Direito de propriedade e desenvolvimento das cidades

AutorThanyson Dornelas de Melo
Páginas23-71
23
Capítulo 1
DIREITO DE PROPRIEDADE E
DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES
O avanço nas relações sociais no decorrer das décadas
provocou um deslocamento no foco da relação entre Estado e
indivíduos. Evoluiu-se de um Estado puramente liberal, cuja tarefa
residia, tão somente, na ausência de interferência na esfera privada
dos particulares, para um Estado social. Esse novo modelo perpassa
pela conscientização de direitos difusos, paulatinamente
reconhecidos como direitos fundamentais. Na defesa dos interesses
difusos, surge a preocupação com o meio ambiente sustentável. A
ideia de sustentabilidade está pautada na busca pela utilização mais
racional dos recursos disponíveis. O objetivo é garantir uma melhor
condição de vida para a presente e as futuras gerações.
Em consonância com essa preocupação, o processo de
urbanização das cidades, incluindo o direito de propriedade, começa
a ser revisto sob a ótica do desenvolvimento sustentável. Para tanto,
surge a necessidade de implementação de políticas públicas que
possam garantir ações eficientes voltadas para a melhoria da
qualidade de vida das pessoas, o desenvolvimento econômico e a
preservação do meio ambiente. Serão analisadas, no presente
capítulo, as funções sociais da propriedade e as políticas públicas
tendentes à efetivação dessa garantia constitucional. Apontar-se-ão
também os meios pelos quais a propriedade imobiliária urbana pode
ser regularizada no Brasil.
24
1.1 Propriedade: funções e regulações
O desenvolvimento das sociedades fez com que os Estados
se vissem, cada vez mais, chamados a prestar diversos direitos
sociais, tais como saúde, educação, moradia e trabalho. Mais
recentemente, embora de forma embrionária, começaram a garantir
os direitos metaindividuais e difusos, como o direito a um meio
ambiente saudável. Todavia, a concretização dessas políticas ainda
está longe de beneficiar todas as classes sociais. No contexto das
revoluções burguesas, especialmente, na segunda metade do século
XVIII, ocorreu a criação do Estado democrático, celeiro dos direitos
individuais. O objetivo foi dar maior grau de liberdade às pessoas.
São denominados direitos de primeira dimensão, representando um
conjunto de defesas contra o poder do Estado. Discorrendo sobre
essa temática, anote Fonte (2015, p. 93):
Nos termos da doutrina clássica, são direitos que
exigem um non facere dos poderes públicos,
dotados de plena eficácia, já que a simples
inércia estatal é suficiente para a efetividade dos
chamados direitos de defesa. São típicos
direitos individuais: o direito de propriedade, o
direito à incolumidade física, o direito à
liberdade de manifestação do pensamento.
Particularmente, o direito de propriedade revestia-se de
caráter absoluto. Para que tal direito fosse garantido, bastava que o
Estado não invadisse a esfera individual do cidadão, não sendo
necessária qualquer outra providência. Essa visão tinha matiz
fortemente liberal, fundada na independência do indivíduo. Foi
amplamente alargada com o advento do constitucionalismo
moderno, implantado após as revoluções liberais do século XVIII.
Coube-lhe inspirar as primeiras constituições limitadoras do poder
absoluto do Estado. Com base nas teorias de Montesquieu, foi criado
o princípio da tripartição do poder, cujo controle era feito pelo
25
sistema de freios e contrapesos. Nesse modelo, o direito de
propriedade ganhou especial proteção, conforme enfatiza Ribeiro
(2018, p. 119):
Influenciado pelos ideais revolucionários
burgueses, o direito advindo da Revolução
Francesa, nomeadamente o Código Civil de
1804 e demais codificações de inspiração liberal,
assim como a doutrina jurídica a partir daí
produzida sob o paradigma epistemológico
moderno, tinham como declarado objetivo
garantir a plena e incondicional liberdade
contratual e patrimonial do indivíduo, quer seja
em face de seus semelhantes, quer seja em face
do próprio Estado.
Os chamados direitos sociais começaram a ser garantidos nas
Constituições francesas de 1791 e 1848, e na Constituição alemã de
1849. Antes disso, as questões sociais eram de responsabilidade de
instituições privadas e de caridade. Vários fatores contribuíram para
a ascensão dos direitos sociais. Um deles foi o processo crescente de
industrialização, que forçou o deslocamento de grande massa de
trabalhadores para as cidades, em busca de trabalho nas indústrias.
O excesso de oferta de mão de obra provocou a primeira crise do
sistema capitalista. Em consequência, um grande contingente de
pessoas passou a necessitar de ajuda para se manter.
Segundo afirma Fonte (2015, p. 95), “os empresários e
empregadores acabaram por desejar transferir ao Estado os encargos
de cuidar dessas pessoas”. O Estado também se viu pressionado pelo
aumento da representação política dos menos favorecidos, por meio
de sindicatos. Esse novo cenário inspirou o nascimento do
constitucionalismo social, com a promulgação das Constituições do
México (1917) e da Alemanha (1919), conhecida como Constituição
de Weimar. Finalmente, com a ascensão do walfare State, após a
segunda guerra mundial, a promoção dos direitos sociais passou a
constituir um dos objetivos do Estado, ainda que em contraponto ao

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT