Democracia, eternidade e universalidade à luz do constitucionalismo: o projeto constitucional e o tempo híbrido de François Ost

AutorEmerson Ademir Borges de Oliveira
Páginas53-77
Direito, Estado e Sociedade n.51 p. 53 a 77 jul/dez 2017
Democracia, eternidade e universalidade
à luz do constitucionalismo:
o projeto constitucional
e o tempo híbrido de François Ost
Democracy, eternity and universality in the light of
constitutionalism: the constitutional project and the hybrid
time of François Ost
Emerson Ademir Borges de Oliveira*
Universidade de Marília, Marília-SP, Brasil
1. Introdução
O projeto constitucional carrega em si um desaf‌io do tempo constante. Mais
do que lidar com a história do Estado, entre aquilo que se anseia e aquilo que
se repudia, bem como atender às vontades do tempo presente, a Constitui-
ção precisa lidar com o espirituoso futuro. Como durar e se alterar ao mesmo
tempo, mas não a ponto de as mudanças desdizerem as bases?
A ligação entre o passado e o futuro, entre o projetado e a materialidade
do projeto em um Estado Democrático traz à lume a discussão acerca da
própria democracia. Se a Constituição nasce como democrática e se suas
promessas são fruto justamente deste ambiente plural, a sua efetivação tor-
na-se a própria implementação da democracia. De outro lado, se tida como
mera promessa, sem nenhum dever de solução, o projeto constitucional
fora idealizado apenas para atender f‌inalidades escusas que não guardam
relação com a necessidade da efetivação.
Nesta dicotomia, surge o Judiciário atual, com propósitos não muitas
vezes nítido, mas que, por ocasião, faz da Constituição ora letra morta, ora
* Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado em Demo-
cracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Professor Assistente nos cursos de graduação,
especialização, mestrado e doutorado em Direito na Universidade de Marília. Vice coordenador do Programa
de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade de Marília. Advogado. E-mail: emerson@unimar.br.
54
Direito, Estado e Sociedade n. 51 jul/dez 2017
letra mais do que viva. E tanto quando a mata, quanto quando a ressuscita,
corre o risco de fazê-lo além de suas propriedades.
Na mitologia grega, Prometeu, f‌ilho de Jápeto, em acirrada defesa dos
homens, furta o fogo de Zeus e o entrega aos mortais. Pelo crime, Zeus o
deixa amarrado a uma rocha durante a eternidade, tendo seu fígado devo-
rado diariamente por uma águia, vindo a reestabelecer-se durante a noite.
A transgressão heroica de Prometeu, ao colocar o homem em pé, deixa a
humanidade em marcha a partir de um ato de negação e revolução. Ensinan-
do, Prometeu instrui e institui, com vistas a conferir, pela promessa, a duração.
Epimeteu, ao contrário do gênio avançado de Prometeu, sempre chega
atrasado. Como conciliar a ideia que circunda entre aquele que se avança
demais e aquele que se inscreve em um passado eterno?1
François Ost trabalha a “promessa de ligar o futuro” como uma forma
das gerações presentes cuidarem das futuras a partir de determinadas di-
retrizes, não paralisando o efeito transformador da realidade sobre o texto
– já que o inverso não se efetiva -, mas permitindo que os juízes do futuro
possam partir de certos pressupostos.
O problema de uma Constituição é sempre identif‌icar em seu contexto
qual parte visa proteger e paralisar o momento, como advém da ideia das
cláusulas pétreas, e qual parte é de fato prospectiva, com vistas a proteger
o homem do próprio homem futuro.
Até porque é difícil imaginar uma Constituição que não seja, em par-
te, uma fotograf‌ia da realidade presente, identif‌icando os problemas, as
inquietudes e as inconstâncias de um determinado Estado, e, em ou-
tra parte, os anseios da conquista de certos direitos e a tentativa de sua
eternização. Sobre isso, há até princípio: não retrocesso social, ou como
prefere a doutrina francesa, effet cliquet, a limitar o próprio Poder Cons-
tituinte Originário.
Contudo, daí decorre uma nova problemática. Mesmo os anseios e
as promessas para ensejos futuros não se furtam à obviedade de que são
construídos sob a ótica do tempo presente. Novamente, mesmo quando
se pensa em efeitos prospectivos, tem-se uma fotograf‌ia atual. Assim, no
dia de amanhã, provavelmente, as promessas não sejam mais as mesmas,
exatamente no mesmo momento em que aquelas idealizadas no passado
começam a se tornar realidade.
1 OST, 2005, pp. 191-192.
Emerson Ademir Borges de Oliveira

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT