Dimensões subjetivas e objetivas da formação do negro norte-americano/Subjective and objective dimension the of formation of black north American.

AutorBatista, Waleska Miguel

DU BOIS, W. E. B. As almas do povo negro. Tradução de Alexandre Boide. Ilustrações de Luciano Feijão. Prefácio de Silvio Luiz de Almeida. São Paulo: Veneta, 2021.

This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License

William Edward Burghardt Du Bois, conhecido como W. E. B. Du Bois, foi um dos grandes intelectuais do século XX, tendo ampla produção em ensaios, artigos e intervenções políticas sobre as disparidades raciais e sociais nos Estados Unidos da América. Du Bois foi o primeiro homem negro a ingressar na Universidade de Harvard, onde recebeu o título de Doutor em 1895, e também frequentou a Universidade Humboldt de Berlim.

A trajetória do autor é fundamental para que se compreenda as bases de sua reflexão sobre a questão racial, com dimensões em todo o mundo. Du Bois nasceu livre, no estado de Massachusetts (1), em 1868. O avô paterno, de W. E. B. Du Bois, Alexander Du Bois (1803-1887), assumiu sua identidade de negroapesar de ter a pele clara. Alfred, pai de W.E.B. Du Bois, se separou da mãe do autor logo após o seu nascimento, de modo que não teve muito contato com a família paterna até os seus quinze anos (DU BOIS, 2021:

72). (2)

Sociólogo de formação e ativista político, W. E. B. Du Bois desenvolveu uma análise profunda sobre a constituição do negro norte-americano. Desse modo, foi muito sofisticado em demonstrar a complexidade da sociedade estadunidense apontando não apenas a situação racial do país, mas também os processos de formação da subjetividade humana como um todo. Além disso, sem perder de vista a necessidade de organização política, foi fundador da National Association for the Advancement of Color People (NAACP) em 1909, uma das mais importantes organizações negras dos Estados Unidos.

A obra "As almas do povo negro" foi publicada pela primeira vez em 1903, e apresenta a trajetória dos negros após a abolição da escravatura e da Guerra Civil Americana (1861-1865), bem como o impacto das decisões da Suprema Corte no Caso Dred-Scott (1856), em que decidiu que os negros não tinham direito de gozar de nenhuma cidadania ou direito constitucional. (3) A seguir, em 1896, no caso Plessy versus Ferguson, engendrou a doutrina do separate, but equal. (4)

A obra é formada por um conjunto de ensaios que tratam sobre raça, trabalho, educação e cultura de homens e mulheres recém libertos, demonstrando os impactos da escravidão na condição material e na formação subjetiva do negro. Du Bois parte de uma pergunta central: "Como é a sensação de ser um problema?" (DU BOIS, 2021: 21) para analisar a experiência do negro de ser visto e de ver a si próprio como um ser apartado e diferente socialmente.

Du Bois evidencia que a violência da escravidão, as características da Emancipação, (5) bem como as falhas da Reconstrução (6) deixaram marcas profundas nas relações entre brancos e negros. Para delinear os contornos dessas relações, utiliza dois conceitos fundamentais: véu e dupla consciência, os quais integram as dimensões objetivas e subjetivas do negro e do branco. O autor conclui que "o problema do século XX é o problema de linha de cor" (DU BOIS, 2021: 35), referindo-se à discriminação racial nos Estados Unidos.

As concepções articuladas pelo autor são referentes à dupla consciência de ser negro e um cidadão dos Estados Unidos, sobre a importância das igrejas negras enquanto esperança em favor da libertação e o significado do véu, utilizado como metáfora do véu que foi rasgado por Deus após a morte de Jesus Cristo para salvação da humanidade conforme ensinamento em muitas igrejas cristãs.

A dupla consciência integra uma sociedade permeada por contradições, em que há cidadania para brancos e ausência de liberdade para negros, como se não fossem todos estadunidenses e apresenta-se nas relações sociais em que tenta conformar e disciplinar o negro para subserviência enquanto promove ao branco a liberdade de ser o que quiser.

Em outras palavras, o negro está submetido a uma consciência cindida, vivendo o dilema definido por "uma sensação peculiar, essa consciência dual, essa experiência de sempre enxergar a si mesmo pelos olhos dos outros, de medir a própria alma pela régua de um mundo que se diverte ao encará-lo com desprezo e pena" (DU BOIS, 2021: 23). O conflito entre esses dois polos indissociáveis também evidencia o desejo do negro de retomar a consciência de si mesmo, isto é, de "fundir esse duplo eu em um único indivíduo, melhor e mais verdadeiro [...] ele simplesmente deseja tornar possível para um homem ser ao mesmo tempo negro e norte-americano" (DU BOIS, 2021: 23). A esse respeito, Du Bois relata o momento em que teve a percepção da consciência cindida em sua vida:

Em uma pequena escola de madeira, algum motivo levou os meninos e as meninas a comprar belíssimos cartões de visita--a dez centavos de dólar o pacote-e os trocar entre si. A troca estava divertida, até que uma garota, alta e recém-chegada, recusou meu cartão-e de forma categórica, com um olhar. Foi quando me veio a percepção quase imediata de que eu era diferente dos demais; ou semelhante, talvez em termos de coração e de força vital e de aspirações, mas apartado do mundo deles por um enorme véu. Não senti nenhum desejo de rasgar esse véu; de atravessá -lo; passei a desprezar todos os que estava do outro lado e a viver acima desse véu em uma região de céu azul e grandes sombras errantes (DU BOIS...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT