Direito à cidade e espaços territoriais: contradições do poder público nos reassentamentos / Right to the city and territorial space: government of contradictions in resettlement

AutorGleny Terezinha Duro Guimarães, Betina Ahlert
CargoProfa. Dra. Titular da Faculdade de Serviço Social da PUCRS. Pós-doutorado em Serviço Social. Coordenadora desde 1996 do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Assistência Social. E-mail: gleny@pucrs.br - Doutoranda no Programa de Pós-graduação do Curso de Serviço Social da PUCRS. E-mail: Asbetinaa@gmail.com
Páginas459-482
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.20215
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721 pp.459-482 459
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O artigo tem o objetivo de refletir sobre o direito ao usufruto do espaço territorial de famílias que
são afetadas pelo processo de reassentament o urbano. Foi utilizado o método dedutivo, a partir de
uma revisão bibliográfica à luz do materialismo histórico e dialético e da teoria do espaço de Agnes
Heller. O contexto desta reflexão é a garantia do direito à cidade, assegurado no capítulo da
Reforma Urbana da Constituição Federalde 1988, que, porém, nem sempre se materializa, em
decorrência das contradições inerentes à sociedade capitalista, cujos resultados imanentes são a
segregação socioespacial e as desigualdades sociais. Este artigo demonstra que o direito à moradia
está indissociavelmente vinculado a um fascismo financeiro; que o papel do poder público é
fundamental na garantia do direito das famílias reassentadas, mas contraditoriamente ele também
serve aos interesses econômicos e à especulação imobiliária. O resultado deste artigo demonstra
que a participação das famílias no processo de reassentamento involuntário é fundamental
enquanto expressão de resistência à ação do Estado e enquanto forma de engajamento nos
movimentos sociais urbanos, já que o direit o à cidade é necessariamente coletivo.
- território, reassentamento, política pública, participação popular, Estado.
This paper aims to reflect on the usufruct righ ts of the territorial space by families who ar e affected
by urban resettlement process. The deductive method was used, based on a literature review from
the perspective of dialectical and historical materialism and Agnes Heller’s theory of space. The
context of this reflection is the guarantee of the right to the city, assured by the Federal
Constitution of 1988 in the chapter on Urban Reform, which however does not always materialize,
due to the contradictions inherent in capitalist society, whose immanent results are socio-spati al
segregation and social inequalities. This work demonstrates that the right to housing is inextricably
linked to a financial fascism; the role of government is crucial in ensuring the right of the resettled
families, but paradoxically this same government serves the economic interests and real-estat e
speculation. The results of this paper show that the participation of families in the involuntary
resettlement process is critical as resistance expression to the action of the state and as a form of
engagement in urban social movements, af ter all the right to the city is necessarily collective.
territory, resettlement, public policies, pop ular participation, Government.
1 Profa. Dra. Titular da Faculdade de Serviço Social da PUCRS. Pós-doutorado em Serviço Social.
Coordenadora desde 1996 do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Assistência Social. E-mail:
gleny@pucrs.br
2 Doutoranda no Programa de Pós-graduação do Curso de Serviço Social da PUCRS. E-mail:
Asbetinaa@gmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.20215
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721 pp.459-482 460
A Constituição Federal de 1988 representa um grande avanço no que diz respeito à
garantia do direito à cidade, especificamente no capítulo da Reforma Urbana, que apresenta pela
primeira vez a função social da propriedade como um instrumento da produção das cidades. O
direito à moradia, entendido aqui como eixo fundamental (apesar de não único) do direito à
cidade, é definido como um dos direitos sociais fundamentais, tal como o direito à saúde, à
educação, entre outros.
Apesar da mobilização dos movimentos sociais e da sociedade civil na construção da
Constituição Federal - que foi capaz de garantir avanços legais não vistos em momento anterior na
sociedade brasileira - a Constituição Federal, por si só, não foi capaz de promover reformas
estruturais, visto que a presença da ideologia liberal está nas entrelinhas do discurso constitucional
e do aparato jurídico que garante os direitos sociais. Pressupõe-se que uma forte evidência disso
seja a prevalência da propriedade privada enquanto garantia legal, reafirmando o papel
fundamental da propriedade na estrutura do modo de produção capitalista. Há, inclusive, um
processo de naturalização em torno dessa questão na atualidade. Trata-se de uma contradição
sintomática que revela, mesmo que de forma sutil, a disputa de interesses antagônicos, uma vez
que “[...] vivemos num mundo onde os direitos de propriedade privada e as taxas de lucro se
sobrepõem a todas as outras noções de direito” (HARVEY, 2012, p. 73).
O direito à cidade não é um direito individual, mas coletivo, uma vez que a produção das
cidades ocorre através do processo de desenvolvimento urbano que condiciona questões comuns
aos seus moradores, permeadas pelas contradições inerentes à sociedade capitalista e, nela, ao
papel do Estado: de um lado, atender à manutenção do modo de produção capitalista e, de outro,
às demandas necessárias à reprodução da força de trabalho (CASTWLLS, 2000; LOJKINE, 1981;
KOWARICK, 1985; MOISÉS, 1985). O processo de desenvolvimento não ocorre de forma igual para
todos, pois a dinâmica da produção na sociedade capitalista privilegia o setor econômico em
detrimento de outros, como o social, a saúde, habitação, educação. O desenvolvimento urbano
evidencia este privilégio através da segregação dos espaços territoriais geralmente ocupados pela
classe trabalhadora.
Diante disso, desde o início da constituição das cidades brasileiras, o crescimento do tecido
urbano foi se dando de forma desigual, onde as famílias dos trabalhadores correntemente ocupam
áreas sem infraestrutura, e com condições de moradia marcadas pela precarização, pela

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