Do povo

AutorJean-Jacques Rousseau
Páginas81-83

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Assim como antes de erguer um grande edifício, o arquiteto observa e sonda o solo para verificar se ele pode aguentar o peso, também o sábio instituidor não começa a redigir boas leis por si mesmas, mas examina antes se o povo, a que as destina, está em condição de recebê-las. Foi por isso que Platão se negou a dar leis aos Arcádios e aos Cireneus, por saber que esses povos eram ricos e não suportariam a igualdade: foi por isso que viram em Creta boas leis e maus homens, porque Minos só havia disciplinado um povo cheio de vícios.

Brilharam na Terra milhares de nações que não teriam podido suportar boas leis, e mesmo aquelas que elas teriam admitido só durar um tempo muito curto para esse fim. Como os homens9, os povos somente são dóceis em sua juventude, tornam-se incorrigíveis quando envelhecem; quando os costumes são estabelecidos e enraizados os preconceitos, querer reformá-los é empreendimento perigoso e inútil; não permite o povo que se toque em seus males

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para os destruir, semelhando a esses doentes estúpidos e sem coragem que tremem diante da presença do médico.

Não significa isso, como algumas doenças transtornam a mente dos homens e os privam da lembrança do passado, que não se encontre, algumas vezes, na duração dos Estados, épocas violentas em que as revoluções exerceram sobre o povo o que determinadas crises produzem nos indivíduos, em que o horror do passado substitui o esquecimento, e em que o Estado, incendiado pelas guerras civis, por assim dizer renasce de sua cinza e recupera o vigor da juventude ao sair dos braços da morte. Assim foi Esparta ao tempo de Lycurgo, e foi Roma, depois dos Tarquínios; e assim têm sido, entre nós, a Holanda e a Suíça, depois da expulsão dos tiranos.

Contudo, são raros esses acontecimentos; são exceções cuja razão sempre se encontra na constituição particular do Estado excetuado. Elas não aconteceriam duas vezes para o mesmo povo, visto que ele poderá fazer-se livre enquanto bárbaro, mas não o pode mais ser quando a instância civil esteja gasta. Então, as perturbações podem destruí-lo, sem que as revoluções o possam restaurar, e logo que os grilhões estejam partidos, ele tomba disperso e deixa de existir. Faz-se mister, daí em diante, um senhor e não um libertador. Povos livres, lembrai-vos desta máxima: pode-se adquirir a liberdade, mas nunca se pode recuperá-la.

Há, tanto para as nações como para os homens, um período de maturidade que se deve esperar10antes de serem

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