Democracia e comunidade juridica: acoes, deliberacoes, etica e responsabilidade/Democracy and legal community: actions, decisions, ethics and responsibility.

Autorda Silva, Luciano Braz
  1. Por uma democracia: um debate entre Habermas e Becker

    Na filosofia de Habermas(2003, p. 10 - 11), discussoes em torno da democracia partem de um nexo constitutivo entre poder e o direito que denota certa relevancia empirica aclarada sobre dois aspectos: a) por meio dos pressupostos pragmaticos teoricamente inevitaveis que acompanham a instauracao legitima do direito e,b) por meio da institucionalizacao da correspondente pratica de autodeterminacao de pessoas privadas circunscritas nas relacoes inter-subjetivas. Deste modo, evidenciou a insuficiencia do normativismo do direito registrado a partir do colapso da figura da razao pratica estabelecida nos limites da filosofia do sujeito, consequentemente, aponta Habermas, essa base teorica nao mais se sustenta, elucidando melhor, nao apresenta condicoes para fundamentar seus conteudos com base na teleologia da historia, bem como, na constituicao do homem ou no fundo casual de tradicoes tidas como "bem sucedidas"; destarte, como veremos, o normativissimo do direito, quando confrontado as contingencias sociais, nao corresponde a seguranca juridica esperada. Para Habermas (2003, pg. 19) isso explicaria a razao de ainda nos parecer atrativa a unica opcao que restara em aberto a qual seria ado desmentido intrepido da razao em geral nas formas dramaticas de uma critica da razao pos-nietzcheana, ou a maneira sobria do funcionalismo das ciencias sociais, que neutraliza qualquer elemento de obrigatoriedade ou de significado na perspectiva dos participantes.

    Vemos que a razao pratica foi tomada, ate o periodo hegeliano, como instrumento regulador do individuo em seu agir, o direito natural configurava--atraves do seu poder normativo--como sendo a unica e correta ordem politica e social. Ora, ocorrendo a transposicao do conceito da razao para o medium linguistico e, por conseguinte, ao aliviarmos da ligacao exclusiva com o elemento moral, o conceito de razao passara considerar outros elementos teoricos ate entao ignorados. Deste modo, entende-se que a razao por estar ligada a faculdade subjetiva do sujeito, a mesma aderiu a sua identidade premissas de ordem normativista, por conseguinte, o individuo como sujeito da razao passou a ser compreendido como sede de toda moralidade e de toda politicidade (HABERMAS, 2003, pg. 19-20).

    Assim, ao mesmo tempo em que os discursos proferidos, nos espacos publicos, pelos sujeitos de fala assumem identidade efetiva da soberania popular, concomitantemente, produzirao tambem concepcoes intersubjetivas de direitos fundamentais das quais podera se pensar em condicoes e possibilidades de se ofertar legitimidade a genese do direito. Com isso, verifica-se que nexo constitutivo entre poder e direito, passara adquirir relevancia fundamental quando se propoe um exame analitico entre poder social e poder politico (HABERMAS: 2003, p. 11).Na perspectiva do sujeito solipsista, nem a pretensao da legitimidade do direito - que se inter-relaciona com o poder politico por meio da forma do direito - nem a necessidade de legitimacao - a ser preenchida com recurso a determinadas medidas de validade - sao descritas mediante a otica e perspectiva dos participantes. Isso significa dizer, que as condicoes de aceitabilidade do direito e da dominacao politica convertem-se num estado (condicao) de mera aceitacao por parte do observador. Dadas premissas, tanto a aceitabilidade do direito como sua legitimidade seriam algo forjado dogmaticamente; em outras palavras, algo tendencioso no entender de Habermas (2007, p. 195).Com relacao a teoria da democracia, ja nao cabe a mesma interpretacao. Delineada normativamente sob a perspectiva de um olhar objetivador empirista, a mesma alimenta o olhar critico do observador das ciencias sociais.

    As consideracoes de Becker, trazidas por Habermas, apresenta o conceito de democracia a partir das regras que dirigem o jogo das eleicoes gerais, bem como a concorrencia entre os partidos e o poder da maioria. Deste modo, a validade das normas estaria, assim, condicionada a partir do seu efeito estabilizador, pois, uma vez que a mesma estabiliza as relacoes dos envolvidos, esses poderao sanciona-las. Trata-se de uma teoria de ordem empirica, que tem por objetivo obter o assentimento dos envolvidos, que--a partir da norma--passam a entender existir boas razoes para manter as regras estabelecidas numa democracia de massa; as regras passam a ser observadas imediatamente por aqueles que estao no poder, ou seja, seus detentores. Aqueles que estao no poder jamais poderao limitar o exercicio politico dos cidadaos, pois isso infringiria a propria norma e, consequentemente, inflamaria, no seio da sociedade, um sentimento de repudio e a revolta contra o governo, com ameacas, vandalismo, ou, ate mesmo, deflagrando uma guerra civil. Entretanto, numa situacao na qual o governo esteja ameacado por atos nao legitimos e, por conseguinte, a paz social venha ruir, o governo tera total legitimidade para agir drasticamente, ou seja, o partido que esta no poder jamais tenta limitar a atividade politica dos cidadaos ou partidos, enquanto esses nao ameacarem derrubar o governo pela violencia. (HABERMAS: 2003, p. 13).

    Em sua interpretacao, Habermas (2003, p. 13) define a teoria de Becker a partir de uma conotacao reconstruida sobre uma sequencia estabelecida sob determinadas premissas que abrangem dois momentos distintos. Num primeiro momento, o que se extrai da teoria e fundamentacao de ordem objetiva. Ja no segundo momento, o que se verifica e uma tentativa de traduzir, para os proprios participantes, em termos totalmente racionais, a explicacao obtida sob a perspectiva do observador. Nesse sentido, a argumentacao culmina num ponto de indiferenca, onde a explicacao objetiva pode ser aceita como uma explicacao suficiente na perspectiva do participante.

    Para Becker, as regras da democracia sustentam sua legitimidade a partir do voto da maioria, que se da no campo da concorrencia por meio das eleicoes livres, secretas e iguais. Destarte, a democracia passa a obter o assentimento de todos os cidadaos envolvidos pela peculiar compreensao do mundo e de si mesmo. Tal compreensao e sustentada a partir de um "'subjetivismo etico' que seculariza, de um lado, a compreensao judaico-crista da igualdade de cada ser humano perante Deus e toma como ponto de partida a igualdade fundamental de todos os individuos"; todavia, ela substitui o dogma transcendente de mandamentos obrigatorios e passa a fomentar uma nova compreensao formulada a partir de pressuposto situados no campo imanente e que conferem validade--com suas normas--a vontade dos proprios sujeitos. Portanto, sob o vies da interpretacao empirista, a compreensao moderna da liberdade significa, entre outras coisas, que as normas aceitas pela pessoa humana, sua validade, pressupoe o livre assentimento de todos concernidos e, por conseguinte, o proprio sujeito a produz. Sao os proprios individuos que geram validade normativa, via um assentimento nao coagido, portanto, livre. Dessarte, o direito desperta uma compreensao positiva sustentada sob os pressupostos da voluntariedade e do assentimento dos sujeitos envolvidos em atos de fala inter-subejtivos; noutras palavras, a esteira da crenca da representatividade, vale como direito tao-somente aquilo que foi produzido pelo legislador politico devidamente investido, conforme as regras do livre exercicio (politico) da democracia; aquilo que foi estabelecido desse modo e o direito propriamente dito. No sentido do racionalismo critico, essa traducao nao se justifica racionalmente, pois e expressao de uma decisao ou de um elemento cultural que se impos faticamente sob o prisma do dogma politico-cultural (HABERMAS: 1987, p. 297-302).

    O que se quer formular e a tese de que, mediante o uso da razao, empirica o sujeito obtera uma compreensao do mundo e de si mesmo. Dada compreensao formulada a igualdade passa ser descrita sob um vies formal e objetivo; os sujeitos sao vistos a partir de um status comum a todos, noutras palavras, todos sao iguais. Por essa condicao, as regras da democracia--apoiadas na concorrencia--darao como valido aquilo que a maioria decidir, dado o fato que todos, deliberadamente, se prontificaram a assentir sobre algo com relacao ao mundo da vida. Portanto, o que prevalecera doravante sera a decisao da maioria democraticamente legitimada. Alhures, a contento da perspectiva individual dos envolvidos, esses, por se sentirem afetados, recorrem as argumentacoes formuladas sob o vies de um subjetivismo etico de carater predominantemente fundamentado no campo dos direitos humanos suprapositivos, ou num ponto de vista explicitado deontologicamente, segundo o qual, apenas e valido aquilo que necessariamente venha ser sancionado por todos; em outras palavras, somente e valido aquilo que todos poderiam querer. Para os empiristas, tais saidas racionalistas impediriam entender a contingencia insuperavel daquilo que eles consideram normativamente valido, ou seja, o proprio racionalismo seria insuficiente para tanto. Essa consciencia da contingencia leva todos os participantes do processo democratico a se sentirem insatisfeitos com a explicacao dadas em carater objetivo. Disso resulta uma preocupacao de ordem racional e objetiva fronte as arguicoes que buscam compreender, satisfatoriamente, qual seria a razao pela qual normas que sao impostas por meio da deliberacao da maioria devem ser aceitas e acatadas como validas tambem pela minoria vencida. Ainda sim,

    Quando se pressupoem um conceito voluntarista de validade da normativa, a pretensao de validade das decisoes da maioria nao pode ser fundamentada apelando-se para o bem comum, para as vantagens coletivas ou para a razao pratica; pois seriam necessarias medidas objetivas (HABERMAS: 2001, p. 98). Como medida de aceitabilidade aquilo que foi imposto pela maioria, Becker introduz a ideia da domesticacao da luta pelo poder. De acordo com os pressupostos do subjetivismo etico, quando todos dispoem do mesmo poder, a...

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