Direitos fundamentais 'goela abaixo': política afirmativa étnico-racial e heteronomia judicial

AutorLucas Correia de Lima - Rita de Cássia Dias
CargoDocente no Mestrado Acadêmico Estudos Interdisciplinares sobre Universidade (EISU). Doutora em Educação pela UFBA - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Federal da Bahia
Páginas117-137
Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009 Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009
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DIREITOS FUNDAMENTAIS “GOELA ABAIXO”: POLÍTICA
AFIRMATIVA ÉTNICO-RACIAL E HETERONOMIA JUDICIAL
FUNDAMENTAL RIGHTS “DOWN YOUR THROAT”: ETHNIC-RACIAL
AFFIRMATIVE ACTION AND JUDICIAL HETERONOMY
Rita de Cássia Dias Pereira de Jesus
Docente no Mestrado Acadêmico Estudos
Interdisciplinares sobre Universidade (EISU)
Doutora em Educação pela UFBA.
Graduada em Direito - UCSCAL).
E-mail: rcdias@ufrb.edu.br
https://orcid.org/0000-0002-2223-0945
Lucas Correia de Lima
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito
na Universidade Federal da Bahia,
área de concentração: Jurisdição Constitucional e Novos Direitos.
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares
sobre a Universidade (EISU) do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências
Professor Milton Santos, da Universidade Federal da Bahia - UFBA (2019).
E-mail: sucascorreia303@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-4094-4757
RESUMO
Na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, um grupo de estudantes beneficiários
da política de cotas raciais opta por não utilizar de tal recurso para acessar ao segundo
ciclo formativo, concorrendo às vagas de ampla concorrência e possibilitando que outros
estudantes, também negros, acessem a política de reserva de vagas. Tal procedimento
acirra a tensão sobre a política afirmativa. Objetiva-se com a presente pesquisa, investigar
se a política afirmativa de reserva de vagas pode ter sua aplicação imposta ao candidato
sujeito negro. Será utilizada a metodologia de análise de discurso a partir de um processo
judicial em que esta questão foi enfrentada, ao lado de leituras sobre o processo histórico
e a razão de tais políticas. Ao final, serão avaliadas as consequências da aplicação
impositiva da política afirmativa de cotas para o fim proposto da igualdade racial no
acesso ao ensino superior. Busca-se avaliar em que medida a contemporaneidade de
conflitos judiciais reinterpretam o direito à política afirmativa étnico-racial como medida
impositiva, resvalando no efeito reverso de acesso e igualdade de justiça racial almejada
pela ação.
Recebido: 19/01/2021
Aceito: 23/04/2022
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Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009 Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009
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Palavras-chave: Cotas; Negro; Universidade; Direitos; Justiça.
ABSTRACT
At the Federal University of Recôncavo da Bahia, a group of students benefiting from the
actions affirmatives chooses not to use the access feature to the second training cycle,
competing for widespread openings and allowing other students to also open up. Such a
procedure heightens the tension on affirmative politics. The objective of this paper, is to
investigate whether the affirmative policy of reserving vacancies is a fundamental right
that can be imposed on the black subject. The case study methodology of a judicial process
in which this issue is faced will be used, along with readings on the historical process
and the reason for such policies. In the end, they will be evaluated as consequences of
the imposing application of the affirmative quotas policy for the proposed end of racial
equality in access to higher education. It concludes by the contemporaneity of judicial
conflicts that reinterpret the right to affirmative ethnic-racial policy as an imposing
measure, slipping in no reverse effect of access and equality of racial justice desired by
the action.
Keywords: Affirmative Action; Black; University; Rights; Justice.
1. Introdução
Pode-se recusar o benefício de uma política afirmativa que, embora tendo sido
criada para um grupo do qual pertenço, não reconheço uma necessidade pessoal para
usufruí-la?
O questionamento acima gravita à problemática central deste trabalho. E guarda
contraditórias complexidades.
Assenta com amplo eco na doutrina1 entendimento de que os direitos fundamentais
não podem ser renunciados. O não exercício deles não pode ser confundido com a
renúncia2, pois enquanto lá uma posição de inércia em não usar, mas continuar a tê-
los, renunciar implicaria numa abdicação permanente e irrevogável, incompatível com a
condição de sujeito de direitos inerente de uma pessoa humana.
Há quem divirja de tal entendimento, asseverando que “não permitir que uma
pessoa, com plena capacidade de discernimento, negocie ou renuncie a direitos
fundamentais é violar um dos mais básicos atributos da dignidade da pessoa humana”3.
A renúncia seria, portanto, também um direito fundamental – o de renunciar a que se tem
1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2005.
2 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2008.
3 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos fundamentais, 2008, p. 439.

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