Direitos fundamentais e o bloqueio de perfis: entre o dever de proteção do consumidor e a liberdade de expressão diante da propagação de fake news

AutorFernando Rodrigues Martins e Samuel Nunes Furtado
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de pós-graduação na Universidade Federal de Uberlândia. Presidente do Brasil-COM. 3º Promotor de Defesa do Consumidor. Orientador-coautor. / Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Membro discente do Laboratório de...
Páginas269-287
DIREITOS FUNDAMENTAIS E O BLOQUEIO DE
PERFIS: ENTRE O DEVER DE PROTEÇÃO DO
CONSUMIDOR E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIANTE DA PROPAGAÇÃO DE FAKE NEWS
Fernando Rodrigues Martins
Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Professor de pós-graduação na Universidade Federal de Uberlândia.
Presidente do Brasil-COM. 3º Promotor de Defesa do Consumidor. Orientador-coautor.
frodmartins@gmail.com.
Samuel Nunes Furtado
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Membro discente
do Laboratório de Direitos Humanos, Tecnologia e Inovação. Coautor de artigos e
livros coletivos. Estagiário na Promotoria de Defesa do Consumidor. samuel.nnunes@
outlook.com.
SUMÁRIO: Introdução – 1. Relações de consumo e internet – 2. Tipos de provedores e termos de
uso – 3. Os direitos fundamentais contemporaneamente; 3.1 Perspectiva historicista dos direitos
fundamentais; 3.2 O direito-dever de proteção do consumidor – 4. Novos paradigmas da teoria geral
do contrato e da responsabilidade civil – 5. Liberdade de expressão e remoção de conteúdo – 6.
Fake news, bloqueio e exclusão de pers – 7. Conclusão – Referências.
RESUMO: Trata-se de pesquisa com intuito de estudar a legalidade de convecção contratu-
al entre provedor e consumidor constando, o bloqueio e a exclusão de pers como forma
de evitar a produção e disseminação de Fake News. Inicialmente foram feitas algumas
ponderações sobre a constituição da relação de consumo na internet em detrimento da
privacidade. Após o que se buscou estudar mais incisivamente as gerações dos direitos
fundamentais, suas perspectivas e instrumentalização pelos contratos, bem como as
novas nuances paradigmáticas das relações jurídicas considerando as características
da sociedade informacional. Conclui-se que, desde que contratualmente previsto, é
legal o bloqueio ou mesmo exclusão de pers à vista da necessidade de se harmonizar
interesses individuais e coletivos.
INTRODUÇÃO
Ante a expansão e facilidade em escala mundial das Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs), a execução de atos da vida em meio eletrônico, sobretudo
os relacionamentos entre os indivíduos, aumentou exponencialmente impulsionada
pela velocidade interoperacional da internet. Atuando como ponte entre pessoas e
capitais, a World Wide Web se tornou a principal ferramenta de comunicação utiliza-
da pelos terminais eletrônicos, cuja intermediação é feita por empresas provedoras
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que, através da programação lógica de bytes, oferecem um ambiente disruptivo ao
consumidor, no qual, para além da existência física, passa a contar com um corpo
eletrônico ilimitado geográf‌ica e temporalmente.1
Nesta casuística ao Direito, como ciência, cabe a difícil tarefa de se alinhar ao
desenvolvimento dos aspectos tecnológicos e seus efeitos na esfera de proteção
dos bens jurídicos construídos nas garantias fundamentais, sob pena de perder sua
compatibilidade com a realidade, sucumbindo em seu objetivo f‌inalístico de tutela
da pessoa. Esta premissa permite inferir a necessidade do reconhecimento incipiente
de um novo modelo de estruturação social não mais pautado em átomos, tal como
no emergir da revolução industrial no século XVIII, antes em um conjunto lógico de
algoritmos cuja ordenação trouxe ressignif‌icação em uma gama de campos, dimen-
sões e conceitos variados; razão pela qual alterou fundamentalmente os “supostos”
construídos pelas normas à luz da observância dos fatos.2
Novos atores assumem espaço na interação entre particulares, cuja dinâmica
induz ao surgimento de novos riscos aos direitos fundamentais, especialmente con-
siderando seu caráter econômico diante surgimento em maior medida do capitalismo
de vigilância, no qual o usuário é levado a falsa crença de liberdade e aparente “gra-
tuidade” dos serviços oferecidos na internet em fomento a sua debilidade jurídica3.
Atente que esta dialética favorece a sistematização, vale dizer, institucionalização das
violações aos direitos fundamentais, por meio de cláusulas contratuais estruturadas
em um complexo jurídico limitativo e condicionante, porquanto restringe direitos
fundamentais, os instrumentaliza para lucros e subordina seu exercício a regras
predeterminadas, das quais ao consumidor cabe apenas ‘aceitar’ como requisito para
utilização dos serviços.
Patente, no seio das controvérsias trazias entre correntes instrumentalistas e
ontológicas4, a carência de regulamentação robusta para a manutenção da tutela
jurídica dos direitos fundamentais. Importante mencionar, a título introdutório, a
marca normativa da lei 12.965/14, regulamentando o uso da internet e instituindo
alguns deveres às empresas provedoras de conteúdo.
No entanto, lacunas subsistem, especialmente em torno da relação jurídica
que se desenvolve entre as empresas provedoras de redes sociais e seus usuários,
1. FURTADO, Samuel Nunes. MIRANDA, Frederico Cardoso, RASSI, Bruno Facuri Silva. Controles da Internet:
o ciber-utopismo do marco civil da internet no art. 19. In: LONGUI, João Victor Rozatti et, all. Fundamentos
do direito digital. Uberlândia: LAECC, 2020.
2. MARTINS, Fernando Rodrigues. Da vulnerabilidade digital à curiosa ‘vulnerabilidade empresarial’: polari-
zação da vida e responsabilidade civil do impulsionador de conteúdos falsos e odiosos na ‘idade’ da liberdade
econômica. Artigo Científ‌ico. Revista de Direito do Consumidor. 2020. p. 8.
3. Assim exposto por Lorenzetti, a internet de fato aumenta a capacidade de comunicação em escala mundial,
entretanto, essa dedução não leva a conclusão de que haja, por parte daquele, uma efetiva liberdade na
internet, porquanto restam falhas estruturais que limitam a racionalização das escolhas do consumidor “em
rede”. LORENZETTI, Ricardo Luís Trad. Fabiano Menke; Claudia Lima Marques. Comércio Eletrônico. São
Paulo: Ed. RT, 2004. p. 362.
4. LORENZETTI, Ricardo Luis Trad: MENKE, Fabiano. Comércio Eletrônico. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 49.
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