O desvirtuamento da falência frustrada e a necessidade de adequação do rito sumário

AutorCarlos Alberto Farracha de Castro
Páginas59-63

Page 59

I - Introdução

Dispõe o art 75 do Decreto-lei 7.661/45 (Lei de Falências) que "se não forem encontrados bens para serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo, o síndico levará imediatamente o fato ao conhecimento do juiz, que, ouvido o representante do Ministério Público, marcará por editais o prazo de dez dias para os interessados requererem o que for a bem dos seus direitos".

Trata-se, portanto, do instituto da falência frustrada, no qual "o síndico deverá, imediatamente, informar ao juiz, e este, diante do que lhe foi noticiado, encerrará a falência mesmo porque nada existe para ser partilhado"1

O desafio do presente estudo é analisar as razões que motivaram o legislador a estabelecer esse rito sumário, e por via de consequência, se na prática forense os operadores do direito observam ou não a finalidade almejada pelo legislador. Pretende ainda, apresentar alternativas com a finalidade de impedir o desvirtuamento da falência frustrada. O método de trabalho fun-da-se na atenta observação da realidade forense, sem prejuízo da investigação doutrinária sobre o tema.

Não se pretende aqui, analisar o rito sumário estabelecido para a falência cujo passivo for inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente2 (art. 200), mas tão-somente as hipóteses de inexistência ou insuficiência de bens.

II - Inteligência do art 75 do Decreto-lei 7.661/45

A falência decorre do mau funcionamento do crédito. Ou seja, declarando-se falido o comerciante que utiliza o crédito defeituosamente, estar-se-á obstando um fenómeno em cadeia sucessiva de comerciantes, preservando, pois, o crédito público. Em outras palavras, a "falência é o efeito da função anormal do crédito".3 A falência, portanto, constitui-se "um conjunto de bens de execução forçada coletiva patrocinada pelo Estado que visando à proteção do cré-

Page 60

dito, como fator de riqueza, cumpre a promessa de partilhar os bens do devedor para que haja a par conditio c redito rum".4

Todavia, em determinadas situações, nada adianta movimentar a máquina judiciária face à ausência de bens para liquidar, pena de atos sucessivos, morosos e inúteis, sem um resultado concreto, face à inexistência de bens a partilhar.

Assim, para as hipóteses de ausência ou insuficiência de bens, o legislador criou um rito sumário, com a finalidade de evitar atos inócuos, desafogando, pois, a máquina judiciária.

Registre-se, porém, que o rito sumário não acarreta a imediata suspensão dos efeitos de sentença declaratória de falência, e tampouco dispensa o inquérito judicial. Na realidade, "a falência declarada compõe-se de duas fases, a de sindicância e a de liquidação. E a falência frustrada, embora não tenha a fase posterior da liquidação, porque não há o que liquidar, tem, todavia, e por inteiro, a fase de sindicância. Não se encerra ela, portanto, enquanto não estiver terminada a primeira fase, a qual será desenvolvida talvez até com maior rigor, pois, a ausência injustificada de bens é forte indício da prática de crime falimentar".5

Conclui-se, pois, que embora o legislador tenha estabelecido um rito sumário para a falência frustrada, jamais dispensou o relatório do síndico e a instauração do inquérito judicial, para fins de apurar a prática de crime falimentar.

III - Do desvirtuamento da falência frustrada

A realidade forense, data vénia, inúmeras vezes demonstra o uso exagerado do instituto da falência frustrada, inclusive desacompanhado do relatório do síndico e do inquérito judicial. Essa situação ocasio-na, sentido inverso ao pretendido pelo legislador, beneficiando, muitas vezes, os sócios da sociedade falida e outros envolvidos (como, por exemplo, o síndico, data vénia), em detrimento dos credores, funcionários e do próprio mercado, como adiante será demonstrado.

A falência visa necessariamente afastar o uso anormal do crédito, mantendo a credibilidade e confiança do mercado. Ora, o desvirtuamento do instituto, isto é, o encerramento premeditado do processo falimentar, sem punição dos falidos, gera um sentido de impunidade, e por via reflexa, uma insegurança jurídica dos credores, os quais perdendo a confiança na Justiça, dificultarão o crédito, obstando assim, a circulação de riquezas, ou seja, o desenvolvimento do comércio e da sociedade.

Impõe-se, destarte, obrigatoriamente a abertura de inquérito judicial, para apurar a prática de crime falimentar, tenha ou não a massa falida bens suficientes para honrar suas despesas. Para tanto, imperioso que o síndico apresente um relatório (ainda que sucinto), instruído com um laudo contábil, contendo as causas da falência e analisando o comportamento dos representantes legais da sociedade falida com vistas a eventual caracterização de crime falimentar.

Pode-se dizer, portanto, e uma vez mais, que a abertura do inquérito judicial é obrigatória...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT