Desvios Orçamentários

AutorKiyoshi Harada
CargoProfessor de Direito Financeiro
Páginas19-20
REVISTA BONIJURIS - Ano XX - Nº 530 - Janeiro/2008
XIX
19
O presente artigo é escrito de forma objetiva e didática
para compreensão de todos, com a finalidade de despertar a
cidadania, única forma de desfazer o impasse político-
institucional em que se acha mergulhado o nosso país.
O orçamento anual é um instrumento de exercício da
soberania popular à medida que representa um corolário do
princípio da legalidade tributária, isto é, receitas e despesas
são autorizadas pelo povo, por meio de seus legítimos
representantes eleitos.
Por isso, tem o seu processo legislativo
minudentemente regulado na Constituição. A iniciativa do
projeto é do Executivo (art. 165, III da CF) devendo conter os
três orçamentos, o orçamento fiscal da União, o de investimento
das estatais e o de seguridade social (§ 5º do art. 165 da CF)
e outros requisitos previstos nos §§ 6º a 8º. Esse projeto de
lei é enviado ao Congresso Nacional pelo Presidente da
República (art. 84, XXIII da CF), onde é submetido à apreciação
da Comissão Mista de Senadores e Deputados para, na forma
do regimento comum, emitir parecer prévio. As emendas são
apresentadas nessa Comissão que sobre elas emitirá um
parecer para decisão do Plenário das duas Casas. Só que, na
forma dos §§ 3º e 4º do art. 166 da CF, o poder de emendar é
limitadíssimo. Na prática, as emendas só poderiam versar
sobre correção de erros aritméticos ou omissões relacionadas
com os dispositivos dos textos do projeto de lei.
Então, pergunta-se, como se explica a declaração
pública do senhor Presidente da República, transmitida pela
mídia com a maior naturalidade, de que liberou para cada
parlamentar o montante de X reais para emendas? Parece que
a política do ‘é dando que se recebe’, inaugurada na chamada
década perdida de 80, hoje, incorporou-se na cultura política
brasileira, tornando letra morta o princípio da separação dos
Poderes, ironicamente, incluído no rol de cláusulas pétreas.
Ao invés de promulgar o projeto de lei orçamentária se não
devolvido ao Executivo até o final da sessão legislativa (22
de dezembro), ignorando eventuais emendas já aprovadas
pelo Congresso, o senhor Presidente prefere continuar
negociando com os parlamentares. Por causa disso, na
década de 90, tivemos um orçamento anual aprovado no 3º
trimestre do exercício em curso. Por que isso? Seria para
justificar a perpetuação do Fundo Social de Emergência,
criado em uma situação excepcional em que o Congresso não
teve tempo para votar a lei orçamentária de 1994, por conta
do processo de impeachment? De lá para cá nunca mais
tivemos processo de impeachment a roubar o tempo
necessário dos congressistas. Então, pergunta-se, por que
prorrogar aquele Fundo, sucessivamente, com o nome de
Fundo de Estabilização Fiscal e, agora, sem nome, conhecido
pela sigla DRU? Essa DRU, coloca mais de 100 bilhões para
gastar, não segundo os elementos de despesas fixados na lei
orçamentária, mas a critério do Executivo tornando difícil,
senão impossível o controle desses gastos. É uma
excrescência dentro do Direito Orçamentário.
DESVIOS ORÇAMENTÁRIOS
Kiyoshi Harada
Professor de Direito Financeiro
Mas, o pior efeito do encampamento governamental
de ‘emendas’ incabíveis dos parlamentares é o deslocamento
do lobby das empreiteiras do Executivo para o Legislativo.
É muito mais fácil exercer influências junto à classe política
do que junto aos técnicos do Executivo. É a proclamação do
óbvio que em nada deslustra os parlamentares.
Porém, o desrespeito à Constituição não pára por aí.
Ele prossegue na fase de execução do orçamento assim
aprovado. Já se tornou rotina e até mesmo sinônimo de
governante ‘sério’, por conta da falta de esclarecimento, o
famoso contingenciamento de despesas, aplicando-se, de
forma absurda, um corte linear de 10%, de 20% ou mais sobre
todas as dotações previstas na lei orçamentária, para oportuna
utilização, que quase sempre implica desvio de finalidade.
Isso vem acontecendo com as verbas destinadas ao
pagamento de precatórios judiciais, de verbas destinadas à
conservação e manutenção de rodovias (com o dinheiro da
CIDE), de verbas destinadas à melhoria dos aeroportos etc.
etc. Você já imaginou o contingenciamento de verba destinada
à merenda escolar para liberá-la apenas no final do ano,
quando os beneficiários poderão tomar dez refeições diárias?
Como ninguém toma dez refeições diárias é fácil imaginar que
a verba foi parar em outro lugar! Do contrário, deveria ocorrer
superávit no final do exercício!
Ora, esse contingenciamento configura o maior
atentado ao princípio de fixação de despesas (art. 165, VIII
da CF), incorrendo o governante em crime de
responsabilidade política (art. 85, VI da CF). Incorporando
essa prática deletéria, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
veio prescrever em seu art. 5º, III a obrigatoriedade de a lei
orçamentária conter ‘reserva de contingência’ para
atendimento de passivos contingentes. Com isso, vibrou um
golpe mortal contra o princípio constitucional da fixação de
despesas. Para realização de despesas imprevistas ou
imprevisíveis, decorrentes de calamidades públicas, por
exemplo, o Executivo deve solicitar ao Legislativo a abertura
de crédito adicional especial (art. 167, V da CF), sendo
absolutamente vedada a concessão ilimitada de créditos
Ainda que constitucional fosse a ‘verba de
contingência’ ela jamais poderia ser constituída pela aplicação
indiscriminada de um percentual de corte incidindo sobre
todas as dotações.
O orçamento anual é um instrumento de
exercício da soberania popular à medida que
representa um corolário do princípio da
legalidade tributária, isto é, receitas e despesas
são autorizadas pelo povo, por meio de seus
legítimos representantes eleitos

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