Direito Constitucional. Direito Econômico. Propriedade industrial. Proibição legislativa do registro de novas marcas de cigarro

AutorFábio Cesar dos Santos Oliveira
Páginas288-300

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PARECER/INPI/PROC/DICONS 052/2003

Em 2.12.2003

Ementa: Direito Constitucional. Direito Económico. Propriedade Industrial.

I - As restrições à publicidade de atividades licitas devem atender a um interesse substancial e impor limitações proporcionais aos fins almejados.

II - A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa são valores constitucionais que devem ser realizados de modo não antagónico.

III - É inconstitucional a proposta legislativa que proíba o registro de novas marcas de cigarro por ser medida impeditiva da livre iniciativa e da livre concorrência (arts. 1-, (V, 170, "caput" e IV, da Constituição da República de 1988), configurando restrição não razoável à ativi-dade empresarial, tendo em vista o direito de propriedade assegurado ao titular de uma marca (art. 5-, XXIX e LIV da Constituição da República de 1988).

Senhor Chefe da Divisão de Consultoria:

Vem a esta Procuradoria Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, nos termos dos arts. e 10, caput, da Lei 10.480, de 2.7.2002, Consulta encaminhada pela Coordenação de Assuntos Jurídicos, do Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comercio Exterior, à Divisão de Consultoria do Instituto Nacional cia Propriedade Industriai para que esta manifeste-se acerca da licitude da proibição de registro de novas marcas de cigarros.

Do mérito
  1. O tabagismo, segundo pesquisa divulgada pela Organização Pan-America-na da Saúde,1 é responsável pela morte de quatro milhões de pessoas anualmente, e estima-se que em 2030, este número passará a ser de dez milhões. A preponderância do número de mortes causadas por doenças não infecciosas em comparação com as transmissíveis teve, como um dos seus principais fatores, as doenças crónicas associadas ao consumo do tabaco, tais como car-díopatias, câncer e doenças pulmonares. Pesquisas científicas concluíram que:

    "Os que fumam a longo tempo têm 50% de possibilidades de morrer de uma doença relacionada com o tabaco. Cerca de metade dessas mortes ocorrerá na meia-idade (entre 35 a 69 anos).

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    "Na América do Norle, o tabagismo é responsável por mais mortes que as causadas pelo consumo de álcool e de outras drogas, acidentes de carro, assassinatos, suicídios e AIDS combinadas.

    "Dados de países desenvolvidos indicam que o tabagismo é responsável por cerca de uma terça parte de todas as mortes por cardiopatias e por um terço de todas as mortes por câncer. A maioria das mortes causadas pelo fumo devem-se a doenças do coração.

    "Em muitos países em desenvolvimento, o câncer de pulmão tem aumentado entre as mulheres. Hoje em dia, em muitos países desenvolvidos, incluindo o Canadá e os Estados unidos, o câncer de pulmão ultrapassa o câncer de mama corno o câncer que mais mata as mulheres.

    Além de causar mais cardiopatias e várias formas de câncer, o tabagismo causa enfisema, doenças de obstrução crónica dos pulmões, gangrena e pode contribuir para a impotência sexual.

  2. O Instituto Nacional do Câncer, em Nota Técnica, acostada às fls. 03/07, deixou assente que:

    "O tabagismo é uma doença resultante da capacidade da nicotina causar dependência, estando classificado internacionalmente no grupo de transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas, na Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

    "Em todos os produtos fumígenos derivados do tabaco (cigarros, charutos, cachimbos e outros) encontramos nicotina. Ela é uma substância psicoativa, que causa dependência física, reforçando e potencializando a vontade de fumar,

    "A maior parte dos fumantes continua a fumar porque não consegue parar pela livre escolha. Através da nicotina, o cigarro causa forte dependência, reduzindo a possibilidade que o indivíduo tem de escolher não fumar. (...)

    "No que se refere à sugestão da proibição do registro de novas marcas de cigarro, não temos conhecimento de nenhuma proposta legislativa nesse sentido. Recentemente, foi publicado um livro pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) sobre Legislação para o controle do tabagismo que aborda essa questão. A justificativa apresentada no livro é que a introdução de novas marcas variedades de produtos derivados do tabaco no mercado está associada com o incremento do consumo entre grupos específicos a população, como mulheres e jovens. A medida impediria a proliferação de novas marcas e variedades de produtos do tabaco. Especificamente para esta proposta, é necessário avaliar juridicamente se eia não prejudicaria direitos adquiridos e garantias relacionadas àpropriedade industrial, previstos no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual, ainda não existe uma recomendação nesse sentido."

  3. Com o intuito de definir as linhas gerais que devem ser inseridas nas legislações antitabagistas, a Organização Pan-Americana da Saúde publicou o relatório Developing Legislation for Tobacco Con-troí: Template and Guidelines,2 que, conquanto incentive a adoção de medidas de prevenção e combate ao tabagismo, envolvendo a produção, distribuição, comercialização e propaganda de cigarros, não propugnou a proibição de registro de novas marcas, preferindo regular as mensagens publicitárias relacionadas a estes produtos

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    a fim de que o consumidor tenha ciência dos riscos maléficos à sua saúde, vedando o uso de imagens e símbolos que desfigurem os efeitos prejudiciais decorrentes do tabagismo e condicionando a admissibilidade de novas marcas à submissão aos regulamentos elaborados pelas autoridades nacionais competentes.

    II

  4. A preocupação com os efeitos deletérios associados ao tabaco é comum a diversos ordenamentos jurídicos.Recorrendo-se às experiências do direito comparado, com a prudência de evitar-se mimetismo equivocado, mostra-se de relevante valia a análise da experiência francesa e da sua lei de "luta contra o tabagismo e o alcoolismo" que, em seu art. 3a, veda toda propaganda ou publicidade, direta ou indireta, em favor do tabaco e de produtos feitos de tabaco, bem como sua distribuição gratuita; restringindo sua publicidade ao interior de estabelecimentos comerciais especializados. O Conselho Constitucional ao julgar arguição de constitucionalidade deste dispositivo (Décision 90-283, du janvier 1991), por eventual violação ao direito de propriedade, da liberdade de iniciativa, e aos ans. 1° e 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, entendeu não haver contrariedade aos dispositivos constitucionais invocados, uma vez que:

    "as finalidades e as condições de exercício do direito de propriedade sofreram desde 1789 uma evolução caracterizada por uma extensão de seu campo de aplicação a domínios novos; e dentre estes figura o direito do proprietário de uma marca de fábrica, de comércio ou de serviço, de utilizá-la e de a proteger dentro dos parâmetros definidos pela lei e compromissos internacionais da França;

    "8. Considerando que a evolução que conheceu o direito de propriedade caracteriza-se igualmente pelas limitações ao seu exercício exigidas em nome do interesse geral, que são notadamente visadas pelo conjunto de medidas destinadas a garantir a todos; em conformidade com a décima primeira alínea do Preâmbulo da Constituição de 27 de outubro de 1946, 'a proteção da saúde'; (...).

    "10. Considerando que, sem dúvida, a proibição da publicidade e da propaganda em favor do tabaco é suscetível de afetar o exercício do direito de propriedade de uma marca concernente ao tabaco ou produtos de tabaco;

    "11. Mas considerando que estas disposições encontram seu fundamento no princípio constitucional da proteção à saúde pública; eque, por enquanto, alei reserva a possibilidade de fazer a publicidade no interior de estabelecimentos comerciais especializados, que a interdição editada pelo art. 3° da lei referida não produzirá todos os seus efeitos antes de l9 de janeiro de 1993; (...) a limitação positivada pelo art; 39, a certas modalidades do exercício do direito de propriedade, não é contrária à Constituição; (...)

    "13. Considerando que os autores da ação sustentam que o art. 3S viola o direito da livre iniciativa pela razão que seu exercício implica em submeter os produtos do tabaco às leis de mercado e da concorrência, e que esta supõe a informação do consumidor e uma possibilidade de difusão dos produtos;

    "14. Considerando que a livre iniciativa não é geral nem absoluta, que é lícito ao legislador estabelecer limitações exigidas pelo interesse geral sob a condição de não desnaturá-la;

    "15. Considerando que o art. 3° da lei interdita nem a produção, nem a distribuição, nem a venda de tabaco ou de produtos de tabaco; que está reservada a possibilidade de informar o consumidor no interior de estabelecimentos especializados; que a proibição de outras formas de publicidade ou de propaganda estão fundadas sobre as exigências de proteção da saúde pública, que têm valor constitucional; o art. 3" da lei, por conseguinte, não veicula uma limi-

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    tacão à liberdade de iniciativa que seria contrária à Constituição;"3

  5. No entanto, julgando hipótese semelhante, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em Lorillard Tobacco Co. et ai vs. Reilly, Attorney General of Massachusetts, et ai., adotou argumentação diversa ao ter por inconstitucional a legislação do Estado de Massachusetts que veiculava regras sobre a propaganda e venda de cigarros. Tendo em vista que o ordenamento norte-ame-ricano define a publicidade como utii con-sectário da liberdade de expressão, a Corte aplicou o precedente firmado em Central Hudson Gas & Eletric Corp. vs. Public Service Comission of New York, segundo o qual: "(1) Se a comunicação não é enganosa e tampouco relacionada a atividade ilegal, o poder do governo é mais circunscrito. (2) O Estado deve definir o interesse substancial a ser alcançado pelas restrições sobre a propaganda. (3) Ademais, a técnica regulaiória deve ser proporcional a este interesse. (4) A limitação da liberdade de expressão deve ser cuidadosamente delimitada pelo alcance do...

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