Humano, demasiadamente eletrônico. Eletrônico, demasiadamente humano A informatização judicial e o fator humano

AutorJosé Carlos de Araújo Almeida Filho
CargoMestre em Direito, Professor da EMERJ e da rede LFG de ensino, nos cursos de pós-graduação. Advogado no Rio de Janeiro. Diretor do escritório Almeida Filho & Cesarino - Advogados Associados.
Páginas404-418

Texto em homenagem a uma das maiores processualistas do mundo: a eterna - e eternizada pelos seus estudantes - Profa. Ada Pellegrini Grinover

Page 404

I Introdução

O objeto de estudo presente trabalho, intitulado Humano, demasiadamente eletrônico, parafraseando Nietzsche, nos traz reflexões de extrema importância para a realidade da informatização judicial no Brasil, e um aporte para o nosso país irmão, o Peru, analisando reflexos através de pontos de vista filosóficos, sociológicos e psicológicos.

A principal reflexão a ser inserida no presente trabalho tem como provocação o texto do Prof. Tulio Lima Vianna, Do rastreamento eletrônico como alternativa à pena de prisão 1, tendo em vista o mesmo discorrer como a eletrônica pode favorecer a aplicação de medidas punitivas, mas sem que com tal haja qualquer prisão. Afinal de contas, sabemos, Page 405 todos, que a prisão não cura o condenado, e, contrariamente, transforma-o em elemento de maior periculosidade.

Contudo, o foco de nossa análise é a humanização do Judiciário diante do procedimento eletrônico, com o advento da Lei 11.419/2006. Para a realidade Peruana, pretendemos, com este trabalho, apresentar a realidade Brasileira e como a informatização pode ampliar os campos no MERCOSUL. Contrariamente a pensamentos negativos, seja pela academia, seja pelos aplicadores e operadores 2 do Direito, a informática e demais meios eletrônicos somente tendem a ampliar a humanização no seio da informatização.

A maioria das pessoas entende que as audiências não serão mais realizadas, e os atos presenciais serão refutados. Enfim, no mundo eletrônico haverá o total afastamento do ser humano. Esta a concepção de quem não percebeu a humanização!

Como estamos lidando com matéria processual, nada mais pertinente fazer - ou, pelo menos, tentar - com que os nossos profissionais se conscientizem de como os meios eletrônicos podem ampliar, em muito, a missão pacificadora do processo. O uso dos meios eletrônicos em audiência, como a gravação de voz e vídeo, podem contribuir para inibir uma série de desgastes. E, neste ponto, identificamos, pelo menos, por enquanto:

  1. com a adoção das audiências gravadas, o procedimento eletrônico refletirá, para o julgador de 2º grau, a exata noção do ocorrido na audiência. Não podemos dispensar a emoção, que é de suma importância para o livre convencimento do magistrado, mas que, ao ser transcrito na frieza do papel, nada representa do Colegiado (e, no Brasil, a gravação é autorizada tanto pelo Processo Civil, quando pelo Processo Penal). Neste aspecto, em particular, o Código de Processo Civil Peruano pode conter a idéia da informatização, especialmente quando trata: "Artículo VI.- Principio de Socialización del proceso.- El Juez debe evitar que la desigualdad entre las personas por razones de sexo, raza, religión, idioma o condición social, política o económica, afecte el desarrollo o resultado del proceso".

    Quanto ao texto do CPC Peruano, entendemos ser de maior alcance que nosso princípio da igualdade, contudo no art. 125 do CPC. A idéia de um julgamento justo tem Page 406 como principal ponto a imparcialidade do juiz. E, ao afirmarmos que as gravações humanizam o processo, temos a exata noção de como as desigualdades podem ser reduzidas.

  2. a gravação impedirá abuso de poder por parte do magistrado ou órgão do Ministério Público. Em no âmbito do processo penal, é de suma importância que as respostas das testemunhas e depoentes sejam transcritas na íntegra. A gravação impede o abuso de poder, seja no momento de indeferimento da questão posta, seja na insistência do magistrado em não transcrever o dito pela testemunha ou depoente;

  3. impedirá atitudes antiéticas por parte de advogados, inclusive evitando pedidos protelatórios em recursos, no que tange ao cerceamento de defesa.

    Seja para o magistrado, para as partes e para o advogado, o sistema de gravação das audiências é salutar e amplia os princípios da publicidade 3 e oralidade. Ainda que defendamos uma mitigação, ou relativização do princípio da publicidade 4, quando se está diante de feitos eletrônicos, não se olvida que para os atores do processo será de grande importância a análise do humano, demasiadamente eletrônico. Sob outro viés, reduz as desigualdades, tal qual expostas no CPC Peruano, inibindo iniqüidades que somente a oralidade permite serem percebidas.

    A concepção de processo enquanto ciência teve por escopo atingirmos a atual fase de processo como meio de pacificação - e aqui temos a sua finalidade -, atingindo uma etapa de proporções antes não imaginadas, como a informatização. E se a informatização deve ser guiada pelo procedimento, a utilização de meios eletrônicos conduzirá para que o humano sobressaia.

    A idéia central do texto é a de apresentar, desta forma, a ampliação do fator humano em procedimentos totalmente eletrônicos, ainda que no processo civil admitamos a Page 407 possibilidade de vídeo-conferência. Em matérias de direito penal e de família, o sistema impedirá a necessidade de humano, demasiadamente humano. Ou seja, em muitos casos, e a prática forense nos demonstra o fato, muitos casais se reconciliam em audiência, seja porque sentem a emoção da perda, pelo cheiro, pela saudade, pela atitude do magistrado, no intuito de conciliar. Contudo, distantes em salas monitoradas por vídeo e som, as partes não terão este contato humano, imprescindível.

    Em matéria penal, a ausência do magistrado e do órgão ministerial impedirá o contato do preso com o sistema judicial. E, ainda que sempre tenhamos defendido a violação constitucional do dispositivo, o certo é que um fator ainda não debatido pode ser repensado:

    - muitos presos confessam o delito na presença do magistrado, inclusive com o fim de minimizar a sua pena. Mas assim o faz o autor do crime, porque, na presença de um magistrado equilibrado e do representante do Ministério Público, sentir-se-á o preso mais a vontade para que se livre do peso do crime praticado.

    Isolado, em uma sala fria em um presídio, a negativa será sempre a alternativa do preso, porque o pensamento humano - pelo menos o meu assim seria - conduz ao seguinte questionamento:

    - Se estou preso e o magistrado não quer sequer me ver, por que vou confessar?

    O procedimento possui grandes vantagens e grandes malefícios. Deve ser adotado como exceção, mas, jamais, como regra. A jurisprudência deve conduzir-se no sentido de somente admitir o uso do procedimento em questão para presos de alta periculosidade, e, sempre, impedir que ocorra no interrogatório (a não ser em caso de reincidentes).

    Analisaremos os pontos em questão através dos princípios processuais, processuais constitucionais, à luz dos direitos fundamentais, e, entremeando os pensamentos, com idéias sócio-filosóficas.

    Humano, demasiadamente humano, é o espírito livre preconizado por Nietzsche, mas, que, em determinado momento, será preso pelos espíritos cativos. Não podemos nos prender em momento de grande relevância para a sistemática processual moderna. Page 408

II A humanização através dos meios cibernéticos. Necessidade de conscientização

Ao ampliarmos a adoção de meios tecnológicos no Direito, e, com relevante expressão na sistemática processual, estaremos efetivando a idéia de eficácia do processo. Hodiernamente a eficácia vem sendo sinônimo de decisões alheias ao cenário jurídico. Com a informatização, pela experiência vivenciada em pesquisas realizadas desde o ano de 2002, ao invés de perdermos o humano, ampliamos o processamento dos feitos e teremos mais tempo para que os autos sejam analisados. Em outras palavras: o fator humano será privilegiado, porque as cansativas rotinas de trabalho serão reduzidas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT