Diferentes, mas iguais: a terceirização no recente julgamento do stf e algumas reflexões a partir de Marcelo Neves

AutorThiago Santos Aguiar de Pádua - André Cleandro de Castro Dias
CargoPós-Doutoramento (UnB, Università degli Studi di Perugia e Univali) - Bacharel em Direito e Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Potiguar
Páginas103-134
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DIFERENTES, MAS IGUAIS: A TERCEIRIZAÇÃO NO RECENTE
JULGAMENTO DO STF E ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR DE
MARCELO NEVES
DIFFERENT BUT EQUAL: OUTSOURCING IN THE RECENT STF
JUDGMENT AND SOME REFLECTIONS FROM MARCELO NEVES
Thiago Santos Aguiar de Pádua1
André Cleandro de Castro Dias2
RESUMO: O presente e studo tem como objetivo analisar os argumentos que firmaram o entendimento do
Supremo Tribunal Federal na Decisão proferida no Recurso Extraordinário 635.546. Essa Decisão considerou
constitucional a possibilidade de trabalhadores terceirizados perceberem remuneração diversa dos trabalhadores
da empresa tomador a de serviços, mesmo exercendo atividades idênticas. Para o alcance desse objetivo,
mediante utiliz ação da metodologia hipotético-dedutiva, com pesquisa bibliográfica, foi adotado o conceito de
constitucionalização simbólica de Marcelo Neves e foi analisada a estrutura principiológica da Constituição
Federal de 1988 e dos tratados internacionais de d ireitos humanos ratificados pelo Brasil. Pode-se concluir, dessa
forma, que o STF, via a Decisão analisada, materializou a constituição simbólica, e specialmente quanto aos
princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdad e material, da não-discriminação e do valor social do
trabalho; diminuiu a norm atividade jurídica da Constituição; abalou a confiabilidade do Estad o e reduziu o
trabalhador terceirizado à categoria de “subcidadão”.
PALAVRAS-CHAVE: Terceirização trabalhista. Equiparação salarial. Constitucionalização simbólica.
Princípio da igualdade. Princípio do valor social do trabalho.
SUMÁRIO: 1 INTROCU ÇÃO; 2 TERCEIRIZ AÇÃO: ESTADO D A ARTE; 3 O STF E A LIVRE
INICIATIVA: RECURSO EX TRAORDINÁRIO N. 635.546; 4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA
NO CONCEITO DE MARCELO NEVES; 5 A TERCEIRIZAÇÃO NOS PARÂMETROS
CONSTITUCIONAIS E DAS NORMAS I NTERNACIONAIS VIGENTES NO BRASIL; 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ABSTRACT: The present study aims to analyze the arguments that confirmed the understanding of the Federal
Supreme Court in the Decision issued in Extraordinary Appeal 635,546. This Decision considered constitutional
the possibility for outsource d workers to perceive different remuneration from the worker s of the company
taking the services, even though they carry out identical activities. To achieve this objective, using the
hypothetical-deductive methodology, with bibliographic research, the concept of symbolic constitutionalization
by Marcelo Neves was adopted and the principle structure of the 1988 Federal Constitution and the international
human rights treaties ratified by Brazil was analyzed. It can be concluded, in this way, that the STF, via the
analyzed Decision, materialized the symbolic constitution, espe cially regarding the principles of human dignity,
material equality, non-discrimination and the social value of work; decreased the legal normativity of the
Constitution; it undermined the state's reliability and reduced outsourced workers to the category of “sub-
citizen”.
Artigo enviado em 13/12/2021.
Artigo aprovado em 17/12/2021.
Pós-Doutoramento (UnB, Università degli Studi di Perugia e Univali). Doutor e Mestre em Direito
(UniCEUB). Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito do UDF - Centro Universitário
do Distrito Federal ( Mestrado) e também da graduação em direito. Membro do Centro de Estudos
Constitucionais CBEC. Membro da Academia Brasiliense de Letras. Advoga do. E-ma il:
professorthiagopadua@gmail.com.
2 Bacharel em Direito e Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Potiguar. Especialista em Gestão
Pública pela UFMT. Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do
Distrito Fede ral UDF- Brasília. Estudante dos Grupos de Pesquisa sobr e Sin dicalismo e sobre
Constitucionalismo, Direito e Processo do Trabalho do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF-Brasília.
Analista Judiciário do TRT – 23ª Região. E-mail: andreccastrodias@gmail.co m.
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KEYWORDS: Labor outsourcing. Wage parity. Symbolic constitutionalization. Principle of equality. Principle
of the social value of work.
SUMMARY: 1 INTRODUCTION. 2 OUTSOURCING: STATE OF THE ART. 3 THE STF AND THE FREE
INITIATIVE: EXTRAORDIN ARY APPEAL N. 635.546. 4 THE SYMBOLIC CONSTITUTIONALIZ ATION
IN THE CONCEPT OF MARCELO NEVES. 5 OUTSOURCING IN CONSTIT UTIONAL PARAMETERS
AND INTERNATIONAL RULES IN FORCE IN BRAZIL. 6 FINAL CONSI DERATIONS
1 INTRODUÇÃO
Separados, mas iguais, como sabido, foi uma doutrina jurídica dos Estados Unidos que
justificava e permitia segregação racial naquele país como não sendo uma violação da
décima-quarta emenda da constituição estadunidense que garantia proteção e direitos civis
iguais a todos os cidadãos. Sob esta perspectiva, o governo podia permitir que setores
públicos ou privados como os de serviços, instalações, acomodações, moradia, cuidados
médicos, educação, emprego e transporte pudessem ser separados baseado em raça, desde que
a qualidade de cada um destes serviços fosse igual. Esta doutrina foi confirmada pela
Suprema Corte Americana na decisão do caso Plessy v. Ferguson (1896), que
institucionalizou a segregação.
No Brasil algo parecido foi feito, guardadas as devidas proporções, quando a Suprema
Corte brasileira julgou o importante tema da “terceirização”, no Recurso Extraordinário n.
635.546, e enfrentou questão da equiparação de remuneração entre empregados, terceirizados
e empregados da empresa tomadora de serviços, que exercem a mesma atividade. Firmou
entendimento que essa equiparação fere o princípio da livre iniciativa e que a remuneração
dos empregados está contida no universo da competência das decisões empresariais.
Essa Decisão trouxe importante repercussão para a terceirização trabalhista, o que leva
ao questionamento: em que medida a Decisão do proferida pelo STF no RE n. 635.546
materializa a constitucionalização simbólica e fere os princípios da dignidade da pessoa
humana, da igualdade e do valor social do trabalho?
Para responder a essa problematização, este estudo aplicará o método hipotético-
dedutivo. Quanto aos procedimentos técnicos, utilizará a pesquisa bibliográfica, notadamente
acerca do conceito de constitucionalização simbólica explanado por Marcelo Neves,
juntamente com outras obras acadêmicas e artigos científicos publicados em revistas
especializadas acerca do tema em análise.
O trabalho iniciará com a exposição do estado da arte da terceirização trabalhista e da
fundamentação adotada pelo STF na Decisão do Recurso Extraordinário n. 635.546. Em
seguida, trará um panorama do conceito de constitucionalização simbólica adotado por
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Marcelo Neves. Por fim, examinará a atuação daquela Decisão do STF na materialização da
constitucionalização simbólica tanto da Constituição de 1988 quanto dos tratados
internacionais ratificados pelo Brasil – especialmente no que se refere aos princípios da
dignidade da pessoa humana, igualdade formal, da não-discriminação e da remuneração igual
para trabalho de igual valor.
2 TERCEIRIZAÇÃO: ESTADO DA ARTE
O termo terceirização é um neologismo da palavra terceiro aplicado pelo setor
administrativo empresarial. O termo terceiro não é aplicado no sentido jurídico que reporta à
pessoa estranha à relação, mas no sentido de descentralização da atividade da empresa,
repassando ao terceiro uma parcela da atividade da empresa3.
A terceirização permite que a empresa tomadora utilize mão de obra de outra empresa
para a realização dos serviços do seu interesse – chamada terceirização interna. Também há a
terceirização externa que permite a empresa a deslocar parte (ou toda) da produção para outra
empresa podendo chegar ao extremo da fábrica vazia.4 Esta pesquisa limita-se à
terceirização interna que também é referenciada como terceirização trabalhista ou
simplesmente terceirização.5
No fenômeno da terceirização ocorre a separação da relação socioeconômica e o
vínculo justrabalhista, com isso a empresa tomadora do serviço – por mais que permaneça
sendo a beneficiária do labor – deixa de ser o real empregador do trabalhador.6
O ordenamento jurídico brasileiro não possui legislação específica para tratar acerca
da terceirização trabalhista. Assim, aspectos importantes como a sua conceituação, incidência,
responsabilidades, obrigações e deveres das partes envolvidas são tratados em trechos da
legislação espaça, pela jurisprudência e pela doutrina especializada.
3 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed . São Paulo: LTr, 2019. p. 540
4 Expressão utilizada por au tores italianos e incorporadas à pesquisa brasileira sobre terceirização por Viana et
al. (2011).
5 Delgado adm oesta para os riscos de confusão entre as expressões terceirização empresarial e terceirização
trabalhista ao afirmar que “A chamad a terceirização empresarial corresponde a um simples pro cesso de
descentralização de empresa, pela qual uma delegada parte de suas atividades a outra(s) entidade (s)
empresarial(is), esta(s) com estabelecimento e empregados próprios. Conforme já advertido, não se deve utilizar
tal expressão (preferindo-se descentralização empresarial, subcontratação de empresa ou outra semelhante), a
fim de se evitar c onfusão com o fenômeno d istinto e de grande repercussão no mundo do trabalho e de seu r amo
jurídico regulador – o que é a terceirização trabalhista” (2017, p. 45).
6 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed . São Paulo: LTr, 2019. p. 540.

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