Multipropriedade imobiliária urbana

AutorThanyson Dornelas de Melo
Páginas73-110
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Capítulo 2
MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA URBANA
A multipropriedade imobiliária foi finalmente positivada no
Brasil por meio da Lei nº 13.777/2018. Todavia, o instituto possui
previsão no direito comparado desde a década de 1960, quando
surgiu provavelmente na França. Esse modo de titularidade
imobiliária permite a divisão da propriedade entre vários donos por
períodos determinados do ano. A medida possibilita que interessados
possam adquirir um imóvel por uma fração do valor que
dispenderiam com a aquisição do imóvel inteiro.
Apesar de só recentemente ter sido regularizado no Brasil, o
regime de multipropriedade imobiliária vinha sendo adotado em
empreendimentos hoteleiros e residenciais. Embora de forma
indireta, a multipropriedade estava prevista na Lei nº 11.771/2008 e
na Deliberação Normativa da Embratur nº 378/97, revogada. A
citada lei dispõe sobre a política nacional do turismo, estabelecendo
atribuições ao governo federal acerca do planejamento,
desenvolvimento e estímulo ao setor. Timidamente, em apenas um
dispositivo (art. 23, § 2º), define a “prestação de hospedagem em
tempo compartilhado” como sendo a “administração de intercâmbio,
entendida como organização e permuta de períodos de ocupação
entre cessionários de unidades habitacionais de distintos meios de
hospedagem”. a revogada Deliberação Normativa reconhecia o
“interesse turístico do sistema de tempo compartilhado em meios de
hospedagem de turismo”. Esse modelo deveria ser implementado
por meio de cessão pelo prazo mínimo de cinco anos, a qualquer
título, do “direito de ocupação de suas unidades habitacionais, por
períodos determinados do ano”.
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Como se observa, a multipropriedade prevista nesses
dispositivos dizia respeito, tão somente, a empreendimentos
turísticos, destinando-se, especificamente, à rede hoteleira. A
regulação mais específica da multipropriedade, inclusive os
procedimentos a serem adotados pelos cartórios de imóveis, só veio
a ocorrer dez anos depois, com a citada lei.
2.1 Gênese da multipropriedade imobiliária
A doutrina se divide acerca da origem da multipropriedade
imobiliária. Para a maioria dos estudiosos, teria ocorrido na França
durante os anos 1960. A outra parcela aponta a Espanha como berço
do instituto, durante o mesmo período. Discussões doutrinárias à
parte, na França, a multipropriedade está prevista em seu Código do
Consumidor (Lei nº 2009/888) e na Lei nº 88/18, que estabelece a
forma pela qual a multipropriété se constitui e se regula, conforme
dispõe, no art. 1º:
Les sociétés constituées en vue de l'attribution,
en totalité ou par fractions, d'immeubles à usage
principal d'habita tion en jouissa nce par
périodes aux associés auxquels n'est accordé
aucun droit de pr opriété ou autre droit r éel en
contrepar tie de leurs apports, sont régies par les
dispositions a pplicables aux sociétés sous
réserve des dispositions de la présente loi.
L'objet de ces sociétés comprend la construction
d'immeubles, l'acquisition d'immeubles ou de
droits réels immobiliers, l'aménagement ou la
restaur ation des immeubles a cquis ou sur
lesquels portent ces droits réels.
Il comprend aussi l'administration de ces
immeubles, l'acquisition et la gestion de leurs
éléments mobiliers conformes à la destination
des immeubles. Il peut également s'étendre à la
fourniture des services, au fonctionnement des
équipements collectifs nécessaires au logement
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ou à l'immeuble et de ceux conformes à la
destination de ce dernier, qui lui sont
directement ratta chés.11
A lei francesa possui pontos em comum com o texto legal
positivado no Brasil, conforme se verá adiante. Em seu art. 3º, prevê
que o coproprietário inadimplente, em face de decisão da assembleia
geral, pode ser impedido de usar, gozar e dispor de sua fração ideal
de tempo. O art. 5º dispõe sobre a nomeação de um administrador da
multipropriedade, com mandato de, no máximo, três anos,
renováveis, mediante decisão de coproprietários que representem
mais da metade das frações ideais da edificação. É da
responsabilidade dos condôminos o pagamento dos encargos
necessários para a operação, a conservação, a manutenção e a
administração do empreendimento, na proporção de sua fração ideal
ou do capital social que possuir (art. 9º). Nos termos do art. 13, é
obrigatória a realização de assembleia geral pelo menos uma vez ao
ano. Pode também ser convocada, em caráter extraordinário, por
deliberação do conselho fiscal ou por coproprietários que ostentem
pelo menos um quinto das frações ideais do condomínio. Preceitua
que cada condômino possui um número de votos proporcional à sua
fração ideal ou ao número de ações que detenha no capital social do
empreendimento (art. 15).
11 Empresas constituídas com vista à alocação, no todo ou em frações, de edifícios
para uso principal de im óveis residenciais usufruídos durante períodos por
parceiros aos quais não são concedidos direitos de propriedade ou outros direitos
reais em troca de suas contribuições, são regidos pelas disposições aplicáveis às
empresas sujeitas às disposições desta lei.
O objetivo dessas empresas inclui a construção de edifícios, a aquisição de
edifícios ou direitos de propriedade real, o desenvolvimento ou a restauração de
edifícios adquiridos ou aos quais esses direitos reais se relacionam.
II Também inclui a administração desses edifícios, a aquisição e o gerenciamento
de seus itens móveis de acordo com o destino d os edifícios. Pode também
estender-se à prestação de serviços, à operação do eq uipamento coletivo
necessário para a habitação ou o edifício e os correspondentes ao destino deste
último, que estão diretamente ligados a ele. (tradução livre)

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