Dissoluçáo de S/A. Liquidaçáo irregular. Responsabilidade dos administradores
Autor | Cesar Amendolara |
Páginas | 183-191 |
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Agravo de instrumento 203.870-1-TACSP, 3.6.87
Sociedade comercial - Anónima - Liquidaçáo irregular - Recebimento dos ha-veres pelos socios sem cumplimento ante-cipado de obrigagóes sociais - Preexistencia de obrigagóes sociais - Preexistencia de débito oriundo de execugao - Fraude contra credores caracterizada -Responsa-bilidade solidaria dos socios pelos débitos - Aplicagáo da teoría de desconsideragáo da personalidade jurídica - Determinagáo de penhora dos bens suficientes á satisfa-gao do crédito exequéndo.
Dissolvida a sociedade anónima, compete aos interessados na liquidagáo realizar o ativo e solver o passivo, inclusive com fundos particulares dos socios se ne-cessário (CCom, art. 346). Recebendo estes seus haveres sem o cumprimento ante-cipado das obrigagóes sociais, ficam solidariamente responsáveis pelos débitos, pena de se enriquecerem i licitamente a custa de terceiros.
Em situagao que tal nao é possível manter a clássica distingao entre pessoa jurídica e pessoa natural.
Preexistindo á dissolugao débito oriundo de execugao encerrada quando a empresa se encontrava em regular funcionamen-to, foi aquel a feita em fraude contra credo-res, justificando a penhora de bens dos socios suficientes á satisfagao do crédito exe-qüendo.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento 203.870-1, da Comarca de Sao Paulo, em que sao agravantes M.L.S. e sua filha beneficiarías de J.J.S.F., sendo agravadas Cia. Paulista de Seguros e Funpress S/A - Industria e Comercio: acordam, em 2- Cámara do 2° Tribunal de Algada Civil, por votagáo unánime, dar provimento ao recurso.
M.L.S. e C J.L.S., beneficiarías de JJ.S.R, nos autos da execugao acidentária que movem contra Cia. Paulista de Seguros e a Funpress S/A - Industria e Comercio, nao se conformando com o despacho de fls. 405/v. dos referidos autos, que inde-feriu o pedido de processamento da penhora dos bens de H.S.C. e outros, diretores da
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aludida firma e que, sob o fundamento de que a pessoa jurídica da sociedade é incon-fundível com a dos socios, anulou a cita-gáo da ré, feita na pessoa de seus diretores e acionistas controladores, bem como inde-feriu requerimento para a citagáo de outros ñas mesmas condigóes, a fim de ser liquidado o crédito exeqüendo, interpóem agravo de instrumento, alegando, em resumo: 1) que a ré é pessoa jurídica de Direito Privado, sob a forma de sociedade anónima, e permitiu que seus bens desaparecessem sem que fossem satisfeitos os credores, bem como consentirán! que a sociedade "encerrasse" as suas atividades sem pro-rnover-lhe a regular liquidagáo; 2) que a sociedade que se encerra da referida forma perde a personalidade jurídica e transformase em sociedade de fato. E a apresentagao destas em juízo, nos termos do art. 12, VII, do CPC, pertence a todos os associados, quando nenhum deles individualmente responde pela administragáo de seus bens; 3) que a agao acidentária foi proposta há 17 anos, quando a companhia se encontrava em regular funcionamento, e sua "extingáo" ocorreu posteriormente ao ajuizamento do feito, e, portanto, em fraude aos credores.
Os agravados nao responderam.
Nos dois graus de jurisdigáo o Ministerio Público opinou pelo provimento ao agravo é o relatório.
Como salientou o culto representante do Ministerio Público de 1° grau, cuida-se de agáo versando sobre acídente ocorrido quando vigia o Decreto-lei 7.036/44, e a empresa ré foi constituida quando em vigor o anterior diploma legal que dispunha sobre as sociedades por agóes, o Decreto-lei 2.627, de 26.9.40.
Entende-se, em consonancia com o referido parecer, referendado pela douta Procuradoria, na pessoa da Dra. Nair Cioc-cheti de Souza, que o recurso merece provimento.
A sociedade foi dissolvida quando já havia transitado em julgado a sentenga con-denatoria em agño de acídente do trabalho movida pelo pai das agravantes. Como de-cidiu a E. 3- Cámara desta Corte: "Compe-tia aos interessados na liquidagáo da empresa realizar o ativo e solver o passivo, inclusive com fundos particulares dos socios, se necessário (CCom, art. 346). Ora, se os socios receberam os seus haveres sem o cumprimento antecipado das obrigagóes sociais, ficaram solidariamente responsá-veis pelo débito, pena de se enriquecerem ilícitamente, a custa de terceiros. Ademáis, os socios da empresa, por fofga do art. 12 da Lei das Sociedades por Agóes, sao res-ponsáveis solidarios, sem limites, pelo fato de nao terem oportunamente dado cumprimento ao disposto no art. 94 do Decreto-lei 7.036, de 10.11.44" (JTACivSP 28/212).
Ocorreu fraude á execugáo de credor acidentado no trabalho.
As citagóes do ilustre Dr. Curador po-dem-se acrescentar as do eminente Silvio de Salvo Venosa:
"Contudo, nao é desviada de sua fina-lidade para atingir fins escusos, prejudicar terceiros ou fraudar a lei.
"Destarte, vem ganhando corpo na doutrina brasileira, baseado em escritos es-trangeiros, certo abrandamento ao principio exacerbado de protegáo á pessoa jurídica.
"Toma corpo a nogáo de que, sob determinadas situagóes, nao é possível man-ter a clássica distingáo entre pessoa jurídica e pessoa natural. Há situagóes em que resguardar a pessoa jurídica dentro do seu manto leva a profundas iniquidades" (Di-reito Civil - Teoría Gemí, Atlas, 1984, p. 218).
Consoante eminente jurista, em casos tais, deve o julgador decidir como se o ato tivesse sido praticado por urna pessoa natural, imputando responsabilidade aos socios que detinham em mira burlar a lei, po-dendo a fraude á lei ser urna fraude a um contrato, á própria lei ou como no caso sub judice, contra credores (livro cit., p. 219).
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Face ao exposto, dá-se provimento ao agravo, para o reconhecimentó da validade da citagáo de ré na pessoa de seus direto-res, bem como a citagáo da requerida por precatória ou edital, na pessoa de seu dire-tor presidente e que seja efetuada a penho-ra de bens, para a satisfagáo do crédito exe-qüendo.
Presidiu o julgamento o Juiz Pérsio Mancebo e dele participaran! os Juízes Batista Lopes e Acayaba de Toledo.
Sao Paulo, 3 de junho de 1987.
Debatim Cardoso, Relator (RT 620/ 135).
Comentarios de Cesar Amendolara
O v. acórdáo trata de agravo de instrumento interposto por credores de socie-dade anónima contra despacho que indefe-riu o procedimento de penhora dos bens e anulou a citagáo da empresa ré na pessoa dos socios em agáo movida com vistas a resguardar os interesses destes credores, em fungáo da sociedade ter sido dissolvida e seus haveres partilhados antes de solvido o passivo da mesma.
O que podemos depreender do julga-do ora comentado é que o procedimento de liquidagáo ordinaria acarretou danos a cre-dor de divida preexistente ao inicio da liquidagáo. Como conseqüéncia os autores/ recorrentes buscam responsabilizar ilimitadamente os administradores pelo montante das dividas.
Primeiramente abordaremos quais sao as conseqüéncias geradas a partir do momento da deliberagáo da dissolugáo da compa-nhia, no que tange á continuagáo ou nao da personalidade jurídica, até a sua extingáo ao fim do procedimento de liquidagáo, para posteriormente enfocarmos a responsabili-dade dos administradores, liquidantes e acionistas nos procedimentos ordinarios de liquidagáo das sociedades anónimas.
Da análise do v. acórdáo percebe-se que nao houve a extingáo da sociedade; e a apuragáo dos haveres, bem como a parti-lha destes entre os socios se deu ao arrepio das normas que regem o procedimento ordinario de liquidagáo.
O Capítulo XVII da Lei Societaria brasil eirá trata em segóes específicas e ordenadas seqüencialmente da dissolugáo, liquida-gao e da extingáo das sociedades anónimas. Esta sistemática legal utilizada pelo legislador, a nosso ver, teve como objetivo principal estabelecer expressamente quais as fases procedimentais a serem cumpridas, bem como demonstrar qual deverá ser a ordem cronológica dos atos...
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