O Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial no Regime Próprio de Previdência Social

AutorRaul Miguel Freitas de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor Doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP, na cadeira de Direito Administrativo, Ambiental e Sanitário
Páginas119-205

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4. 1 Alguns conceitos de equilíbrio financeiro e atuarial no RPPS e no RPC

No dia 8 de novembro de 1999, após a primeira reforma previdenciária promovida pela E.C. n. 20/1998, o jurista Wladimir Novaes Martinez1, no 6.º Seminário Nacional de Direito Administrativo, realizado em São Paulo, manifestou perspicaz opinião sobre a necessidade de entendimento e estudo do que então denominou “princípio do equilíbrio financeiro e atuarial” no RPPS:

(...) aliás, princípio que eu recomendo estudo, porque esse princípio, se bem examinado, vai obstar muitas ações de inconstitucionalidade, e vai permitir a solução; porque, quando o emendador constituinte diz que este plano tem de ter equilíbrio econômico, financeiro e atuarial, este conceito terá de ser desenvolvido, e por atuários que têm o conhecimento de direito, para que se compreenda o que é um plano atuarialmente equilibrado; e por um economista que vai dizer o que é um plano economicamente equilibrado, um conceito que quase pertence, com exclusividade, à Previdência Complementar, e que terá de ser trazido à Previdência Básica e ao Direito Constitucional; porque, em muitos casos, o Poder Executivo, nesse afã de buscar fontes de custeio, vai invocar esse princípio, ou, se não for um princípio, um belo preceito, um belo postulado; não sei ainda se é um princípio, mas agora o estou chamando assim, do equilíbrio desse plano de custeio de benefícios, que pela primeira vez aparece na Constituição Federal. [grifos nossos]

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O doutrinador ressaltou que o plano previdenciário deve ser equilibrado economicamente, financeiramente e atuarialmente, tendo sido a ideia desses equilíbrios trazida da Previdência Complementar.

Realmente, no Brasil, o conceito de equilíbrio financeiro e atuarial já era aplicado aos planos previdenciários privados, disciplinados originalmente pela Lei n. 6.435, de 15 de julho de 1977, que foi revogada pela Lei Complementar n. 109, de 29 de maio de 2001, após a E.C.
n. 20/1998 ter modificado vários aspectos do regime de previdência complementar.

Na referida lei revogada, não era expresso no texto o “equilíbrio financeiro e atuarial”, todavia o mesmo era resguardado, implicitamente, pela previsão do artigo 24, que obrigava todos os planos de benefícios a serem “avaliados atuarialmente, em cada balanço, por entidade ou profissional legalmente habilitado”2, podendo o atuário ser responsabilizado por eventual desequilíbrio.

No artigo 7.º da Lei Complementar n. 109/2001, que atualmente disciplina a matéria, há menção expressa ao equilíbrio econômico-financeiro e atuarial como um dos preceitos fundamentais dos planos de previdência complementar.

Referido dispositivo legal prevê que os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador das entidades de previdência complementar, com o objetivo de assegurar a transparência, a solvência, a liquidez e o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.

Entretanto, outro elemento que confirma o fato de que o equilíbrio financeiro (ao menos) em matéria previdenciária já estava implicitamente

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previsto no texto constitucional deve ser ressaltado. Desde a promulgação da Constituição Federal, no seu artigo 195, § 5.º, previu-se a regra da contrapartida, aplicável ao RGPS. Segundo ela, nenhum benefício pode ser criado, majorado ou estendido sem a previsão da correspondente fonte de custeio total. Tal dispositivo é, sem dúvida, uma regra que visa à manutenção do equilíbrio financeiro no RPGS.

Nos dias hodiernos, encontram-se alguns conceitos jurídicos sobre o equilíbrio financeiro e atuarial elaborados por vários doutrinadores, remanescendo, porém, incertezas quanto ao seu significado.

A conceituação do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial depende do conhecimento de peculiaridades de outras áreas do conhecimento humano, tais como a matemática atuarial, que não são comumente dominadas pelos juristas.

Muitos conceitos matemáticos e atuariais foram incluídos na legislação do RPPS, tal como na Lei Básica da Previdência Pública (Lei n.
9.717, de 27 de novembro de 1998), seguindo-se o que já era tradição na previdência privada, disciplinada pela Lei Básica da Previdência Complementar (Lei Complementar n. 109, de 29 de maio de 2001).

Tais conceitos, conforme se verá adiante, merecem uma análise mais aprofundada, pois se relacionam intimamente com o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro3, em parecer em que analisou o anteprojeto de lei que disciplinava o RPPS do Estado de São Paulo, após a edição da E.C. n. 20/1998, foi pioneira na preocupação de conceituar o que seria o equilíbrio financeiro e atuarial em tal regime previdenciário. Diz a doutrinadora, socorrendo-se da lição de João Antonio Pereira Leite:

Para bem entender o significado da expressão equilíbrio atuarial, é oportuno recorrer, mais uma vez, à lição de João Antônio Pereira Leite, na obra citada, p. 22: “A economia coletiva ou seguro desenvolve-se quando,

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através de matemática atuarial, se logram estabelecer ‘leis’ para o acaso, isto é, fixar com relativa precisão as necessidades globais de um grupo deter-minado, no que respeita a certo risco e em uma dada unidade de tempo. Calcula-se a probabilidade da ocorrência de fatos danosos, relacionando, para usar a linguagem técnica, os ‘casos favoráveis’ e os ‘casos possíveis’. A fração daí resultante permite fixar a quota ou a contribuição de cada componente do grupo, repartindo entre todos a reparação do dano que atingirá apenas alguns deles. Esta constatação, quase evidente, de que cada um dos membros do grupo pode sofrer um prejuízo de X, insuportável ou seriamente nocivo, o qual repartido entre todos resulta no dispêndio de quantia módica ou pelo menos suportável e prevista, igual a X dividido pelo número de possíveis prejudicados aliada ao tratamento científico das necessidades globais, responde pela pujança do seguro em todo mundo, visando aos mais diversos riscos, principalmente aos que ameaçam a integridade física da pessoa humana ou sua própria inexistência, e seu patrimônio”.

Após a segunda emenda constitucional de reforma da previdência social, o mesmo doutrinador de direito previdenciário, Wladimir Novaes Martinez4, comentando a nova redação do artigo 40 da Constituição Federal, assim pormenorizou o significado do equilíbrio financeiro e atuarial:

O final do texto é amplo e genérico, ensejando liberdade para o legislador ordinário; preservar o equilíbrio financeiro significa muito. Dá azo a plano de custeio real e de benefício realistas. Comporta regime financeiro de capitalização para benefícios programados, e de repartição simples, para prestações de risco.

Acolhe as premissas atuariais e, com isso, obriga o controle por parte do matemático, impondo revisões periódicas. Tudo nos limites e em consonância com os dispositivos seguintes.

Tal princípio reclama sabedoria do legislador ordinário, conhecimento previdenciário do julgador e cuidados doutrinários; mas, sustentáculo do sistema, não pode prestar-se como bandeira para criar novos ou diminuir benefícios sem base científica. [grifos nossos]

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Das anotações retrotranscritas, depreende-se que os mestres pinçaram alguns pontos-chaves do equilíbrio financeiro e atuarial de um plano de previdência no RPPS.

Para o jurista Wladimir Novaes Martinez, por conta de tal princípio, teria o RPPS um “plano de custeio real e de benefícios realistas”: isto significa dizer que deverão ser feitos cálculos atuariais para determinar o custo previdenciário do plano, assim como quais benefícios previdenciários factíveis o plano oferecerá. Nesses cálculos do custo atuarial deverão ser quantificados os riscos futuros de determinada comunidade a ser protegida. Deverão também ser conhecidas as características próprias de cada uma das pessoas vinculadas ao plano, sejam elas servidores ou seus dependentes. Tais características são informações como idade, quantidade de dependentes etc. Os “benefícios realistas” são aqueles calculados tendo em vista tais informações da realidade.

Também comportaria “regime financeiro de capitalização para benefícios programados, e de repartição simples, para prestações de risco”. Nesse ponto, o doutrinador chama a atenção para a possibilidade da adoção de diferentes regimes de financiamento para diferentes prestações do plano previdenciário.

O exemplo por excelência de benefício programado é a aposentadoria, cujo período contributivo é longo e o fato gerador é delimitado no tempo, possuindo também maior custo. Na tradição da previdência privada, sujeitam-se os benefícios programados ao regime de financiamento de capitalização.

As prestações de risco, por sua vez, seriam aquelas cujos fatos geradores são eventos incertos, tais como...

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