Decreto 24.645/1934: breve história da 'lei áurea' dos animais

AutorVicente de Paula Ataide Junior, Thiago Brizola Paula Mendes
CargoPós-doutor pela Universidade Federal da Bahia. Doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)/Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Advogado
Páginas47-73
47 | Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 02, p.47-73, Mai - Ago 2020
DECRETO 24.645/1934: BREVE HISTÓRIA DA “LEI
ÁUREA” DOS ANIMAIS
DECREE 24.645/1934: A BRIEF HISTORY OF THE BRAZILIAN “AUREA LAW” OF
ANIMALS
Recebido: 15.07.2019 Aprovado: 02.03.2020
Vicente de Paula Ataide Junior
Pós-doutor pela Universidade Federal da Bahia.
Doutor pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Professor da Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Juiz Federal titular no Paraná.
E-MAIL: vicente.junior@ufpr.br
LATTES:
http://lattes.cnpq.br/8067162391395637
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4995-9928
Thiago Brizola Paula Mendes
Mestrando em Direito pela Universidade
Federal do Paraná. Advogado.
E-MAIL: t.brizola@hotmail.com
LATTES:
http://lattes.cnpq.br/7029064171481475
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0687-5441
RESUMO: O propósito deste trabalho é apurar as origens histórica s e as fontes materiais do
Decreto 2 4.645, de 10 de julho de 1934, considerado o primeiro estatuto jurídico geral do
Direito Animal brasileiro, além de evidenciar os seus usos práticos, na época em que foi
editado, não apenas na defesa dos direitos animais, como também na defesa dos direitos
humanos. Para ta nto, utiliza-se da pesquisa histór ica, a partir do levanta mento das
principais publicaçõe s e notícias realizadas em jornais naquele período, como também do
cotejo com a legislação estrangeira que pode ter subsidiado a elaboração da proposta
legislativa. Termina por certificar que este diploma legal permanece vigente e apto para
fundamentar, a lém da oco rrência do crime de maus -tratos, a capacidade de ser parte dos
animais não-humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Animal; crueldade contra animais; capacidade de ser parte
dos animais; Decreto 24.645/1934.
ABSTRACT: The purpose of this paper is to ascertain the historical origins and material
sources of Decree 24.645 of July 10, 1934, considered the first general legal status of
Brazilian Animal Law, in addition to highlighting its practical uses, at the time of its
publication, not only in the defense of animal rights, but also in the defense of human
rights. To do so, it uses historical research, based on the survey of the main publications
and news from newspapers in that period, as well as the co mparison with foreign
legislation that may have subsidized the drafting of the legislative proposal. It ends by
certifying that this legal diploma still remains valid and able to substantiate, in addition to
the occurrence of the crime of mistreatment against animals, the standing for nonhuman
animals.
KEYWORDS: Animal Law; cruelty to animals; standing for animals; Decr ee 24.645/1934.
Vicente de Paula Ataide Junior e Thiago Brizola Paula Mendes
48 | Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 02, p.47-73, Mai - Ago 2020
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A origem histórica da “Lei Áurea” dos a nimais 2.1 A UIPA e a
apresentação da proposta de lei 2.2 A edição do Decreto 24.6 45/1934 2.3 A difusão do
Decreto como “Lei Áurea” 3 Possíveis fontes materiais da proposta de lei da UIPA a
importância do Protection of Animals Act inglês de 1911 4 O Decreto na prática 4.1 O Decreto
na proteção animal 4.2 O Decreto na proteção de direitos humanos 5 Vigência do Decreto
24.645/1934 e ineficácia da revogação via Decr eto Presidencial 11/1991 6 Conclusão 7
Notas de Referência
1 Introdução
O propósito deste trabalho é apurar a história do Decreto 24.645, de 10 de julho de
1934 primeiro estatuto jurídico, de caráter geral, do Direito Animal brasileiro1 , com o
objetivo de demonstrar as suas origens, as influências e fontes materiais2 da sua elaboração,
além dos seus impactos e usos práticos reais na época, não apenas na defesa dos direitos
animais, como também dos direitos humanos.
O trabalho também traz elementos para certificar que tal diploma legal ainda está
vigente e com aptidão para auxiliar na caracterização do crime de maus-tratos (art. 32, Lei
9.605/1998), além de caracterizar, no âmbito processual, a capacidade de ser parte dos
animais não-humanos.
A pesquisa parte do pressuposto que o Brasil já conta com um Direito Animal
positivado, como ramo jurídico autônomo.3 Sua base é constitucional, pois o art. 225, §1º, VII,
parte final, da Constituição de 1988, ao estabelecer a regra da proibição da crueldade,
reconhece implicitamente a senciência4 e a dignidade5 animais, consagrando os animais como
titulares de direitos fundamentais.6
Esse comando constitucional é densificado, no plano federal, sobretudo pelo art. 32
da Lei 9.605/1998 (crime contra a dignidade animal) e pelo Decreto 24.645/1934.
De especial destaque e importância atual, o art. 2º, §3º do Decreto 24.645/1934
confere expressamente aos animais a possibilidade de estarem em juízo, assistidos pelo
Ministério Público, por seus substitutos legais ou pelos membros das sociedades protetoras dos
animais, o que caracteriza a capacidade de ser parte dos animais não-humanos, inovando, de
sobremaneira, o sistema processual brasileiro.7
Por isso se justifica o interesse no estudo desse peculiar e singular diploma normativo
brasileiro.
Assim sendo, o artigo aborda a origem histórica do Decreto 24.645/1934, analisando
como, em meados dos anos 1930, foi possível a aprovação de um regramento tão inovador
que tutela os animais não-humanos em geral, considerados em si mesmos, sem qualquer
alusão à sua função ecológica, e lhes concede a capacidade de ser parte em processos judiciais
, tantos anos antes do início do debate moderno acerca das questões ambientais8 e dos
direitos animais.9
Para levantar essa história, optou-se, metodologicamente, por realizar pesquisa
jornalística, a partir do acervo digital do jornal O Estado de S. Paulo e na Hemeroteca Digital da
Fundação Biblioteca Nacional. Além disso, buscaram-se informações por meio de contato
direto com a União Internacional Protetora dos Animais UIPA, entidade que, à época,
apresentou a proposta que veio a ser adotada, como Decreto, pelo então Presidente da
República, Getúlio Vargas.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT