O Direito Fundamental à previdência. Sua evolução e Caracterização como Direito Social

AutorFernando Basto Ferraz - Elizabeth Alice Barbosa Silva de Araujo - William Paiva Marques Júnior
Páginas217-224

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Apresentação

O presente trabalho constitui uma introdução a um artigo a ser desenvolvido, com o propósito de contribuição ao direito previdenciário, sob uma perspectiva constitucional. é também uma transcrição adaptada do que foi apresentado em sala de aula por este acadêmico, por ocasião de uma de suas provas orais junto ao Professor Fernando Ferraz.

A ideia básica é a de que, no rol dos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal de 1988, um dos que passam por uma mutação mais severa é o direito fundamental à previdência. Há uma série de fatores que explica isso, não somente por uma maior preocupação estatal com as finanças públicas, como também pela incontestável alteração demógrafica da população brasileira: as mulheres estão tendo menos filhos, o que altera, a longo prazo o número de contribuintes ao regime geral de previdência social (RGPS); a expectativa de vida da população se eleva, o que onera os custos do regime.

De início, tratarei das origens da previdência social, na unificação da Alemanha, sob inspiração de Otto Von Bismarck, ao modelo britânico, e a sua previsão nas Constituições brasileiras, principalmente na CF/88. Especificamente quanto à atual Constituição, necessárias as alterações no Direito Constitucional Previdenciário brasileiro, na redação original da Constituição, bem como pelas emendas que foram propos-tas (EC n. 3/93, EC n. 20/98, EC n. 41/2003, EC n. 47/2003). Além disso, será feita uma comparação entre o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), previsto no art. 201 da CF/88, além do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), de natureza estatutária e tendo por destinatários os servidores públicos inativos, além do Regime Complementar de Previdência. Quanto a este último, de natureza privada, será analisado tanto os regimes ditos fechados de previdência quanto os denominados regimes "abertos" de previdência.

Após serão analisadas algumas decisões do STF e STJ sobre questões envolvendo a temática previdenciária, mas sob o enfoque constitucional. Quanto ao Supremo, será analisado seu ponto de vista quanto às alterações nos regimes previdenciários no Brasil por meio das principais emendas à Constituição alteradoras do Regime Geral e Próprio de Previdência, especialmente no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade 3.105 e 3.128.

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1. origens dos direitos sociais o estado social de direito

O direito, especialmente o constitucional, não é fruto somente da lógica.1 Muitas vezes, é produto de embates históricos, especialmente da e na Política.

O desenvolvimento dos direitos sociais deu-se no chamado Estado Social de Direito, posterior ao denominado Estado Liberal Direito. Tal processo de desenvolvimento dos "Estados" de Direito é cumulativo. Isto porque as conquistas de direitos, em suas diferentes "gerações" (rectius: dimensões), além dos avanços institucionais alcançados, do Liberalismo até hoje, permanecem. Aceitando o princípio da proibição de retrocesso2, devem ser considerados tais avanços, e procurar localizá-los em nossa atual Constituição.

O Estado Liberal de Direito, surgido após as revoluções liberais burguesas (Gloriosa, norte--americana e francesa), teve o seu ápice no século XIX, fracassando no início do século xx, originando nas Constituições os chamados direitos sociais nas constituições da época, após doutrinas constitucionais "alternativas".

E tais "opções constitucionais alternativas" (leia-se socialismo) forçaram uma releitura do Estado e seus objetivos, a serem positivados nas constituições, pelos dirigentes do poder à época.

Tal ponto de vista é expressamente defendido por Bonavides (1993, p. 179-180):

Uma constante, a nosso ver, explica o aparecimento do Estado social: a intervenção ideológica do socialismo.

Empregamos a palavra socialismo no seu sentido mais genérico e histórico, desde as utopias de fins do século XVIII à consolidação das teses marxistas, em nossos dias. Desde o socialismo utópico ao chamado socialismo científico. Desde a conspiração de Baboeuf aos assaltos da Comuna de Paris. Desde a fundação da Primeira Internacional à tomada do poder pelos bolchevistas russos, há cinquenta anos.

Luís Roberto Barroso (2000, p. 108) coloca tal perspectiva histórica num enfoque constitucional:

O avanço do socialismo científico - não apenas no campo da propagação de ideias, mas de sua efetiva adoção como forma de organização político-econômica por um terço da humanidade - rompeu a dogmática unitária do constitucionalismo liberal. O primeiro pós-guerra assiste ao surgimento do constitucionalismo social, na forma de compromisso entre a burguesia e o proletariado em ascensão. Já não há mais o "monopólio ideológico" dos princípios a serem gravados na Constituição. Preservados, embora, os postulados essenciais do liberal-capitalismo, eles incorporam a tutela de alguns interesses das classes trabalhadoras e dos desfavorecidos em geral. Obrigada a ceder no plano da superestrutura jurídica, a resistência burguesa se transferiu para a tentativa de minimizar, na prática, o avanço social, inclusive pela negação do caráter jurídico das normas que o propiciavam.

Superada esta fase, com o reconhecimento da índole normativa das regras que conferem direitos sociais, nem por isto sua operatividade prática deixou de ser um problema à espera de soluções. Esses direitos, como intuitivo, tutelam, em última análise, interesses e bens volta-dos à realização da justiça social.

No início do séc. xx, tendo como marco as constituições mexicana (1917) e alemã de Weimar (1919), começa o denominado Estado Social de Direito. A perceber que neste Estado o "social" é seu próprio epíteto, vale dizer, corresponde ao próprio

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princípio político fundamental (meta primordial) a ser sempre alcançada por esta espécie de Estado de direito. No Brasil, o Estado Social se inicia com a Constituição de 1934, que passou a prever um rol de direitos sociais em seu texto.

O principal legado do Estado social foi o advento dos direitos sociais. Antes de explicá-los, faz-se mister esclarecer uma confusão comum, qual seja, entre a terminologia Estado social e socialista.

Na acepção de Paulo Bonavides (1993, p. 45):

Esse contraste que assim estabelecemos nos permite escapar ao erro usual de muitos que confundem o estado social com o estado socialista, ou com uma socialização necessariamente esquerdista, da qual venha a ser o prenúncio, o momento preparatório, a transição iminente. Nada disso.

O Estado social representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado proletário, que o socialismo marxista intenta implantar: é que ele conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardial a que não renuncia.

O Estado social não foi apenas um período histórico (para alguns, como o historiador Eric Hobsbawm a chamou de "Era da Catástrofe", de 1914 até 1945; para outros, como a maioria dos doutrinadores de Constitucional, seus símbolos iniciais foram as Constituições mexicana, de 1917 e de Weimar, de 1919), mas uma própria "refundação" do Estado, em suas bases econômicas e sociais. De início, o que antes era visto como caso de polícia (a reivindicação das "questões sociais", no século XIX e início do século xx), após passou a ser objetivos do próprio - e de qualquer - Estado, fosse este socialista ou capitalista.

1.1. Características dos direitos sociais

Por "Social" entenda-se principalmente a previsão dos...

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