Dificuldades e soluções (ou pseudo-soluções) da integração: a "cooperação reforçada" europeia, mecanismo de integração ou nova forma de mera cooperação internacional?

AutorAbel Laureano
Páginas271-282

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Introdução

O fenómeno da integração internacional levanta múltiplas e consabidas questões, tanto mais candentes quanto é certo que, iniciado na Europa, se tem estendido por todo o Mundo e os dados disponíveis apontam no sentido da sua perpetuação ou manutenção, senão mesmo dum incremento ou renovação da respectiva difusão nos vários Continentes. 12

No território europeu, "pátria" do fenómeno integrativo, manifestaram-se recentemente sinais preocupantes quanto à consistência do "edifício europeu integrado". Pausa no desenvolvimento do "edifício" ou sintoma visível duma "construção impossível de acabar"? "Integração" em crise (com deriva para o campo da simples "intergovernamentalidade") ou simples alteração no arsenal das ferramentas operativas daquela?

Não se trata duma singela questão "técnica". É, em nossa opinião, um problema de fundo, localizado no próprio âmago do figurino de Sociedade que está a desenhar-se neste início de milénio. Daí, a importância duma reflexão que permita enquadrar Page 272 teoricamente esta evolução, em ordem a contribuir para a possibilidade de dominá-la, mediante o integral conhecimento dos respectivos contornos.

2 Dificuldades da integração europeia
2. 1 Uma questão de "consistência"

O lançamento de um processo integrativo na Europa correspondeu a um projecto ambicioso. O caminho antevia-se com escolhos e a realidade não desmentiu nem desmente essa previsão.

Pode reconduzir-se tudo isto, afinal, a uma grande temática: o problema da "consistência" da União.

Mas que dificuldades, e porquê tais dificuldades?

Julgamos ser possível sintetizar o equacionamento desta questão mediante recurso a quatro tópicos sequenciais dum simples raciocínio: ambivalência "estrutural"; integração "fáctica" limitada; carência duma "integração emocional" (com falta duma "identidade emocional comunitária"); debilidade duma Sociedade Política sem Povo.

2. 2 Ambivalência "estrutural"

Olhando a História da integração europeia, fica-se com uma curiosa sensação de ambivalência.

Por um lado, parece inegável ter havido um aprofundamento, sendo cada vez mais "visível", externa e internamente, a presença dum espaço supranacional.

Por outro lado, contudo, os Europeus parecem continuar a dar mostras duma certa indecisão "estrutural" ou "profunda" no balanceamento entre a pertença ao seu Estado e a pertença a uma entidade política superior, pelo menos sempre que estejam em jogo situações de provável ou declarado conflito.

E porquê tal ambivalência, que parece ir persistindo ao longo da vivência comunitária?

2. 3 Integração "fáctica" limitada

Os mentores e iniciadores da construção europeia cujo modelo prevaleceu (os funcionalistas) pensavam que a integração seria um processo que se auto-alimentaria. Ora, o tempo decorrido parece ter-lhes dado razão.

Pelo menos, uma coisa é certa: as grandes declarações anteriores de princípio, e tentativas de construção apriorística dum grandioso edifício comunitário acabado, não Page 273 lograram realizar-se. Claro está, que não é simples tirar conclusões nesta matéria; de facto, é sempre possível argumentar-se que a realidade existente em 1957 (data da fundação da então chamada Comunidade Económica Europeia) era diferente (apesar de próxima no tempo) da realidade existente à data da gorada tentativa de criação da Comunidade Política Europeia.

Com estas reservas, parece-nos poder admitir-se, sem grande risco, que uma consentida vivência fáctica conjunta, uma consentida partilha de muitas coisas no dia-adia, tende a criar laços de união (naturalmente aptos a superar os inevitáveis atritos derivados da normal convivência entre Homens).

Ora, se assim é, bem podemos dizer que os dirigentes políticos europeus têm posto em prática variados mecanismos de entrosamento fáctico, continuando porém os mais importantes a encontrarem-se ausentes da sua acção política.

2. 4 Carência duma "integração emocional"

O projecto de integração europeia foi uma criação do espírito, da racionalidade (opostamente às históricas tentativas de unificação europeia pela força das armas). Não brotou, porém, no seio duma moldura emocional envolvente.

Caberia aqui uma interessante indagação sobre qual a "argamassa" que mantém unidas as Sociedades humanas: serão as emoções, a racionalidade ou ambas em conjunto? Sem querer aprofundar este ponto, diríamos que, a nosso ver, a dita "argamassa aglutinadora e estabilizadora" resulta duma combinação entre razão e emoção3.

Ora, no caminho da Europa unida, tem estado inegavelmente presente a razão. Mas a emoção? Esta tem estado nitidamente subalternizada, para não dizer mesmo ausente, nas suas vertentes fundamentais.

E o que seriam manifestações de atenção ao culto da emoção? Ponderemos em aspectos que fazem os Homens sentir-se próximos entre si: a língua, certos símbolos de unidade cultural, certos símbolos desportivos... Ora, relativamente a estas matérias, a acção dos dirigentes comunitários europeus é extremamente discreta, quiçá insignificante. Como resultado, a ligação emocional entre os Europeus comunitários é ténue ou mesmo ambígua. Apesar de a União Europeia ter já, estatutariamente, uma dimensão política, muitos cidadãos comunitários (ou deveria dizer-se "cidadãos dos respectivos Estados-Membros"?...) tendem a "contabilizar" vantagens e desvantagens económicas, numa óptica de ver a sua pertença à União dependente dum "saldo económico positivo". Page 274

Mas não haverá ligações emocionais entre os cidadãos comunitários dos vários Estados-Membros? Não haverá, afinal, uma "identidade emocional comunitária", uma "identidade emocional da União"?

O sentimento de "povo" afirma-se face ao contraste entre grupos humanos. Ora, um Europeu sente-se inquestionavelmente diferente de um Chinês, por exemplo; e é de crer que, face a uma hipotética ameaça chinesa sobre a Europa, os Europeus formassem um bloco defensivo unitário. Mas quais Europeus? Todos? Somente os comunitários? E os Russos europeus...?

Este simples exemplo mostra os parâmetros do problema. Se parece haver elementos de ligação ou identificação emocional entre os cidadãos comunitários europeus, tal "identidade emocional" é de contornos difusos, insusceptíveis de caracterizar distintivamente (para lá do "jurídico-formal") uma imagem de "cidadão comunitário europeu", vale dizer, de "cidadão da União Europeia". Estamos, pois, bem longe dos Estados Unidos, por exemplo, já que é perfeitamente possível delinear e reconhecer uma imagem emocional-cultural de "cidadão norte-americano".

2. 5 Síntese: a Debilidade Duma Sociedade Política Sem Povo

Não há, afinal, um "povo comunitário europeu" ou um "povo da União" que seja sustentáculo da União Europeia. E, pelo caminho que se vai trilhando, talvez nunca haja (ou, pelo menos, nunca haja num futuro próximo).

Ora, não havendo um povo subjacente, qualquer edifício político (mesmo que se admita viável) é frágil na sua base.

3 O mecanismo europeu da "cooperação reforçada": um passo para fora do domínio da integração?
3. 1 Equacionamento básico do tema

Perante os obstáculos apontados, que, na ausência de medidas que ajudem à sua ultrapassagem, tenderão (ceteribus paribus) a agudizar-se à medida que a integração se aprofunde, os Europeus procuraram, para prosseguir caminho, um mecanismo alternativo à tradicional via jurídica que a União vinha seguindo.

O novo expediente de Direito, baptizado oficialmente como "cooperação reforçada"4, começou por ser previsto, como figura geral, nos artigos 43º, 44º e 45º da versão de Amesterdão do Tratado da União Europeia (TUE-Amest)5. Page 275 Page 276 Page 277

Este instituto tem a ver com a constatação de que nem sempre todos os Estados se têm encontrado na disposição de avançar6 ao mesmo ritmo na construção comunitária; há Estados (como tem sucedido tipicamente com o Reino Unido) que parecem andar sempre um pouco "a reboque" dos restantes, ao passo que outros têm normalmente tomado a dianteira.

Ora, com a revisão operada pelo Tratado de Amesterdão, consagrou-se o entendimento de não ser desejável que os Estados dispostos a avançar mais na via da integração ficassem limitados pelos que não desejassem progredir à mesma velocidade7; mas também se veiculou o pensamento de que seria desprovido de sentido obrigar todos os Estados a caminhar mais rapidamente, sempre que alguns o não quisessem. A fórmula encontrada visou satisfazer ambas as considerações: permitir, aos que pretendessem ir mais depressa, fazê-lo; todavia, sem prejuízo da posição dos restantes.

O...

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