Disposições Gerais (Arts. 993 a 1.008)

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas1306-1397
1306
Código de Processo Civil
Uma longa e necessária introdução ao sistema
dos recursos trabalhistas
O objetivo deste livro — como evidencia o seu
título — é comentar as disposições do CPC à luz do
processo do trabalho; todavia, como nem todos os
recursos previstos no CPC são aplicáveis ao proces-
so do trabalho; como, no processo do trabalho, há
recursos não previstos no CPC; e como nem todos
os temas pertinentes aos recursos estão materializa-
dos nas normas do CPC, da CLT, ou da legislação
processual avulsa, entendemos necessário adotar o
seguinte procedimento:
a) antes dos comentários aos artigos do CPC fa-
remos considerações de natureza propedêutica, que
servirão como uma espécie de pano de fundo para
melhor compreensão das normas do CPC e da pró-
pria CLT;
b) ao examinarmos os artigos do CPC que tra-
tam dos recursos em espécie adaptaremos essas
disposições ao sistema do processo do trabalho, seja
colocando de lado o exame de alguns recursos do
CPC, seja adaptando-os ao processo do trabalho.
1. Duplo grau de jurisdição
Foi com um Decreto francês de 1º de maio de 1790
(segundo o qual “Il y aura deux degrés de jurisdiction
em matière civile, sauf exceptions particulières”) —
consequência direta da Revolução de 1789 — que se
rmou, em de nitivo, no plano do direito processual
moderno, o princípio do duplo grau de jurisdição. É
bem verdade que essa duplicidade de graus jurisdi-
cionais foi desfeita pela Constituição francesa de 1793,
vindo, entretanto, a ser restabelecida pela de 1795.
A contar daí, assegurou-se ao litigante vencido, to-
tal ou parcialmente, o direito de submeter a matéria
contida na decisão de primeiro grau a reexame por
órgão da jurisdição superior, desde que atendidos
certos pressupostos especí cos, previstos em lei. Na
verdade, não nos parece correto a rmar que o duplo
grau de jurisdição se caracteriza pela possibilidade
de a matéria ser submetida a novo exame (por outro
órgão judicial). O que se submete a novo julgamento
é a causa. Esta situação está clara no art. 1.013, § 3º
I, do CPC. Por força desta disposição legal, quando
houver recurso da decisão extintiva do processo sem
resolução do mérito (CPC, art. 485), o tribunal po-
derá julgar desde logo a lide se a causa estiver em
condições de imediato julgamento. O CPC de 1973
exigia, além disso, que a matéria versada na causa
fosse, exclusivamente, de direito (art. 515, § 3º).
Digamos, por exemplo, que a sentença haja extinto
o processo sem exame do mérito, ao fundamento
de o réu ser parte ilegítima. Dessa sentença o autor
recorre. O tribunal entende ser o réu parte legítima.
Diante disso, poderá passar, ato contínuo, ao
exame do mérito, se a causa estiver em condições
de imediato julgamento. Neste caso, a matéria de
mérito não estará sendo objeto de reexame, pelo
tribunal, pois o juiz de primeiro grau havia extinto
o processo sem julgar a lide, ou seja, sem examinar
a matéria meritória. Assim, veri ca-se que o duplo
grau de jurisdição não acarreta, necessariamente,
um reexame dos temas de mérito, e, sim, da causa,
com as suas diversas implicações.
É necessário, todavia, que não se estabeleça equí-
voco entre os conceitos de duplo grau de jurisdição e
duplo exame; nada obstante ambos constituam prin-
cípios processuais, pelo primeiro torna-se efetiva a
possibilidade de revisão das decisões secundárias,
em regra por órgãos jurisdicionais superiores, en-
quanto pelo segundo permite-se que o reexame
ocorra pelo próprio órgão proferidor da decisão
impugnada (como se dava com os embargos de nu-
TÍTULO II
DOS RECURSOS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 993
Art. 993. O presidente do tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão,
lavrando-se o acórdão posteriormente.
• Comentário
Proferida a decisão, o presidente do tribunal
determinará o seu imediato cumprimento. O acór-
dão respectivo será lavrado posteriormente. Cabe
lembrar a regra do art. 943, § 2º, conforme a qual a
ementa do acórdão deverá ser publicada no órgão
o cial no prazo de dez dias, e o acórdão, no prazo
de trinta dias, contados da sessão de julgamento, sob
pena de ser substituído pelas notas taquigrá cas, se-
gundo prevê o art. 944.
TST — IN 39/2016: os arts. 988 a 993 são aplicá-
veis ao processo do trabalho.
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Código de Processo Civil
lidade e infringentes do julgado, que se opunham às
decisões dos órgãos trabalhistas de primeiro grau,
sendo por estes julgados: CLT, art. 652, “c”). Os
embargos de declaração, em casos como o de con-
tradição, podem conformar-se ao conceito de duplo
exame, porquanto o órgão emissor da decisão em-
bargada terá de apreciar, novamente, as questões
decididas, a m de eliminar as proposições antagô-
nicas referentes a elas.
Podemos a rmar, desde logo e sem exaustão do
conceito, que recurso é o instrumento pelo qual a
parte (legítima e interessada), atendidos os demais
pressupostos legais, solicita (em geral a um órgão
superior) um novo pronunciamento jurisdicional
sobre a matéria anteriormente submetida à cognição
do juízo inferior. É largamente conhecida a a rma-
ção de Carnelu i (“Instituciones”, p. 416, n. 490)
de que “los procedimientos de reparación no exigen un
órgano distinto del que he pronunciado la sentencia im-
pugnada porque, eliminada la anomalia del procedimiento
impugnado, el mismo juez está en situación de corrigir
su propio error; en cambio en el procedimiento de reexa-
me es conveniente, aunque no necesária, la diversidad del
órgano”. Como procedimiento de reparación, no caso
brasileiro, podemos mencionar a correção de inexa-
tidões materiais da sentença, a que se refere o art.
833 da CLT, e os próprios embargos de declaração,
a despeito de havermos classi cado aquela como
providência corretiva e estes, como medidas sane-
adoras.
Aí está nitidamente estabelecida a correlação en-
tre o recurso e o duplo grau de jurisdição, embora
aquele seja um instituto jurídico e este, um princípio
(infraconstitucional, aliás). É por meio do primeiro,
contudo, que o segundo se manifesta, tornando-se
concreto no mundo jurídico.
No processo do trabalho, a concreção da du-
plicidade de graus jurisdicionais realiza-se por
intermédio do recurso ordinário (CLT, art. 895), o
mesmo se podendo dizer da apelação quanto ao
processo civil.
A Justiça do Trabalho, no entanto, à desseme-
lhança da comum (estadual ou federal), apresenta
três graus de jurisdição: no primeiro estão as Varas
do Trabalho (CLT, art. 647), ou os juízes de direito
(CLT, art. 668), conforme seja a hipótese; no segun-
do situam-se os TRTs (CLT, art. 670) e, no terceiro, o
TST (CLT, art. 690) — fato que autoriza a asseverar-
-se a existência, nesta Justiça Especializada, não
de uma duplicidade, mas sim de uma triplicidade de
graus jurisdicionais, conquanto o esgotamento de
todos esses graus não esteja, na prática, livre de di-
culdades. Assim dizemos porque a interposição de
recurso de revista, para o TST, está subordinada, ri-
gidamente, aos estritos casos previstos em lei (CLT,
art. 896, “a” a “c”), e nas diversas Súmulas daquele
Tribunal, cujo primeiro exame de admissibilidade é
efetuado pelo próprio órgão a quo (ibidem, § 1º), que
poderá, em decorrência disso, denegá-lo.
É de sugerir-se que, de lege ferenda, se procure res-
tringir a possibilidade de interposição de recursos
das decisões proferidas pelos órgãos da Justiça do
Trabalho, tendo em vista que a atual amplitude, com
que isso ocorre, se manifesta atentatória à necessida-
de indeclinável de rápida formação da coisa julgada;
a existência de um terceiro grau de jurisdição, mes-
mo com as apontadas di culdades de acesso ao TST,
pelo revista, contribui, longe de dúvida, para a frus-
tração desse anseio de celeridade na constituição da
res iudicata material.
Vale lembrar que a adoção, pelo direito proces-
sual brasileiro, do duplo grau de jurisdição (doble
instancia, em língua espanhola) foi antecedida de
críticas, até certo ponto contundentes; chegou-se,
mesmo, a colocar a questão nestes termos: a) ou os
órgãos da jurisdição superior são, presumivelmente,
mais capacitados que os inferiores, quanto à reali-
zação da justiça, e neste caso seria recomendável
encaminhar diretamente a eles a ação que se pre-
tendesse promover, ou, ao contrário, b) não devem
ser depositários dessa presunção de preeminência
jurídica, diante do que haveria um grande risco de
con ar-lhes o reexame da matéria, visto que pode-
riam substituir uma decisão correta por uma errada.
Esta foi, a propósito, a preocupação manifestada, há
séculos, por Ulpiano.
A par destas, outras objeções foram formuladas à
duplicidade de graus jurisdicionais:
a) a con rmação da sentença, pelo órgão superior,
implicaria supér ua atividade para o Judiciário,
porquanto a manutenção do julgado traria em si
uma declaração de ter sido perfeita a decisão do
grau inferior;
b) ao contrário, eventual reforma da decisão se-
cundária envolveria certo desprestígio do Estado,
porque isto importaria no reconhecimento de um
erro daquela decisão, que fora prolatada, em última
análise, pelo mesmo Estado (Poder Judiciário);
c) os recursos retardam a formação da res iudicata
e provocam um prolongamento do con ito de in-
teresses em que se encontram enredadas as partes,
além de infundir-lhes maior insegurança quanto ao
êxito ou ao fracasso nal das pretensões que dedu-
ziram em juízo;
d) a utilização dos recursos, pelo litigante de
má-fé, em vez de servir ao direito, o escoria sensi-
velmente.
Não faltaram, entretanto, apologistas do duplo
grau de jurisdição, podendo ser assim sintetizados
os argumentos dessa corrente doutrinária:
a) a garantia dos recursos está jungida a uma ne-
cessidade humana, pois ninguém se conforma com
um julgamento único e desfavorável;
b) o recurso atua como forma de puri cação da
sentença, escoimando-a de erros;
c) os recursos são apreciados por um órgão
colegiado, composto de juízes dotados de maior ex-
periência no ofício de julgar;
Art. 993
1308
Código de Processo Civil
d) a possibilidade de recorrer faz com que o juízo
inferior seja mais prudente, mais cioso no profe-
rimento da decisão, sabendo que esta poderá ser
submetida ao crivo do órgão superior, que tem com-
petência para reformá-la, se for o caso.
Coloquemos um grão de sal na discussão do
tema.
Os argumentos expostos em defesa do duplo
grau de jurisdição talvez impressionem o processo
civil, em atenção ao qual, aliás, foram concebidos;
em face do processo do trabalho, porém, perdem
muito da relevância que pudessem ter, em virtude
dos princípios informadores deste processo, dentre
os quais ressalta o da celeridade.
Respeitante à alegação (ou suposição) de possuírem
os juízes dos graus superiores maior conhecimento
jurídico das questões suscitadas na ação e aprecia-
das pela sentença, não se há, venia permissa, como
reconhecer-lhe e cácia plena, visto que pressupõe
serem o saber e a cultura jurídicos produtos do tem-
po, da prática reiterada, da vivência, en m; convém
chamar a atenção, todavia, para o fato de, não raro,
haver nos órgãos superiores magistrados investi-
dos muito menos tempo do que os de primeiro grau,
como ocorre, p. ex., quando é oriundo da classe dos
advogados ou do Ministério Público; suposição
dessa natureza, ademais, conduziria à inevitável
conclusão de constituírem os juízes de primeiro
grau algo como uma espécie de aprendices para re-
solver mal los assuntos, de modo a ser imprescindível
a existência dos órgãos superiores, incumbidos de
corregir los errores de aquellos, na precisa observação
de Tomás Jofre (apud LIMA, Alcides de Mendonça,
obra cit., p. 134).
Quanto ao fato de a parte não se conformar
com um julgamento único e desfavorável, a sua
aceitação implicaria atribuir a uma simples reação
psicológica do indivíduo uma relevância jurídica
que ela, em verdade, não tem. Em rigor, toda pessoa
vencida na ação pode ser tomada por esse estado
de “insatisfação psicológica”, mesmo sabendo, no
foro da sua consciência, que a sentença foi correta
e justa. A nosso ver, a própria previsão legal do li-
tigante de má-fé (improbus litigator) deita por terra,
implicitamente, qualquer importância que se pu-
desse reconhecer à insatisfação da parte diante de
um provimento jurisdicional desfavorável. Não há
como conciliar a presença dessa espécie de litigante
com a insatisfação subjetiva, que se tem procurado
elevar à categoria de argumento destinado a justi -
car a necessidade do duplo grau de jurisdição.
Fosse de prevalecer essa alegação de desagrado
psicológico, como justi car-se o fato de não se con-
sentir que o litigante vencedor em primeiro grau
e vencido em segundo interponha recurso ordiná-
rio do acórdão do Tribunal Regional para o TST,
considerando-se ter sido esta a primeira decisão
desfavorável aos seus interesses? Ou, acaso, se pre-
tende que essa diáfana “insatisfação psicológica”
justi que a interposição de recurso ordinário para o
TST, mesmo fora das hipóteses em que a decisão do
Tribunal Regional tenha sido proferida em matéria
de sua competência originária?
O processo do trabalho há de receber com a ne-
cessária reserva, portanto, a a rmação do ilustre João
Monteiro (Teoria do processo civil. 6. ed., tomo II. Rio
de Janeiro: Borsoi, 1956. p. 607), quanto a estar “na
própria natureza humana a gênesis da apelação...”.
De outro ponto, os recursos nem sempre acabam
aperfeiçoando as decisões de primeiro grau; são co-
nhecidos por todos os casos em que, ao contrário,
um mau acórdão substitui uma boa sentença. Diante
disso, como poderia sobreviver a a rmação de pos-
suírem ditos remédios um caráter puri cador das
decisões inferiores?
Propalar-se, ainda, que o juiz, sabendo que a sua
sentença poderá ser apreciada pelo órgão da jurisdi-
ção superior, via interposição de recurso, tratará de
elaborá-la com maior atenção e zelo é insinuar, data
venia, que os magistrados de primeiro grau são pes-
soas irresponsáveis e que requerem, por esse motivo,
uma vigilância por parte dos órgãos da jurisdição
superior, a quem se atribuiu, com vistas a isso, o
encargo de corrigir-lhes os desacertos na entrega da
prestação jurisdicional. Acreditamos não residir nes-
te fato a circunstância de terem os juízes de primeiro
grau aquela liberdade vigiada, de que tanto fala a dou-
trina (BERMUDES, Sérgio, obra cit., p. 11).
É absolutamente imperativo advertir, como o fez
Chiovenda, que “No Estado moderno não é pos-
sível a pluralidade das instâncias fundar-se na
subordinação do juiz inferior ao superior, por não
dependerem os juízes, quanto à aplicação da lei,
senão da lei mesma” (Princípios de derecho procesal
civil. Tomo II. Madrid: Instit. Editorial Reues, sem
data. p. 98).
As redarguições que efetuamos aos argumentos
empenhados na defesa do duplo grau de jurisdição
não signi cam, como se possa conjecturar, que es-
tejamos, com essa atitude, nos colocando ao lado
dos que preconizam a total supressão dos recursos;
nossas objeções foram formuladas, apenas, para
demonstrar que aquelas razões, nimiamente civilis-
tas, quando trasladadas para o campo peculiar do
processo do trabalho, perdem, em boa parte, a im-
portância que possam ter.
Somos dos que entendem que os recursos cons-
tituem, sem dúvida, um instituto salutar, porque
contribuem, em muitos casos, para a perfectibilida-
de das decisões judiciais e, de certa forma, para a
de nição de algumas questões controvertidas; dis-
cordamos, entretanto, da ampla possibilidade que as
leis processuais trabalhistas concedem ao litigante
vencido para provocar o reexame da matéria pelo
grau superior — mesmo estando consciente da exa-
ção da sentença impugnada.
1.1. Duplo grau e Constituição
A apreciação do tema relativo ao duplo grau de
jurisdição, a que estamos nos dedicando, não pode-
Art. 993

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