Do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos ao Regime de Previdência Complementar dos Agentes Públicos

AutorRaul Miguel Freitas de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor Doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP, na cadeira de Direito Administrativo, Ambiental e Sanitário
Páginas263-295

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7. 1 Introdução

Foi alhures debatido nesta obra que a conformação do RPPS ocorreu a partir dos ditames da Emenda Constitucional n. 20/1998 que, por seu turno, foram consolidados nas Emendas Constitucionais
n. 41/2003 e n. 47/2005.

Opinião semelhante é a de Dânae Dal Bianco1, que qualificou a Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, como o “marco inicial de reforma dos Regimes Próprios de Previdência dos servidores públicos”.

A partir dessas emendas ao texto constitucional, a previdência do servidor público inseriu-se no Sistema de Previdência Social como verdadeiro regime previdenciário, pois submetido a um conjunto peculiar de regras jurídicas sustentadas nos princípios abordados neste trabalho.

Esse regime previdenciário, por seu turno, é composto por duas partes bastante definidas, o RPPS e o Regime de Previdência Complementar, como decorrência lógica das regras contidas no artigo 1º, da Emenda Constitucional n. 20/1998, no respeitante à nova redação então conferida ao artigo 40, §§ 14 a 16, da Constituição Federal, posteriormente alterada pelo artigo 1º, da Emenda Constitucional n. 41/2003, que também deu nova redação ao artigo 40, § 15, da Constituição Federal.

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Ao se perscrutar o conteúdo dos citados dispositivos emendadores, extraem-se as seguintes conclusões preliminares, essenciais à compreensão da matéria:

  1. à União, Estados, Distrito Federal e Municípios foi conferida a possibilidade de fixar um valor máximo para pagamento dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão concedidas aos servidores titulares de cargo efetivo exatamente idêntico ao chamado valor teto de benefícios do Regime Geral de Previdência Social, desde que instituído o aludido Regime de Previdência Complementar acessível aos citados servidores;

  2. inicialmente, no citado parágrafo 15 do artigo 40, da Constituição Federal, tal regime de natureza privada deveria ser instituído por uma lei complementar de caráter nacional, disposição essa que poderia gerar questionamentos quanto à constitucionalidade, na medida em que a matéria previdenciária própria de cada ente federativo não é competência legislativa privativa da União;

  3. no entanto, tal dispositivo sofreu alteração pela emenda posterior, para prever que uma lei, não mais de categoria complementar, mas de iniciativa do Poder Executivo de cada ente federativo, é que deveria ser adotada para instituir tal regime de previdência complementar próprio de cada citado ente, com isso dissipando-se a possibilidade de questionamentos quanto à constitucionalidade da regra constitucional por invasão de competência legislativa por parte da União;

  4. ainda, no parágrafo 15, do artigo 40 da Constituição Federal, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, tal regime de previdência complementar poderia ser criado para “atender (...) servidores titulares de cargo efetivo”, nada sendo dito, porém também proibido, em relação às demais espécies de agentes públicos,

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    tais como os agentes políticos, os servidores ocupantes somente de cargo em comissão, os empregados públicos e servidores titulares de função pública de caráter temporário, por exemplo;

  5. entretanto, tal citado conteúdo foi totalmente substituído por aquele constante na Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, em que também se inseriu determinação no sentido de que as entidades gestoras de tal regime de previdência deveriam ser “de natureza pública”, e os planos de benefícios, “somente na modalidade de contribuição definida”.

    Uma primeira interpretação das regras retromencionadas conduz à conclusão de que um dos objetivos das reformas previdenciárias foi estabelecer o valor máximo de benefício previdenciário pago no RGPS também ao RPPS, uma vez instituído o Regime de Previdência Complementar - RPC, como medida mesmo de diminuição de custo previdenciário.

    Tal sistemática, conforme exposto no segundo capítulo deste livro2, atende as bases teóricas macroeconômicas traçadas pelo Banco Mundial, em 1994, baseada nos denominados “três pilares” da previdência social.

    Destes pilares, o primeiro seria o de benefício definido financiado, na hipótese presente correspondente ao benefício do “RPPS com teto máximo do RGPS”; o segundo, de contribuição definida, mandatória e de gerenciamento privado, correspondente exatamente à recém-instituída previdência complementar; e o terceiro, de caráter voluntário, privado e, portanto, dependente de decisão individual dos agentes públicos (por exemplo, os planos de previdência privada ofertados por instituições bancárias e seguradoras).

    Quanto aos demais aspectos da estrutura do RPPS, tais como as normas básicas de organização de sua entidade gestora, o plano

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    de custeio, o plano de benefícios, as regras de gestão e governança, entre outros, mantém-se tudo aquilo que foi sobejamente abordado neste trabalho, constante no bloco normativo formado pela Lei n. 9.717/1998 (Lei Geral da Previdência Pública) e demais legislação regulamenta-dora esmiuçada principalmente a partir do capítulo quatro dessa obra.

    Portanto, neste brevíssimo tópico, o objetivo primordial é de se analisar as principais vicissitudes do RPPS, tendo em vista as normas das emendas constitucionais que lhe amoldaram até o presente momento, em que, por recentes leis, primeiramente do Estado de São Paulo e posteriormente da União Federal, foi instituído o mencionado RPC.

    Primeiramente, a reestruturação do RPPS em diversos Estados e Municípios brasileiros exigiu a construção de um conteúdo de conhecimentos até então pouco aplicados, relativos à ciência financeira e atuarial, para tornar efetivos os ditames dos princípios jurídicos analisados nos capítulos quatro a seis desta obra.

    A busca do equilíbrio financeiro e atuarial, na ordem pragmática do dia a dia do RPPS de diversos entes federativos, perpassou pela necessidade de se compatibilizar dois problemas fundamentais, o desequilíbrio de custeio decorrente de uma relação desproporcional entre servidores ativos e inativos, na medida em que, ainda hoje, a grande maioria dos planos de benefícios adotados no RPPS é de repartição simples.

    O custeio do plano por tal regime financeiro, conforme alhures analisado, possui um risco inerente à referida relação numérica existente entre a população de servidores ativos e inativos, pois os primeiros vertem contribuições, juntamente com o ente público, para o pagamento dos benefícios recebidos na inatividade pelos segundos.

    Essa situação é agravada, quando não dramática, em Estados da federação mais antigos e cuja massa de servidores inativos aumentou em razão da ausência de políticas de estímulo à retenção de servidores no serviço público, assim como de atração de jovens profissionais ao ingresso na carreira pública.

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    Disto se pinça interessante constatação: o novo modelo previdenciário voltado ao atendimento do servidor público deve ser concebido e mantido por uma política pública que contemple a preocupação de criação de condições de excelência na atração de profissionais cada vez mais jovens às carreiras públicas, e, posteriormente, à retenção destes no serviço público, pela instituição de benefícios, garantias, prerrogativas e, principalmente, carreiras consolidadas em progressão baseada em critérios de mérito profissional.

    A ideia é bastante simples e evidente: é necessário que o administrador público, se quiser dissipar o déficit previdenciário decorrente da relação desproporcional entre servidores ativos e inativos, crie condições de manter por mais tempo seus servidores públicos em atividade, evitando assim que, pela aposentação, migrem para a população inativa aumentando, ainda mais, o custo previdenciário.

    Noutro quadrante, é indispensável também que exista uma política de criação de novas vagas de trabalho na Administração Pública, cujo preenchimento se direcione, cada vez mais, às pessoas jovens e com significativo grau de profissionalização, de forma a não se desrespeitarem princípios constitucionais da Administração Pública, tais como o da impessoalidade e eficiência.

    Descortinou-se, nesse novo modelo de previdência do servidor público, a necessária preocupação do administrador público para estabelecer saudáveis políticas de gestão de pessoas relativas aos cargos, carreiras, remunerações e prerrogativas.

    Ou seja, um RPPS equilibrado financeira e atuarialmente exige do administrador público preocupação cada vez maior com sua política de gestão do pessoal em atividade, na medida em que tal regime, quase que prioritariamente, se utiliza do regime financeiro de repartição simples.

    Atrair profissionais que se insiram nas carreiras públicas na fase da juventude, como também criar mecanismos para manter tais profissionais satisfeitos na carreira pública a maior parte do tempo de suas vidas laborativas, são objetivos que devem ser perseguidos para se manter um RPPS financeira e atuarialmente equilibrado.

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7. 2 A previdência complementar dos agentes públicos do Estado de São Paulo

No contexto de preocupações alinhavadas no tópico antecedente, referentes ao equilíbrio financeiro e atuarial do RPPS pela via de nele se estabelecer o teto remuneratório adotado no RGPS, o Estado de São Paulo partiu na frente da União Federal ao instituir o seu Regime de Previdência Complementar - RPC, tendo por destinatários várias categorias de agentes públicos.

O Governador do Estado de São Paulo, em 31 de agosto de 2011, encaminhou a Mensagem n. 77 à Assembleia Legislativa pela qual anexou uma manifestação da Secretaria Estadual da Fazenda em que foram registrados os principais argumentos da propositura do então Projeto de Lei n. 840, de 2011.

Em linhas gerais, as razões que justificaram a aludida propositura foram as...

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