Dissolução de "holding" S/A e apuração de haveres

AutorRoberta Nioac Prado
Páginas230-236

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O escopo inicial deste trabalho é avaliar a possibilidade de sócio minoritário de holding, constituída sob a forma de sociedade por ações, pedir a sua dissolução. Feita essa análise passaremos a estudar a possibilidade da apuração de haveres ser feita em ações e/ou quotas da(s) controlada(s).

1. Pedido judicial de dissolução de "holding" S/A

Nos termos do art. 206, II, b da Lei 6.404, de 1976, atual Lei Societária, a sociedade constituída sob a forma de sociedade por ações pode dissolver-se por decisão judicial, sempre que restar provado não poder a mesma preencher seu fim: "Art. 206. Dissolve-se a companhia: (...) II - por decisão judicial: (...) b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social".1

A finalidade do supra transcrito dispositivo, claramente de proteção do minoritário,2 é a de possibilitar ao juiz a análise discricionária, caso a caso, do cabimento do pedido de dissolução.

Dessa forma, qualquer que seja o fundamento do pedido, desde que provado que a sociedade não pode preencher o seu fim, justifica-se a dissolução. E, segundo doutrina mais recente,3 está incluída nesse rol a alegação da falta de affectio societa-tis, se, é claro, tratar-se de sociedade de

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cunho personalista - intuito personae. Ou seja, de sociedade de caráter contratual, regida por normas derivadas da autonomia da vontade, na qual prevalecem os interesses individuais dos sócios.

E esse tipo societário, intuito personae, tanto pode ser constituído sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, como sob a fornia de companhia fechada.4 Nestas últimas, não existem investidores de capital, mas sim colaboradores na realização do interesse comum que justificou a sua constituição, tal qual ocorre nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada.

A constituição de sociedade holding, seja sob a forma de sociedade limitada, seja sob a forma de S/A fechada, tem primordialmente como causa o exercício conjunto de controle de uma terceira sociedade, podendo mesmo se dizer que é esta a sua função econômico-social, o seu objeti-vo ou fim social, o fundamento fático da sua própria continuidade.

Assim, se houver desinteligência entre os sócios de tal monta que o exercício da atividade para a qual foi constituída, no caso o controle de determinada sociedade, fique inviabilizado, a sua dissolução pode ser pleiteada em juízo, com base no dispositivo societário mencionado (art. 206, II, b, da Lei 6.404/76).

E nesse sentido que preponderantemente tem manifestado-se a doutrina, ao tratar do sentido e valor da pessoa jurídica em sentido amplo: "O verdadeiro critério no assunto, como frisamos, é o referente aos próprios pressupostos da separação patrimonial, enquanto causa da constituição das sociedades: de tipo formal, como por exemplo, o respeito a espécie societária; ou o pressuposto substancial da permanência do objeto e do objetivo social, como escopo inconfundível com o interesse ou a atividade individual dos sócios. A falta de qualquer desses pressupostos torna ineficaz a separação de patrimónios, estabelecida em regra"5 (grifos nossos).

Assim, estando a pessoa jurídica impossibilitada de cumprir o seu objeto e objetivo social, não mais se justifica a sua permanência no mundo jurídico.

Dessa maneira, provado em juízo o rompimento definitivo da affectio societa-tis, elemento que caracteriza a vontade de colaboração entre os sócios na consecução do objeto social, deve o juiz determinar a sua dissolução, total ou parcial,6 ainda que seja a holding constituída sob a forma de sociedade por ações.

Lembre-se que a dissolução parcial é uma solução substitutiva da dissolução total, conforme vêm se manifestando os nossos Tribunais: "De fato, o autor deixou bem claro na petição inicial que pretende a dissolução total da sociedade comercial, ou a dissolução parcial, com apuração real de seus haveres. A dissolução parcial postulada em forma alternativa, não se confunde com a retirada unilateral do sócio dissidente, mas é, isto sim, uma solução substitutiva da dissolução total, de tal modo que, não sendo possível esta, seja aquela adota-da a fim de proporcionar aos sócios que deixam a sociedade, realização mais real e justa de seus haveres".7

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Nesse mesmo sentido, também o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal: "Comercial. Dissolução de sociedade limitada. Pedida a dissolução total por um sócio, e a dissolução parcial pelos dois outros, o interesse social da conservação do empreendimento económico, viável ou próspero, indica a adoção da segunda fórmula. Nesse caso, dar-se-á apuração de haveres do sócio dissidente de maneira que a aproxime do resultado que poderia ele com a dissolução total, isto é, de forma ampla, com plena verificação, física e contábil, dos valores do ativo, e atualizados os ditos haveres, em seu valor monetário, até a data do pagamento".8

Por outro lado, a quebra da affectio so-cietatis na sociedade anónima já vem sendo há muito admitida pelos nossos Tribunais como causa de dissolução da mesma.9 Neste sentido o agravo 3.825, de 8.4.71: "Liquidação judicial de sociedade por ações. Sociedade anónima do tipo fechado, familiar, em que não há possibilidade de ingresso de estranhos, as ações não tem cotação em bolsa, ninguém as compra senão para formar maioria. Em caso de desentendimento só resta, à minoria, pedir a dissolução".10

Também acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 19.11.76: "(...) falta de affectio societatis e reduzida ativi-dade social. A sociedade não preencheu o seu fim (...) não há sociedade sem que a vontade livre dos contratantes, de cooperação interessada na obra comum, com a clara comunhão de capitais e trabalho honrado, para alcançar a sua finalidade avençada e lucrativa".11

Ainda, acórdão em apelação interposta perante o Tribunal de Justiça de São Paulo. Em 21.5.81: "A discórdia entre acio-nistas em sociedade anónima constituída por elementos da mesma família e, ainda, a impossibilidade de atingir seus objetivos e os prejuízos justificam sua dissolução (...). Se, de um lado, como sociedade comercial, não é lucrativa e, como sociedade familiar, não mais atende ao grupo minoritário, em termo de uso, gozo e fruição, frustrado está, a essa altura, o motivo da sua constituição e há de concluir-se que, se os acionistas majoritários não acordaram em uma dissolução parcial da sociedade, com a saída dos minoritários, há que chegar-se à dissolução total, para que o património imobiliário valioso seja liquidado ou partilhado como de .direito, tendo-se

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como irreversível a quebra da affectio so-cietatis. É que, sob qualquer dos prismas, não está podendo a apelada preencher os objetivos sociais expressos, comerciais e implícitos, familiares, separada ou conjun-tamente. A espécie, pois, é daquelas em que 'a discórdia entre os sócios pode tornar-se causa determinante da inexequibilidade do fim social, justificando a dissolução da sociedade".12

Na doutrina o entendimento não é diferente, conforme observamos no estudo de Luiz Leonardo Cantidiano: "Os princípios acima indicados (tratando da affectio societatis), aplicáveis no exame de situação que...

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