Direito ao esquecimento como resposta à superexposição de crianças e adolescentes

AutorGuilherme Magalhães Martins e João Alexandre Silva Alves Guimarães
Páginas421-443
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DIREITO AO ESQUECIMENTO
COMO RESPOSTA À SUPEREXPOSIÇÃO
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Guilherme Magalhães Martins
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Professor
associado de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Professor permanente do Doutorado em Direito, Instituições e Negócios
da Universidade Federal Fluminense. Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ.
João Alexandre Silva Alves Guimarães
Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em Direito
da União Europeia pela Universidade do Minho, Portugal. Associado do Instituto
Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC, Associado Fundador do
Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD, Membro do Comitê Executivo do
Laboratório de Direitos Humanos – LabDH da Universidade Federal de Uberlândia.
Sumário: 1. Introdução – 2. Liberdade de expressão e consentimento – 3. O direito ao esquecimen-
to – 4. Direito ao esquecimento em resposta ao sharenting e a superexposição – 5. Conclusão – 6.
Referências.
1. INTRODUÇÃO
A internet, de forma global, é cada vez mais utilizada e alimentada com um exces-
sivo número de informações, especialmente de cunho pessoal, possibilitando que nada
seja esquecido. Antigamente, quem desejasse manter o anonimato precisava apenas de
impedir que seu nome e número de telefone constassem das listas telefónicas, vulgar-
mente conhecidas por “páginas amarelas”. Porém, atualmente, mesmo tomando todas
as medidas em prol da preservação da privacidade, é praticamente difícil mantê-la. Uma
informação que antes poderia levar meses ou até mesmo anos para ser adquirida, pode
agora ser consultada com facilidade, estando à disposição dos usuários da internet.1
Viktor Mayer-Schönberger af‌irma que enquanto estamos constantemente esque-
cendo e reconstruindo elementos do nosso passado, a generalidade dos internautas
continua a acessar a lembrança digital e os fatos que não foram reconstruídos. Assim,
como o passado que lembramos vai mudando e evoluindo, o passado capturado na
memória digital é constante e permanece congelado no tempo. É provável que essas
1. SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Direito, Tecnologia e Práticas Punitivas. Porto Alegre: Canal Ciências
Criminais, Posição 488-489 (Kindle Edition), 2016.
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GUILHERME MAGALHÃES MARTINS E JOÃO ALEXANDRE SILVA ALVES GUIMARÃES
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duas visões entrem em choque, ou seja, a memória congelada que os outros têm
sobre nós e a memória emergente em evolução que carregamos em nossas mentes.
Nenhuma delas é uma representação precisa e completa do que somos. A primeira
está trancada no tempo, enquanto a última, a interpretação do passado da nossa
mente, é fortemente inf‌luenciada por quem somos no presente.2
Schönberger af‌irma que as novas tecnologias fazem do ato de esquecer, que
antes era regra, exceção. Por isso precisamos de mecanismos, legais e tecnológicos,
para encontrar o equilíbrio. Não se trata apenas de perdoar atitudes questionáveis,
mas de assumir que ações comuns, como as de tirar fotos ou entabular conversas
privadas, se porventura descontextualizadas não podem ser critério para def‌inir o
caráter ou a competência de alguém. O referido autor defende que as pessoas tenham
total controle sobre as suas pegadas digitais: fotograf‌ias poderiam ter data de validade
e ser apagadas depois de um certo tempo.3
O problema que enfrentamos hoje é a superexposição das vidas pessoas dentro
das redes sociais. Cada vez mais os usuários alimentam as redes sociais com fotograf‌ias
do seu dia a dia, e acabam compartilhando fotos de crianças e adolescentes. E nesse
momento temos em sério embate entre a liberdade dos pais e familiares publicarem
fotos de crianças e adolescentes, e na maioria das vezes sem o consentimento deles
ou mesmo sem a ciência dos menores.
Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, vê a privacidade como um obstáculo
mesquinho para uma grande visão de um mundo interconectado. O principal desaf‌io
do Facebook para seus negócios é reconciliar o paradoxo entre a preocupação dos
usuários com sua privacidade e o interesse pela vida privada daqueles em sua rede.
Em outras palavras, as pessoas desejam os benefícios sociais da revelação enquanto
controlam como e quando se revelam. Eles podem querer controlar o quê, quando e
como do que revelam, mas os prazeres da revelação parecem ser mais poderosos do
que o desejo de “f‌icar fora” do Facebook.4
E o por que as redes sociais são tão populares? Alguns podem postar no Facebook
para manter o contato com amigos distantes, alguns usam para resolver problemas
internos ou alguns simplesmente usam como uma forma de complementar suas
redes off‌line. Baker e Moore criaram uma tipologia de blogueiros que pode ser útil
para explicar os usuários do Facebook. Os blogueiros, eles argumentaram, blogam
por razões terapêuticas, para se conectar com outras pessoas, como uma substituição
para relacionamentos off‌line ou para enfatizar um eu idealizado em vez de um eu
sem censura.5
2. MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age. Princeton University
Press; Edição: Revised ed. for Kindle, p. 106-107, 25 jul. 2011.
3. MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Delete cit., p. 2.
4. MARICHAL, José. Facebook Democracy (Política e Relações Internacionais). Taylor e Francis. Edição do
Kindle. p. 34.
5. BAKER, J.R.; MOORE, S.M. Creation and validation of the personal blogging style scale. Cyberpsychology,
Behavior, and Social Networking, v. 14, n. 6, 379-385, 2010.
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