Cabimento da denúncia espontânea no parcelamento de débitos tributários

AutorCristina Zanello
Páginas305-314

Cristina Zanello. Advogada especialista em direito empresarial, tendo atuado com gerente jurídico de grandes empresas nacionais e multinacionais, mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina, membro do Instituto de Direito Tributário de Curitiba, Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR, Professora universitária. Endereço eletrônico: czanello@terra.com.br

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Introdução

Equívocos ocorrem na interpretação das normas jurídicas, quando a análise do texto legal desconsidera os conceitos e os fundamentos dos institutos que envolvem uma suposta antinomia. É o que tem ocorrido com a aplicação da denúncia espontânea nas hipóteses de parcelamento de débitos tributários. A interpretação está arraigada aos parâmetros positivistas influenciados por modelos de Estado ultrapassados, em que se percebe o equívoco em elevar a arrecadação do Estado ao patamar de interesse público primário quando na verdade trata-se de interesse público secundário, ou seja, apenas um instrumento para alcançar o interesse público primário como, por exemplo, a construção de obras públicas, educação, saúde etc.

A esse passo, vale lembrar as palavras o insigne jurista português, Vitor Faveiro, que em sua obra "Estatuto do Contribuinte" afirma que o volume da arrecadação não está atrelada ao volume das despesas públicas nos seguintes termos: "O direito tributário, apesar de ser ramo do direito financeiro não atribui à receita tributária como mera dependência da despesa pública" (FAVEIRO, 2002, p. 99). Segundo o autor A pessoalidade do sistema tributário retira da receita tributária a dependência da despesa pública, ou seja, o objeto e o volume das despesas financeiras orçadas não legitimam a exigência e nem determinam o volume das receitas tributárias impostas pelo legislador e cobradas dos indivíduos pela autoridade fiscal.

A inversão da interpretação evidenciando o valor da arrecadação em detrimento da pessoalidade do sujeito passivo da obrigação tributária que, aliás, é exigência constitucional expressa no § 1º, do art. 145 da Constituição Federal, reflete-se na interpretação de todos os institutos do direito tributário traduzindo-se em injustiça fiscal.

O Fisco e o Poder Judiciário possuem entendimento assente quanto à não aplicação da denúncia espontânea no parcelamento de débitos tributários sob os seguintes argumentos:

  1. que o parcelamento não consiste em pagamento de tributos, sendo uma

    espécie de moratória;

  2. que o Código Tributário Nacional estaria estabelecendo que a denúncia espontânea, que compreende a exclusão da multa, só ocorreria com o pagamento integral do tributo devido; e

  3. que o § 1º, do Art. 155-A do CTN não estaria admitindo a exclusão de multa e juros no parcelamento de débitos tributários sendo, portanto, vedada a denúncia espontânea neste caso.

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    No entanto, falta consistência jurídica aos argumentos acima expostos pelos seguintes motivos:

1 O parcelamento e a moratória

O primeiro equívoco com relação ao conceito de parcelamento de débitos tributários ocorre por boa parte da doutrina que diz ser este instituto, uma espécie de moratória parcelada.

Analisando-se a legislação tributária, observa-se que em 1975 o legislador já atribuía, expressamente, autonomia ao parcelamento de débitos tributários. No Art. 10 da Lei Complementar nº 24/1975, nota-se o tratamento distinto entre o parcelamento e a moratória ao estabelecer que as condições gerais definidas nos convênios "poderão conceder unilateralmente anistia, remissão, transação, moratória, parcelamento de débitos fiscais, [...]".

O Art. 154 e parágrafo único e o Art. 155 do CTN demonstram que os encargos, como juros e multa apenas são exigidos em casos de dolo e simulação, casos que descaracterizam a moratória.

Art. 154. Salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo.

Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo ou do terceiro em benefício daquele.

No caput do Art. 154 fica evidenciado que a moratória é concedida antes da data do vencimento do tributo porque abrange débito constituído e exigível através do lançamento. Não há menção ao não cumprimento ou à data do vencimento do tributo. No parágrafo único, a moratória não é concedida em caso de ato ilícito culpável do devedor. Já entre as regras do parcelamento de débitos tributários não há esta previsão, sendo concedido inclusive para devedores que cometem atos ilícitos. Na verdade esta regra da moratória deveria ser aplicada subsidiariamente à legislação do parcelamento de débitos tributários para a sua concessão.

Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora:

I - com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele; [...].

De acordo com o dispositivo supratranscrito, a moratória é um favor pelo qual, o Estado concede o diferimento do prazo de pagamento antes da data doPage 308 vencimento, excluídos os encargos. Os juros de mora acrescidos de penalidade, apenas serão exigidos em caso de não cumprimento, por parte do contribuinte, dos requisitos ou condições exigidos na concessão da moratória. Vale dizer, os encargos só serão exigidos em caso de revogação da moratória conforme expresso no caput do Art. 155 do CTN.

Portanto, se houver inadimplemento na moratória parcelada haverá incidência de juros e multa, o que configura a revogação da moratória. Então, o valor do crédito do Estado será composto do valor principal do tributo devido, acrescido dos encargos em razão da mora e caso seja pago em parcelas constituirá o parcelamento de débitos tributários. Neste sentido...

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