Direitos Humanos entre direito natural e direito positivo

AutorMarcelo D. Varella/Nitish Monebhurrun/André Pires Gontijo
Páginas63-104
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Capítulo 2
Direitos Humanos entre direito natural e direito positivo
A legitimação da proteção dos direitos humanos se realiza ora com
maior percepção positivista, ora com maior influência jusnaturalista. O
debate se torna importante para compreender os limites teóricos e práticos
dos operadores jurídicos na definição do que é direitos humanos, além das
fontes normativas formuladas expressamente pelos Estados. De certo
modo, a discussão sobre a legitimidade do ativismo judicial no plano
internacional revive os fundamentos jurídicos do jusnaturalismo do século
XIX. No plano internacional, contudo, a discussão se coloca sobre
fundamentos próprios. Ao contrário do direito doméstico, no direito
internacional, não uma Constituição global que poderia servir como
paralelo ao fundamento constitucional utilizado pelos magistrados
domésticos mais voluntaristas. Não há também tribunais constitucionais,
com legitimidade para dizer o direito. Contudo, a linguagem genérica dos
tratados pode contribuir para estabelecer princípios gerais sobre os quais a
margem de interpretação dos juízes internacionais seria ampliada.
A solução encontrada para ultrapassar os limites do positivismo
jurídico e do argumento da inexistência de fundamentos para obrigar os
Estados, além da interpretação literal dos tratados, tem sido o uso do
jusnaturalismo ou de uma lógica pós-positivista com contornos próprios
do direito internacional.
No caso dos direitos humanos, a Corte Interamericana e a Corte
Europeia de Direitos Humanos têm ampliado suas decisões a partir de
lógicas que fogem à forma tradicional de se construir o direito
internacional Público. Na Corte Interamericana, por exemplo, as ideias de
controle de convencionalidade, bloco de constitucionalidade, coisa
interpretada, por exemplo, são criações que procuram estender decisões
em casos concretos a todos os países latino-americanos e ampliar a
efetividade das decisões além do processo.
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O avanço de fundamentos jusnaturalistas a favor de
universalismos, ou de mínimos éticos imponíveis à humanidade, tem se
oposto ao argumento da autonomia dos Estados em aceitar ou não as
decisões internacionais e escolher seu próprio padrão de proteção dos
direitos humanos. O estudo dos fundamentos de cada forma estruturante
de construção dos direitos humanos pode ser útil para qualificar o debate
que se seguirá nesta obra. Uma vez que o tema do ativismo judicial já é
exaustivamente tratado na academia brasileira, haverá o esforço de apenas
relacionar o avanço do tema no Brasil com a sua discussão no direito
internacional sem, contudo, restaurar toda a vasta teoria subjacente.
1. Direito positivo e direito natural: a posição dos direitos
humanos
O positivismo jurídico pode ser definido como a corrente que
considera apenas o direito, o conjunto de normas posto pelas autoridades
competentes dos Estados. O próprio direito internacional se integra a
ordem jurídica nacional a partir da sua aceitação pelas autoridades
nacionais, exceto raros casos em se admite a sua imposição.115 Na proteção
de determinado direito, o poder com competência de produzir normas, em
geral o Poder Legislativo, determina o certo, também e o errado e o faz por
meio de normas jurídicas. Indica como a justiça deve ser concretizada no
plano abstrato.
A inovação jurídica no âmbito do positivismo ocorre pelos
diversos operadores jurídicos, especialmente os magistrados, que usam sua
margem de interpretação, trazendo à vida os conceitos vagos utilizados nas
normas jurídicas116. Dentro da lógica positivista, pode-se identificar
resquícios de direito natural, porque os magistrados devem suprir as
lacunas por meio da margem de apreciação prevista pelo legislativo. No
tocante aos tratados, podem ir além do negociado entre Estados, com base
no uso da razão, para trazer justiça em determinado caso concreto.
115 Um exemplo de imposição seriam as n ormas imperativas de direito internacional ou o
jus cogens.
116 Ver Bobbio, ob. cit.
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Direito natural ou Jusnaturalismo é o método de construir o direito
fundado no uso da razão da humanidade, identificado a partir do
julgamento pessoal do operador jurídico. Trata-se de uma lógica
tradicional, que encontra suas raízes na Grécia e preponderou no Ocidente
durante quase dois mil anos, com seu ápice durante o século XVII e XVIII.
Ao longo do tempo, importantes pensadores desenvolveram ideias sobre
os limites e as formas toleráveis de interpretação criativa do direito,
gerando o cenário que ainda hoje marca de forma substantiva a expansão
dos direitos humanos117. O direito natural, técnica de construir o direito,
não se confunde com os direitos naturais, com natureza subjetiva, inerentes
ao homem desde o seu nascimento, como os direitos humanos em si.
Entre os séculos XVIII e XX, o método Jusnaturalista enfraquece-
se face à corrente historicista e depois face ao positivismo jurídico. O
positivismo jurídico é o método de construir o direito fundado com base
na análise do direito em vigor em determinado território, ou seja, em
determinado povo, em determinada época118. Trata-se de uma lógica de
pensamento que ganha força sobretudo a partir do século XIX e se torna
preponderante no Ocidente no início do século XX. O positivismo jurídico
tem relação direta com o fortalecimento do Estado, que determina o direito
vigente no seu território, mas também com a comunidade de Estados, que
avança o direito positivo no plano internacional. O direito positivo
internacional é particularmente importante na construção da proteção
internacional dos direitos humanos.
Há vários positivismos e vários jusnaturalismos, conforme o
teórico. De qualquer modo, tanto o jusnaturalismo como o positivismo
jurídico, quando utilizados de forma isolada e irrestrita foram capazes de
legitimar autoritarismos e a violações massivas de direitos humanos, em
diferentes momentos da história. É difícil defender sem cair em
incoerências a construção de justiça em direitos humanos a partir de uma
única lógica positivista ou jusnaturalista.
117 HAULE R.R., “Some Reflections on the Foundation of Human Rights — Are Human
Rights and Alternative to Human Values?”, Max Planck Yearbook of United Nations Law,
vol.10, 2006, pp. 367-395.
118 KELZEN, H. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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