial. São Paulo: Atlas, 2010. p. 20-25.
55
Decisões judiciais e orçamento: um olhar sobre a saúde pública
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
O excerto acima demonstra bem a maneira com que os tribunais colocam-se pe-
rante as questões relativas ao direito à saúde. O Poder Judiciário, em sua vontade
de cumprir integralmente as normas dispostas na CF/88, acaba por implementar
diretamente o direito à saúde conforme previsto no artigo 196 da Constituição,
fazendo de forma individual o que deveria ser feito por políticas públicas.
Outros julgados(45) também seguem esse raciocínio, acreditando que as questões
relativas às finanças públicas são irrelevantes. O Poder Judiciário esquece de
que os recursos são finitos e de que a sociedade é quem paga por tais recursos,
por meio da carga tributária.
A proteção e garantia dos direitos sociais necessitam de recursos para que sejam
efetivadas. Diante da escassez de recursos orçamentários e da impossibilidade
de efetivação de todos os direitos sociais fundamentais ao mesmo tempo, como
forma de restringir a intervenção do Poder Judiciário em caráter absoluto, um
argumento é invocado: a reserva do possível.(46)
II. A teoria da reserva do possível
O Estado possui muitas atribuições positivas, sendo necessário planejar os
gastos e condicioná-los a recursos obtidos direta ou indiretamente da população.
A política pública, ao condicionar os recursos que são escassos, acaba por
determinar que se façam escolhas trágicas quanto a sua aplicação, programas
e prioridades, gerando assim certo distanciamento muitas vezes conflituoso,
entre a sociedade e os objetivos constitucionais.
A reserva do possível foi uma prática jurídica alemã importada e perfeitamente
adequada à realidade brasileira a partir da década de 1990, sendo invocada como
um limite fático e intransponível diante de uma alegada escassez de recursos.(47)
A limitação de recursos públicos no Brasil é um fato a ser considerado, sendo
exagerado defender a ideia de que o Estado possa conceder para qualquer
pessoa toda e qualquer prestação na área da saúde, situação que não existe
nem mesmo em países de melhor condição econômica. O direito à saúde deve
ser garantido através de políticas públicas que assegurem o acesso universal
e igualitário aos seus serviços e ações, conforme disposto no artigo 196 da
Constituição, observados critérios racionais de aplicação.(48)
Ao tratar de tema semelhante, uma importante reflexão é trazida por Daniel
Wang, ao dizer que:
45 STJ: AgReg na MC 11.805/RJ e RMS 23.184/RS.
46 MÂNICA, Fernando Borges. op. cit., p. 179.
47 OLSEN apud MORAES, Polyana Santana. op. cit., p. 29.
48 LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Direito à saúde e critérios de aplicação. In: SARLET, Ingo
Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”.
2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.
56 Fábio F. Mazza/ Áquilas N. Mendes
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
Argumentar o contrário seria defender que o sistema público
de saúde no Brasil pode dispor para todos os seus cidadãos
todos os melhores tratamentos para todos os problemas de
saúde existentes, o que é irreal até mesmo para os países
mais desenvolvidos. Apenas a título de exemplo, Fabíola Vieira
e Octávio Ferraz calcularam que se o sistema público de saú-
de oferecesse os tratamentos mais recentes disponíveis no
mercado para todos os portadores de hepatite viral crônica C e
artrite reumatoide, que juntamente atingem 1% da população,
isso teria como custo R$ 99,5 bilhões, o que seria superior ao
gasto total de todas as esferas de governo com o conjunto de
ações e serviços de saúde.(49)
Nesse sentido, Fernando Scaff
(50) nos ensina que a lei orçamentária é quem
determina como serão feitos os gastos públicos, inclusive no que diz respeito
aos direitos sociais, portanto, não adianta falar em direitos sem considerar os
recursos financeiros do Estado para realizá-los.
A reserva do possível, quando trazida como insuficiência de recursos, deve
ser entendida no sentido de que as necessidades são ilimitadas e os recursos
escassos, havendo de ser observada na formulação de políticas públicas e em
decisões judiciais.
De outro lado, sua interpretação também tem sido no sentido de limitar a efeti-
vação de direitos sociais diante da incapacidade jurídica do Estado em dispor
de recursos para a efetivação do direito. Se não há previsão orçamentária espe-
cífica, a intervenção judicial fica comprometida. Mas esse último entendimento
não prospera na jurisprudência dos tribunais, os quais já chegaram inclusive
a bloquear recursos públicos em face do descumprimento de ordem judicial
anterior, que determinava o fornecimento de medicamentos.(51)
Assim, a reserva do possível deve ser entendida sob o prisma da razoabilidade
da reinvindicação de efetivação de um direito social, ou seja, as pretensões
devem ser analisadas pelo Poder Judiciário mediante a ponderação de bens,
com base no critério da proporcionalidade.(52)
Nesse sentido, aduz Fernando Mânica:
Nesse processo de ponderação, a racionalidade econômica
– traduzida como limitação de recursos e de capacidade de
disposição dos mesmos – incorpora-se à racionalidade do juiz,
49 WANG, Daniel Wei Liang. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas
aproximações. (Resenha). Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 308-318, mar./jul.
2009.
50 SCAFF, Fernando F. Os direitos sociais na Constituição Brasileira. In: SCAFF, Fernando F.;
ROMBOLI, Roberto; REVENGA, Miguel (Coords.). A eficácia dos direitos sociais. São Paulo:
Quarter Latin, 2010. p. 22 e ss.
51 STJ, Resp n. 874.630/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 21.09.06.
52 MÂNICA, Fernando Borges. op. cit., p. 182 e ss.
57
Decisões judiciais e orçamento: um olhar sobre a saúde pública
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
de modo a compor mais um elemento para determinação da pro-
porcionalidade. Desse modo a ponderação deve levar em conta
o pressuposto econômico de que as necessidades são limitadas
e de que os recursos são escassos e a preocupação acerca do
impacto econômico e social das decisões.(53)
Significa então que de um lado temos o reconhecimento da inexistência de su-
premacia absoluta dos direitos fundamentais e, de outro, a inexistência efetiva
de recursos e ausência de previsão orçamentária, sendo que estes últimos são
elementos não absolutos a serem levados em conta no processo de ponderação
por meio do qual a decisão judicial tomará forma. Dessa forma o custo para a
efetivação de um direito fundamental não pode servir de obstáculo intransponível
para sua efetivação, mas deve ser levado em conta no processo de ponderação,
assim como a natureza de providência judicial almejada, principalmente no que
se refere a sua necessidade, adequação e proporcionalidade específica para
proteção do direito invocado.(54)
Há portanto a real importância de haver um planejamento orçamentário
antes de se iniciar qualquer política pública de saúde. Nesse contexto, os
“imprevistos” causados pelas decisões judiciais colocam em risco todo o
planejamento orçamentário já definido para a realização das políticas de
saúde, além de inviabilizarem a realização destas. Ainda sobre esse tema,
diz-nos Daniel Wang:
Além do mais, é preciso olhar não só para quem ganha, mas tam-
bém para quem perde com determinada forma de alocar recursos.
Luiz Roberto Barradas Barata, então Secretário de Saúde do
Estado de São Paulo em 2005, afirmou que a geração de gastos
não previstos no orçamento, pelo Poder Judiciário, obrigava-o
a, entre outras coisas, deixar de incrementar o Programa de
Saúde da Família, uma política voltada para atenção básica da
população mais carente. Ainda que essa afirmação seja de difícil
comprovação, não é irrazoável afirmar que a grande quantidade
de recursos da saúde gasta para cumprir as decisões judiciais
não pode ser alocada sem afetar outras políticas de saúde que,
por sua vez, também protegem o que seria o mínimo existencial
de outros cidadãos.(55)
A aplicação da reserva do possível parece ser justa e necessária diante das
decisões judiciais que não observam e não respeitam a Lei de Responsabilidade
Fiscal. Entretanto, há que se observar um equilíbrio e racionalidade, a partir da
adequada aplicação da teoria da reserva do possível.
53 MÂNICA, Fernando Borges. op. cit., p. 182 e ss.
54 Id. Ibid.
55 WANG, Daniel Wei Liang. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas
aproximações, cit., p. 308-318.
58 Fábio F. Mazza/ Áquilas N. Mendes
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III. O STF e o direito à saúde
No ano de 2008, foi publicado um interessante artigo(56) que trata da escassez
de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do STF.
O autor se preocupou em estudar as decisões judiciais do STF entre os anos
de 2000 a 2007, procurando descobrir em que tipo de matéria esses temas são
comumente debatidos e também como o tribunal trata essas questões em sua
jurisprudência e os critérios utilizados em suas análises. O autor ocupou-se tam-
bém em examinar se a análise jurídica dos ministros leva em consideração pre-
ocupações relativas às consequências econômicas e distributivas das decisões.
Dentre os resultados alcançados pelo autor no campo do direito à saúde, pode-
mos destacar dois momentos do STF: antes e após o julgamento da Suspensão
de Tutela Antecipada 91 (STA 91).(57) Até o julgamento, as questões orçamen-
tárias raramente eram abordadas nas decisões e, quando apareciam eram
tratadas de forma superficial, além de a consequência econômica não ser um
elemento importante na análise jurídica dos ministros; dando assim a entender
que o direito à saúde não tem em seus custos e na limitação de recursos do
Estado um limite fático à sua plena concretização.
Após o julgamento da STA 91, segundo o autor, as decisões parecem superar
as anteriores em termos da melhora da qualidade na argumentação, questões
sobre políticas públicas e reflexões sobre as consequências econômicas das
decisões parecem ter um espeço maior nas decisões. No entanto, ainda não se
tem muito claro em quais critérios objetivos esses elementos serão analisados
e qual o peso que eles terão em cada caso.
Em alguns casos, o STF tem decidido no sentido de não considerar ingerência
do Judiciário na esfera da administração a imposição judicial ao Executivo de
que este satisfaça, nos termos determinados pelo tribunal, um direito social pre-
visto na Constituição, a requerimento de qualquer cidadão, pois, diante de um
direito consagrado pela Constituição e explicitado por norma infraconstitucional,
é dever do Judiciário torná-lo realidade, ainda que ocorra obrigação de fazer
com repercussão na esfera orçamentária. Porém, ao se falar em orçamento, e
sendo este aprovado por uma lei do orçamento (do Poder Legislativo), o ato de
um juiz que se proponha a alterar essa lei modificando a afetação das receitas,
ou que determine ao Executivo o dever de alterar esta lei para cumprir deter-
minada sentença, acaba por carecer de legitimidade no campo orçamentário,
pois não é função do judiciário legislar e determinar como se devem aplicar os
recursos financeiros. O Poder Judiciário e o Poder Executivo não podem usurpar
competência reservada do Poder Legislativo.
56 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na
jurisprudência do STF. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 539-568, jul./dez. 2008.
57 Julgada em fevereiro de 2007 pela ministra Ellen Gracie, essa foi a primeira decisão determinando
a não obrigatoriedade do Estado em fornecer o medicamento pedido.
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R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
Feitas tais considerações, passemos a analisar dois recentes acórdãos do STF,
do ano de 2011.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE
(ART. 196, CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SO-
LIDARIEDADE PASSIVA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS.
CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESLOCAMENTO DO FEITO
PARA JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA PROTELATÓRIA. IMPOS-
SIBILIDADE. 1. O Artigo 196 Da Cf Impõe O Dever Estatal De
Implementação Das Políticas Públicas, No Sentido De Conferir
Efetividade Ao Acesso Da População À Redução Dos Riscos De
Doenças E Às Medidas Necessárias Para Proteção E Recupe-
ração Dos Cidadãos. 2. O Estado Deve Criar Meios Para Prover
Serviços Médico-Hospitalares E Fornecimento De Medicamen-
tos, Além Da Implementação De Políticas Públicas Preventivas,
Mercê De Os Entes Federativos Garantirem Recursos Em Seus
Orçamentos Para Implementação Das Mesmas (Arts. 23, Ii, E 198,
§ 1º, Da Cf). 3. O Recebimento De Medicamentos Pelo Estado
É Direito Fundamental, Podendo O Requerente Pleiteá-Los De
Qualquer Um Dos Entes Federativos, Desde Que Demonstrada
Sua Necessidade E A Impossibilidade De Custeá-Los Com Recur-
sos Próprios. Isto Por Que, Uma Vez Satisfeitos Tais Requisitos,
O Ente Federativo Deve Se Pautar No Espírito De Solidariedade
Para Conferir Efetividade Ao Direito Garantido Pela Constituição,
E Não Criar Entraves Jurídicos Para Postergar A Devida Prestação
Jurisdicional. 4. In Casu, O Chamamento Ao Processo Da União
Pelo Estado De Santa Catarina Revela-Se Medida Meramente
Protelatória Que Não Traz Nenhuma Utilidade Ao Processo, Além
De Atrasar A Resolução Do Feito, Revelando-Se Meio Inconstitu-
cional Para Evitar O Acesso Aos Remédios Necessários Para O
Restabelecimento Da Saúde Da Recorrida. 5. Agravo Regimental
No Recurso Extraordinário Desprovido. Decisão: A Turma Negou
Provimento Ao Agravo Regimental No Recurso Extraordinário, Nos
Termos Do Voto Do Relator. Unâmine. Presidência Da Senhora
Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 31.5.2011. (RE 607381 AgR /
SC - SANTA CATARINA - AG. REG. NO RECURSO EXTRAOR-
DINÁRIO, Relator: Luiz Fux, Julgamento: 31/05/2011)
Discute-se no caso em questão a constitucionalidade do indeferimento, por
juízo da Justiça Federal, do chamamento ao processo da União para figurar no
polo passivo da ação que busca o fornecimento de medicamento à paciente.
A corte negou provimento ao recurso, entendendo que é dever do Estado fornecer
os medicamentos, não havendo que se falar em solidariedade quanto ao forneci-
mento. Entendeu também que o presente recurso visava apenas ser protelatório.
O tribunal ainda aduz que a intenção do artigo 196 da Constituição é garantir a
efetividade ao direito à saúde, de forma a orientar os gestores públicos na imple-
mentação de medidas que facilitem o acesso a quem necessite da tutela estatal
à prestação aos serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos,
60 Fábio F. Mazza/ Áquilas N. Mendes
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além de políticas públicas para prevenção de doenças, principalmente quando o
tutelado for pessoa hipossuficiente, que não possui meios financeiros para custear
o próprio tratamento. Ainda, entende a corte que a Constituição impõe aos entes
federativos a solidariedade na prestação dos serviços na área da saúde, além da
garantia de orçamento para a efetivação destes serviços.
O caso em tela é um claro exemplo de comprometimento do orçamento. Os entes
federativos devem ser solidários na prestação dos serviços na área da saúde,
por que então exigir somente do Estado de Santa Catarina o ônus em arcar com
o fornecimento dos medicamentos? O acórdão não entra em maiores detalhes
sobre valores, mas imaginemos que se trate de uma quantia significativa ao or-
çamento de Santa Catarina e, ainda, imaginemos que outros cidadãos também
demandem contra o Estado para obterem o fornecimento de medicamentos de
valores extremamente altos e que o STF continue a manter seu posicionamento
sobre a responsabilidade ser apenas do Estado de Santa Catarina. Não teríamos
aqui um comprometimento orçamentário significativo? O mais correto não seria
haver uma solidariedade entre União, Estado e municípios no que se refere ao
cumprimento de medidas judiciais prestacionais de saúde? Afinal, a saúde não
deve ser prestada solidariamente entre União, Estados e municípios?
Mais evidente ainda é o caso a ser analisado no acórdão seguinte, em que
parece ser mais nítida a insurgência da questão orçamentária.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREQUESTIONAMENTO –
CONFIGURAÇÃO – RAZÃO DE SER. O Prequestionamento
Não Resulta Da Circunstância De A Matéria Haver Sido Arguida
Pela Parte Recorrente. A Configuração Do Instituto Pressupõe
Debate E Decisão Prévios Pelo Colegiado, Ou Seja, Emissão
De Juízo Sobre O Tema. O Procedimento Tem Como Escopo
O Cotejo Indispensável A Que Se Diga Do Enquadramento Do
Recurso Extraordinário No Permissivo Constitucional. Se O Tri-
bunal De Origem Não Adotou Entendimento Explícito A Respeito
Do Fato Jurígeno Veiculado Nas Razões Recursais, Inviabilizada
Fica A Conclusão Sobre A Violência Ao Preceito Evocado Pelo
Recorrente. SAÚDE – TRATAMENTO – DEVER DO ESTADO.
Consoante Disposto No Artigo 196 Da Constituição Federal, “A
Saúde É Direito De Todos E Dever Do Estado (...)”, Incumbindo
A Este Viabilizar Os Tratamentos Cabíveis. Decisão: Após O Voto
Do Ministro Menezes Direito, Relator, Conhecendo Do Recurso
Extraordinário E Lhe Dando Provimento, Pediu Vista Do Proces-
so O Ministro Marco Aurélio, Presidente. 1ª Turma, 08.04.2008.
Decisão: Adiado O Julgamento Por Indicação Do Ministro Marco
Aurélio. Ausente, Justificadamente, O Ministro Carlos Britto. 1ª
Turma, 06.05.2008. Decisão: Prosseguindo O Julgamento, Após
Os Votos Do Ministro Marco Aurélio, Presidente, E Da Ministra
Cármen Lúcia, Negando Provimento Ao Recurso Extraordinário,
Pediu Vista Do Processo O Ministro Ricardo Lewandowski. 1ª
Turma, 16.09.2008. Decisão: Por Maioria De Votos, A Turma
Negou Provimento Ao Recurso Extraordinário, Nos Termos Do
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Decisões judiciais e orçamento: um olhar sobre a saúde pública
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014
Voto Do Senhor Ministro Marco Aurélio, Redator Para O Acórdão,
Vencidos Os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski E Mene-
zes Direito, Relator. Ausente, Justificadamente, O Senhor Ministro
Dias Toffoli. Presidência Da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª
Turma, 13.4.2011. (RE 607381 AgR / SC - SANTA CATARINA -
AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator: Luiz Fux,
Julgamento: 31/05/2011)
Trata-se de um recurso extraordinário, interposto pela União, contra acórdão do
Tribunal Regional Federal, que entendeu ser de direito o tratamento médico no
exterior da doença denominada retinose pigmentária. A União alega ser inconce-
bível o custeio do tratamento médico no exterior, quando já existe tratamento no
Brasil para essa doença. O tribunal, por sua vez, negou provimento ao recurso
da União sob o argumento de que é dever do Estado garantir o direito à saúde,
e não adentrou no mérito da eficácia e efetividade do tratamento no Brasil.
No entanto, dentre os votos vencidos, interessante se fez o voto do Ministro
Ricardo Lewandowski, que se posicionou a favor do orçamento e da defesa do
direito coletivo à saúde, aduzindo que o custeio de tal tratamento prejudicaria
o tratamento de outros tantos, em suas palavras:
o Judiciário ao tratar de questões para as quais não dispõe de ins-
trumentos adequados para intervir na realidade concreta, termina
por conferir a alguns indivíduos direitos pretensamente subjetivos,
que, a rigor, deveriam ser contemplados sobre a ótica universal.
Ainda, ao falar do artigo 196 da Constituição, o ministro Ricardo Lewandowski aduz:
A interpretação do Art. 196 da Constituição Federal, portanto,
passa necessariamente pelo acesso universal à saúde e tendo
consideração que se trata de distribuir recursos orçamentários
por definição escassos. Penso que o papel do Judiciário seja o
de garantir que essa distribuição seja realizada dentro de parâ-
metros constitucionais e legais, garantindo, sempre que possível,
a universalização doa acesso à saúde. Para tanto, não pode o
Judiciário – salvo em situações extremas, em que a própria vida
esteja em risco – ir além da fixação de critérios para a atuação
da Administração Pública, impedindo que determinados cidadãos
sejam privilegiados em detrimento de outros.
(...)
Não pode – insisto – o Judiciário e, em especial, esta Suprema
Corte, guardiã dos valores constitucionais, definir, de maneira
pontual e individualizada, como a Administração deve distribuir
os recursos públicos destinados à saúde.
Conforme exposto, em nome do princípio da igualdade, o Estado deveria obrigar-se
a dar o mesmo tratamento a todos os cidadãos e não favorecer esse ou aquele
caso, pois ao agir assim pode causar um rápido esgotamento dos recursos des-
tinados à proteção e à promoção da saúde de todos, colocando em risco o direito
à saúde e o direito à vida de muitas pessoas. O Judiciário também não deveria
definir a forma de aplicação dos recursos públicos destinados à saúde.
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O desvio de fundos para tratamentos ou medicamentos determinados judicial-
mente, vai necessariamente retirar fundos de outras valências de uma política
séria de saúde, que por certo beneficiariam um grande número de pessoas. Esses
caminhos não conduzirão a maior igualdade no acesso aos cuidados de saúde,
nem à melhoria da qualidade dos serviços públicos de saúde, menos ainda a maior
justiça social. Pelo contrário, a adoção desses caminhos nos faz questionar se
estamos diante de um cumprimento ou de um descumprimento da Constituição.
Certo é que, a concretização dos direitos sociais sempre dependerá de escolhas
políticas quanto aos recursos financeiros disponíveis pelo Estado, recursos estes
que são escassos. Essas escolhas políticas se refletem nos orçamentos propos-
tos pelo Executivo e aprovados pelo Legislativo, não havendo como o Judiciário
averiguar se há ou não descumprimento da Constituição, conforme o STF alega
para legitimar a intervenção deste poder, por se proclamar o responsável por tornar
realidade todos os direitos fundamentais consagrados no texto constitucional.
Considerações finais
Após toda a explanação aqui aludida, conseguimos traçar, ainda que de forma
superficial, um panorama sobre o STF e o direito à saúde, o orçamento, e a
saúde pública. Contextualizamos a questão da judicialização da saúde e o
processo orçamentário, discorremos sobre a teoria da reserva do possível e
também acerca do posicionamento do STF e o direito à saúde.
Ficou evidenciado que as normas orçamentárias trazidas pela Constituição Fede-
ral, bem como a Lei no. 4.320/64 e a Lei no. 101/00 formam um ordenamento jurídico
eficaz e vinculado em matéria de planejamento da ação governamental, causando
não somente sanções administrativas e penais quando de seu descumprimento
e inobservância, mas também o comprometimento do orçamento em saúde.
Da mesma forma, diante da escassez de recursos, o Poder Judiciário deve
observar a teoria da reserva do possível, buscando uma posição de equilíbrio
e racionalidade a partir de sua aplicação.
No estudo das decisões RE-AgR 607381 e RE 368564 do STF no ano de 2011,
observamos que, ainda que de forma mínima, o Tribunal teve conhecimento de
que as regras orçamentárias existem e precisam ser observadas. Mas esse foi
um entendimento minoritário visualizado somente no voto de alguns ministros
e acabou prevalecendo o entendimento da maioria, ou seja, a sobreposição da
saúde ao orçamento e suas regras. Ambos os acórdãos negaram provimento
aos recursos, sendo favoráveis às partes contrárias, que se beneficiaram nas
demandas em questão.
É certo que a problematização da judicialização da saúde e o comprometimento
orçamentário, que muitas vezes ocorre por falta de conhecimentos técnicos por
parte do Poder Judiciário, ao conceder as demandas que lhe são apresentadas,
está longe de ser resolvido.
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No entanto, cumpre lembrar que a saúde e o orçamento convivem lado a lado,
sendo o direito à saúde dependente, entre outras coisas, do orçamento para se
efetivar. Há, portanto, a necessidade de equilíbrio e proporcionalidade nas decisões
por parte do Poder Judiciário nas questões que envolvam a judicialização da saúde.
Não menos importante, este artigo evidencia a necessidade de maior discussão
e a realização de um estudo de maior amplitude no campo do direito à saúde
e orçamento público.
Por fim, as observações doutrinárias e normativas trazidas por este artigo são
de grande importância, posto que, ao observar e respeitar as normas orça-
mentárias, o Poder Judiciário evitará que ocorra o prejuízo da concretização
da política de saúde planejada.
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