Democracia em cidades multiculturais. Re-significando os sistemas de tomadas de decisão públicas à luz dos direitos humanos das minorias / Democracy in multicultural cities. Re-meaning the public decision systems in the light of human rights of minorities

AutorAndré Leonardo Copetti Santos, Evelyne Freistedt Copetti Santos, Gabriel Otacílio Bohn Edler
CargoPós-Doutorando pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e pela Universidade de Santiago do Chile (USACH). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIJUÍ, IJUÍ, RS e do Programa de Pós-Graduação em Direito da URI, Santo Ângelo, RS. Coordenador Executivo do PPGD/URISAN. Editor da Revista Científica Direitos ...
Páginas1825-1863
Revista de Direito da Cidade vol. 07, nº 4. Número Especial. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2015.20923
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Revista de Direito da Cidade, vol. 07, nº 4. Número Especial. ISSN 2317-7721 pp.1 825-1863 1825
DE MO CR AC IA E M C IDADES MU LT IC UL TU RA IS . R E-S IGN IF IC AN DO O S SI ST EM AS D E
TOM AD AS D E DE CISÃO P ÚBL IC AS À LU Z DOS DIR EI TO S HUM AN OS D AS MI NO RI AS
DE MO CR AC Y IN MU LT IC UL TU RA L CI TI ES . RE - ME AN IN G THE PUB LIC DE CI SI ON
SYS TE MS I N T HE LIG HT O F HU MA N RIG HT S O F MI NO RI T IE S
An dr é Leo na rdo C ope tt i Santos
1
Eve ly ne Fre is te dt C ope tt i S ant os 2
Gab ri el Ota li o Bohn E dler 3
RESUMO
O presente artigo tem como escopo principal analisar algumas possibilidades de re-significação da
democracia nos espaços geopolíticos de cidades multicultur ais, em função da crise de
representatividade que incessantemente vêm sofrendo os sistemas democráticos representativos
praticados no âmbito nacional, especialmente pela impossibilidade de efetivação dos direitos
humanos ligados à diversidade étnica, cultural e comportamental. A perspectiva metódica adotada
é a compreensiva.
PALAVRAS-CHAVE: Democracia; Direitos Humanos; Cidade; Multiculturalismo; Interculturalidade.
ABSTRACT
This article has as main scope to analyze some p ossibilities of redefining demo cracy in geopolitical
spaces of multicultural cities, due to the crisis of representation that constantly have suffered
representative democratic systems practiced at the national level, especially because the
impossibility of realization of human rights linked to ethnic, cultural and behavioral diversity. The
methodical approach adopted is comprehensive.
KEY WORDS: Democracy; Human Rights; City; Multiculturalism; Interculturality.
1 Pós-Doutorando pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e pela Universidade de Santiago do
Chile (US ACH). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIJUÍ, IJUÍ, RS e do
Programa de Pós-Gradua ção em Direito da URI, Santo Ângelo, RS. Coord enador Executivo do PPGD/URISAN.
Editor da Revista Científica Direitos Culturais. E-mail: andre.leonardo@unijui.edu.br
2 Mestre em Direitos Especiais pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado em Direito da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Mis sões, Campus Santo Ângelo/RS (2015). Membro
do Grupo de Pesquisa intitulado " Novos Direitos na Sociedade Globalizada", registrado no CNPQ
e dos Projetos de Pesq uisa Direitos Humanos, Cidadania e Consolidação dos Direitos Sociais: estudos sob a
ótica do constitucionalismo contemporâneo e da teoria da complexidade de Ed gar Morin. E -mail:
evecopetti@hotmail.com
3 Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URISAN, Campus
Santo Ângelo/RS. Pesquisador do grupo de pesquisa Cidadania e Direitos Culturais: a proteção dos direitos de
minorias nos tribunais brasileiros - URI e UNISINOS. E-mail: ge.advocacia@yahoo.com.br
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DOI: 10.12957/rdc.2015.20923
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IN TR OD ÃO
Se a grande meta política dos primórdios da modernidade era combinar democracia e
igualdade formal, e o grande desiderato de governação do começo do século XX foi aproximar
democracia e igualdade material, é possível pôr em pauta que uma das grandes incitações
civilizatórias da contemporaneidade seja ajustar metas de democracia, equidade, diversidade e
minorias
4, pois é inegável que uma das principais características que diferencia a
4 As concepções de maioria e minoria comumente associadas às distintas perspectivas sob as q uais é tomada
a ideia de democracia na modernidade, geralmente traduzem um critério quantitativo. Se pensarmos em
democracia representativa, esse viés é ainda mais reforçado. Entretanto, cremos que qualquer tentativa de
re-significação dos processos democráticos de tomada de decisão pública passe, antes de mais nada, por
uma re-simbolização das concepções de maioria e minoria, de modo a distanciá-las de fundamentos
quantitativos. Pensar processos democráticos inclusivos de minorias necessariamente importa em superar
bases quantitativas. Em perspectivas não quantitativas, podemos pensar maioria e minoria, respectivamente,
como constânciainconstância ou devir; como estado de poder e dominaçãoestado de falta de poder ou
submissão; como abstração ou concretude; como invisibilidadevisibilidade; como
homogeneidadeheterogeneidade ou diversidade; como estabilizaçãomovimento; como territorialização
pela mé diadesterritorialização da média; como heteronomiaautonomia. Uma boa pista teórica para uma
compreensão não quantitativa da dicotomia maioriaminoria nos é dada por Deleuze e Guattar i (1995). Para
esses autores, a noção de minoria, com suas remissões musicais, literárias, linguísticas, mas também
jurídicas, políticas, é bastante complexa. Minoria e maioria não se opõem apenas de uma maneira
quantitativa. Maioria, para eles, implica uma constante, de expressão ou de conteúdo, como um metro
padrão em relação ao qual ela é avaliada. Suponhamos que a constante ou metro s eja homem -branco-
masculino-adulto-habitante das cidades-falante de uma língua padrão-europeu-heterossexual qualquer (o
U  J   E P  É            
que os mosquitos, as crianças, as mulheres, os negros, os camponeses, os homossexuais... etc. É porque ele
aparece duas vezes, uma vez na constante, uma vez na variável de onde se extrai a constante. A maioria,
segundo eles, supõe um estado de poder e de dominação, e não o contrário. Supõe o metro padrão e não o
contrário. Uma outra determinação diferente da constante seria entã o considerada como minoritária, por
natureza e qualquer que seja o seu número, isto é, como um subsistema ou como fora do sistema. Isto pode
ser visto em todas operações, eleitorais ou não, onde se dá o poder de escolha, com a condição que a
              
sociedade...). Mas, nesse ponto, tudo se inverte. Pois a maioria, de acordo com os pensadores franceses, na
medida em que é analiticamente compreendida no padrão abstrato, não é nu nca alguém, é sempre Ninguém
Ulisses ao passo que a minoria é o devir de todo o mundo, seu devir potencial por desviar do modelo. Há,
        co de Ninguém que se opõe ao devir-minoritário de todo o
mundo. É por isso que propõem Deleuz e e Guattari, devemos distinguir: o majoritário como sistema
homogêneo e constante, as minorias como subsistemas, e o minoritário como devir potencial e criado,
criativo. O problema não é nunca o de obter a maioria, mesmo instaurando uma nova constante. Não existe
devir majoritário, maioria não é nunca um devir. Só existe devir minoritário. Certamente as minorias são
estados que podem ser definidos objetivamente, estados de língua, de etnia, de sexo, com suas
territorialidades de gueto; mas devem ser consideradas também como germes, cristais de devir, que só
valem enquanto detonadores de movimen tos incontroláveis e de desterritorializações da média ou da
maioria. Há uma figura universal da constância minoritária, como devir de todo o m undo, e é esse devir que
é criação. Não é adquirindo a maioria que se o alcança. Essa figura é precisamente variação contínua, como
uma amplitude que não cessa de transpor, por excesso e por falta, o limiar representativo do padrão
majoritário. Ver a respeito DELEUZE, GUATTARI (1995, p. 55-57).
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contemporaneidade globalizada de outros períodos é a marcante presença de variedade e
dessemelhança em espaços antes homogêneos, em função da intensificação exponencial dos
fluxos, especialmente de pessoas e informações culturais.
O Estado nacional foi o espaço geopolítico histórico onde se desenvolveram os dois
primeiros movimentos de combinação governativa entre democracia e igualdade formal e
substancial, respectivamente. Entretanto, para o desafio contemporâneo arranjar democracia,
equidade, diversidade e minorias -, os Estados, que ainda guardam em relação às suas principais
características uma configuração moderna, parecem dar sinais iniciais de debilidade institucional
para o cumprimento de tal tarefa.
Uma das principais causas que pode ser apontada como geradora dessa fragilidade estatal
é o significativo aumento da complexidade social, que, por consequência, tem gerado uma
ampliação da complexidade estatal e uma quase que inevitável debilitação paulatina de suas
funções, para a consecução de seus objetivos e fins.
As diversidades étnico-cultural, comportamental e de suficiências sociais eram
realidades existentes nos Estados-nação nos primeiros momentos da modernidade, mas, hoje, em
função da intensificação dos fluxos de pessoas, mercadorias e informações, elas são palpáveis
materialmente não somente no macro espaço estatal, mas mais concretamente no âmbito das
cidades. A ocorrência de um a aceleração dos processos de diversificação nas cidades,
notadamente nas grandes metrópoles, como resultado de uma convergência de múltiplos fluxos
de mobilidade humana, determinados por uma variedade de causas, especialmente políticas e
econômicas, é um fator de alta impactação não só na ampliação da complexidade social e estatal,
mas também no equilíbrio dos sistemas democráticos e na sua capacidade de ordenação das
relações sociais.
Em ambientes caracterizados por altos índices de diversidade, cada vez mais surgem
situações que têm gerado condições favoráveis para crises perm anentes dos sistemas
democráticos de tomada de decisão pública, uma vez que ao serem quase que totalmente
estatalizados e centralizados nos papéis dos representantes eleitos, não permitem uma
participação efetiva de boa parte dos grupos que compõem espectros populacionais
caleidoscópicos minoritários. Isto tem resultado, quase que invariavelmente, numa seletividade
excludente nos processos decisórios públicos, cuja principal consequência é o não atendimento das

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