O dever de cidades includentes em favor das mulheres negras / The duty of inclusive cities in favor of black women

AutorWaleska Miguel Batista, Josué Mastrodi
CargoDoutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Direito da PUC-Campinas. Professor do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Sustentabilidade da PUC-Campinas. E-mail: mastrodi@puc-campinas.edu.br - Mestranda em Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail:...
Páginas862-886
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.31664
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 2. ISSN 2317-7721 pp. 862-886 862
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Resumo
Neste artigo, afirmamos que o planejamento urbano das cidades deve se preocupar com a
inclusão social e bem-estar de todos os habitantes, assim como ilustrado origi nalmente por
Henri Lefebvre e pelos diplomas normativos internacionais e nacionais. Desta forma, o espaço
urbano deve ser includente, na iminência de combater as discriminações e preconceitos
naturalizados e normalizados contra os grupos marginalizados, ora por m otivos étnicos, ora de
gênero, ora por classe. Em nosso recorte, estudamos a condição marginal das mulheres negras,
que possuem maiores obstáculos para terem acesso a moradia adequada, pois estão em
condição de maior vulnerabilidade por pertencerem, minimamente, a dois grupos
marginalizados, a tal ponto de não exercerem a cidadania de forma plena . O Estatuto da
Igualdade Racial reconhece a inferiorização a que as mulheres negras são submetidas, e
estabelece mecanismos para o combate a esta segregação nas cidades. Evidenciamos a
condição das mulheres negras por meio de revisão bibliográfica e de análise de dados do IBGE e
do IPEA. Concluímos que a desigualdade racial existente em todos os âmbitos sociais faz com
que as mulheres negras sejam mantidas à margem do espaço urbano.
Palavras-chaves: Espaço Urbano; Direito à Cidade; Mulheres Negras; Estatuto da Igualdade
Racial; Moradia.
Abstract
In this article, we estate that urban planning must have as its basis preocupation with social
inclusion and improvement of well-being of total population, just like originally exposed by
Henri Lefebvre and prescribed by a series of local and international Law. In this way, urban
space should be inclusive in such an extent to combat discrimination and prejudices which are
normalized and naturalized against marginalized groups, whether of ethnic, gender or class
motives. In this study we analyze the social condition of black women and their major obstacles
for accessing adequate housing. Black women are put in a more vulnerable condition because
they belong to two marginalized groups. Citizenship is commonly denied to them whether
because they are women, or black or both. Brazilian Racial Equality Statute recognizes the
inferiority to which black women are subjected, and establishes mechanisms for their inclusion
in the cities. We evidence the condition of black women through bibliographic review and data
analysis of IBGE and IPEA. We conclude that racial inequality in urban space is a very factor of
social unsustainability of cities, it is an ob stacle for black women to fully exercise their
citizenship.
1 Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de
Direito da PUC-Campinas. Professor do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Sustentabilidade da
PUC-Campinas. E-mail: mastrodi@puc-campinas.edu.br
2 Mestranda em Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail:
mbwaleska@gmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.31664
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 2. ISSN 2317-7721 pp. 862-886 863
Keywords: Urban Space; Right to the City; Black Women; Racial Equality Statute; Housing.
IN TR ODUÇÃ O
O direito à cidade3 foi originalmente estudado por Henri Lefebvre (1968) a partir de
uma linguagem filosófica e urbanística, com a finalidade de compreender a cidade como um
local de habitação e convivência, porém transformado segundo as mud anças da industrialização
e urbanização.
Em seu estudo seminal, esse autor afirma que o tecido urbano deveria refletir um mod o
de viver que permitisse às pessoas participarem das experiências da cidade industrial e
urbanizada, pois se espera que seja o local de habitação de todos (LEFEBVRE, 2001, p. 19).
Entretanto, os seus espaços foram definidos pelos critérios de valor de troca, sempre e m
medida muito maior que por meio de seu valor de uso.
Aplicado à cidade, o valor d e uso se refere ao direito de viver, morar e conviver na
cidade, se refere ao valor dado pelas pessoas ao uso que fazem dos parques, das escolas, do
comércio. Já o valor de troca tem a ver com o preço de mercado dado à cidade e a seu
território. N esta perspectiva, o uso desta cidade, ou de seus equipamentos públicos, é
permitido apenas aos que puderem pagar por isso. Esse preço é estipulado pelo mercado e se
encontra, muitas vezes, embutido no custo de vida de um bairro, custo esse que dificulta, de
modo invisível, a presença de pessoas de renda mais baixa nos locais mais urbanizados.
Como consequência dessa exploração do direito à cidade, a organização espacial e
territorial tem ocorrido a partir das cond ições socioeconômicas de seus habitantes (BATTAUS;
OLIVEIRA, 2016, p. 81), e também pela intolerância, marginalização e exclusão decorrentes de
confrontos étnicos, religiosos e migratórios (HARVEY, 2013, p. 30). A desigualdade racial no
acesso à terra e à moradia adequada4 foi reconhecida pelo Estado brasileiro, visto que o
Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010) prescreve que o Poder Público tem o dever de
garantir esses direitos à população negra, com especial atenção às mulheres negras, em razão
de um confinamento histórico dos negros em áreas afastadas ou degradadas, e da reprodução e
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4 A Recomendação n. 4 do Comitê da ONU para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais afirma que a
moradia adequada deve ser dotada de infraestrutura urbana, não se limitando apenas à estrutura da
unidade habitacional, mas também com atenção ao entorno do bairro e da cidade.

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